terça-feira, 20 de julho de 2021

Supersalários e Fundo Partidário

Os supersalários mensais de todo o funcionalismo foram enquadrados ao limite constitucional de R$ 39.200,00. A Câmara aprovou na terça, dia 14, barreira extinguindo quase todos os artifícios usados para ferir a Constituição e receber salários de 50, 70, 100 mil reais por mês. Economia de alguns bilhões de reais com o fim do privilégio, escandaloso e ilegal.


Depois da terça veio a quinta, dia 16, e o Congresso triplicou os recursos para a campanha eleitoral de 2022. De R$ 2 bilhões em 2020 para R$ 5,7 bilhões ano que vem. Os políticos e os parlamentares conhecem as imensas oportunidades abertas pela era digital para o acesso aos cidadãos a custo praticamente zero, caso queiram divulgar seus nomes e suas ideias.

Para que, então, tantos bilhões? Vão monetizar votos? Não mais acreditam no poder das ideias, da sintonia com os anseios da população? Eleição virou balcão? Porque não destinar a economia com os supersalários para os milhões de brasileiros sem nenhuma renda?

São terríveis as notícias sobre o empobrecimento dos brasileiros. Poder de compra da metade da população vai cair 17% este ano. Nesta semana o jornal Valor publicou que 4 em cada 10 pobres são adolescentes e crianças: 20,8 milhões de pessoas. 6,1 milhões são crianças de zero a 5 anos.

Esse contingente de brasileiros enfrenta restrições que vão comprometer suas oportunidades no futuro. O custo para erradicar a pobreza infantil no Brasil é calculado em 50 bilhões por ano. O de queimar outra geração, como estamos fazendo, é incalculável.

O circo e a Justiça

Sempre que surge um novo processo judicial, habituamo-nos a ouvir e a ler que chegou o tempo da Justiça e que, portanto, todos os outros tempos – o da política, o da economia e até o dos interesses nem sempre confessos – devem ser congelados. O silêncio, costuma dizer-se nesses momentos, é crucial para deixar a Justiça funcionar. No entanto, é capaz de já ter chegado a altura de aceitar que a Justiça não tem um só tempo. Por aquilo a que temos assistido, com alguma frequência, será melhor passarmos a considerar que a Justiça em Portugal tem dois tempos: primeiro o do circo e só depois o da Justiça.


O tempo do circo é aquele em que nos tentam passar a ideia de que a Justiça é rápida, eficaz e implacável. É aquele em que acordamos a saber que um conjunto de buscas milimetricamente organizadas conseguiu desmantelar uma cadeia de movimentos suspeitos e que, por isso, a detenção de uns quantos figurões é, naturalmente, o desfecho normal desse processo. É o momento em que o cidadão comum sente que a Justiça está, de facto, a cumprir o seu papel e a ir atrás dos poderosos – aqueles que pareciam viver em clima de impunidade, protegidos por forças ocultas. Essa perceção é alicerçada, quase sempre, em pormenores que se vão libertando da investigação criminal: esquemas “ardilosos”, conversas em código, relações de causa-efeito que ajudam a construir uma narrativa que faz todo o sentido e que, pelos factos expostos, merece ser punida. Nos casos com figuras mais mediáticas, tudo isso é acompanhado por detenções para interrogatório através de justificações muito duvidosas, mas que ajudam ao circo: permitem, por exemplo, que os detidos sejam depois obrigados a deslocarem-se da esquadra ao tribunal, com escolta policial e a cruzar a cidade, ignorando as regras de trânsito, numa emergência despropositada, mas que faz o gáudio dos diretos televisivos – em especial quando já não há o autocarro da Seleção para acompanhar da mesma forma.

Depois temos, então, o tempo da Justiça. Aquele em que já não são as narrativas que contam, mas apenas as provas recolhidas durante as investigações, as buscas e os interrogatórios. E as conclusões do tempo da Justiça nem sempre são coincidentes com as do tempo do circo. No caso dos Vistos Gold, por exemplo, as provas, na era do circo, eram “arrasadoras” acerca do “lamaçal” existente no SEF – de acordo com o que se lia no texto da acusação. Depois, o ex-ministro Miguel Macedo foi absolvido pelo tribunal. Algo semelhante ocorreu no caso Tancos: há poucos dias, em tribunal, o próprio Ministério Púbico pediu a absolvição do também ex-ministro Azeredo Lopes, por não ter, afinal, provas concludentes para o acusar.

O tempo do circo tem sido, isso sim, terreno fértil para lançar acusações sobre o “regime”, alegadamente podre, em que vivemos. A narrativa não é despropositada, convenhamos – mas raramente tem sido sustentada em provas. Deixemos, portanto, o circo e concentremo-nos na Justiça – e no seu tempo.