terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Tal pai, tais filhos

O vice-presidente Hamilton Mourão disse que os rolos do primeiro-filho geram “algum problema familiar, mas não para o governo”. Será mesmo?

Mourão não é o único aliado que gostaria de ver os herdeiros de Bolsonaro longe do palácio. O desejo é compartilhado por outros integrantes do núcleo militar do governo. Os generais temem que confusões envolvendo Flávio, Carlos e Eduardo contaminem a administração de Jair. Por enquanto, não conseguiram ser ouvidos.

No desfile da posse, o vereador Carlos posou de guarda-costas do pai na garupa do Rolls-Royce presidencial. Não foi só um ato de exibicionismo. Para políticos que esperavam Bolsonaro no Congresso, o “02” quis mostrar que será uma eminência parda do novo governo.

Pelo que se viu até aqui, ele tinha razão. Na sexta passada, o UOL informou que Carlos já teve mais audiências com o presidente do que 18 dos 22 ministros. Embora não ocupe cargo em Brasília, ele participou da primeira reunião ministerial da “nova era”. Passou o encontro tuitando, enquanto os titulares de pastas tiveram que deixar os celulares fora da sala.

O vereador flertou com a ideia de assumir a Secretaria de Comunicação Social, que administra as verbas de publicidade do governo. A indicação não saiu, mas ele reassumiu os perfis do painas redes sociais. Nas horas vagas, usa o Twitterp ara atacar jornais e jornalistas.

Eduardo, o “03”, também se esforça para ostentar prestígio. Ele já chegou ase insinuar para a presidência da Câmara, segundo posto na linha sucessória. Depois viajou aos EUA como chanceler informal do governo. O ocupante oficial do cargo, Ernesto Araújo, precisou da sua bênção para ser nomeado.

Ontem o deputado desembarcou em Davos na comitiva do pai. Ele divulgou uma foto em que aparece ao lado do presidente no avião. Quatro ministros, entre eles Paulo Guedes e Sergio Moro, observam acena do outro lado do corredor.

Flávio, o “01”, costumava ser descrito como o filho moderado de Bolsonaro. Na transição, aliados do presidente diziam que ele seria o único herdeiro anão causar problemas ao governo. Poi sé.

Brasil na largada


Enrosco de Flávio Bolsonaro contamina governo

É grande o esforço do Planalto para dissociar Jair Bolsonaro e seu governo do enrosco em que se meteu o senador eleito Flávio Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão, agora no exercício da Presidência, disse que o caso que envolve o filho mais velho do presidente “não tem nada a ver com o governo”. Para o general Mourão, a encrenca “cria algum problema familiar, mas não para o governo.” Lamentavelmente, não é bem assim.

A coisa funciona segundo a lógica exposta na música de Claudinho e Bochecha, interpretada por Adriana Calcanhoto. Jair Bolsonaro sem Flávio Bolsonaro seria como “avião sem asa, fogueira sem brasa, futebol sem bola, Piu-piu sem Frajola.” Políticos como os da dinastia Bolsonaro, que se vendem como protótipos da moralidade, convivem permanentemente com o risco de que, a qualquer momento, os fatos desautorizem o discurso.


Há três meses, Flávio Bolsonaro borrifava detergente no noticiário político. Ele dizia: “Não há a menor condição de apoiar Renan Calheiros para a presidência do Senado”. Afirmava também que “o novo momento do Brasil pede um presidente inédito” na Câmara, não Rodrigo Maia. Hoje, o Planalto está fechado com a reeleição de Maia na Câmara. E Renan estende a mão para o filho do presidente, às voltas com o risco de estrear no Senado como protagonista de uma CPI.

Flávio Bolsonaro não aproveitou adequadamente as oportunidades que teve para se distanciar do amigo e ex-assessor Fabrício Queiroz, o correntista atípico do Coaf. E acabou virando uma oportunidade que os políticos se equipam para aproveitar no balcão em que serão expostas reformas como a da Previdência. Com sua própria movimentação bancária lançada no caldeirão da suspeição, o primeiro filho de Bolsonaro repete uma velha coreografia: agarra-se ao foro privilegiado, tenta anular provas, queixa-se de perseguição e oferece a sua “verdade” em conta-gotas. O país conhece esse filme. Mantido o enredo, o final pode não será feliz.
Josias de Souza

Direita, volver

Chaves, 11 de abril de 1968

Que povo este! Fazem-lhe tudo, tiram-lhe tudo, negam-lhe tudo, e continua a ajoelhar-se quando passa a procissão

Miguel Torga, "Diário"

Patrimônio dos 26 mais ricos equivale ao dos 50% mais pobres

A desigualdade na distribuição de riqueza em todo mundo está "fora de controle", alerta um relatório da ONG antipobreza Oxfam divulgado nesta segunda-feira (21/01). Segundo o documento, em 2018, enquanto as camadas mais favorecidas acumulavam riquezas, as mais pobres ficavam ainda mais pobres, aumentando o abismo entre os dois grupos.

A Oxfam afirma que, no ano passado, um novo bilionário surgiu a cada dois dias, enquanto o patrimônio dos 3,8 bilhões de indivíduos mais pobres diminuía diariamente em 500 milhões. As fortunas bilionárias aumentaram 12%, ou 2,5 bilhões de dólares por dia, enquanto as camadas mais pobres viram sua riqueza diminuir 11%.


Segundo o relatório, os 26 indivíduos mais ricos do mundo concentram riqueza equivalente ao patrimônio dos 3,8 bilhões de pessoas que formam a camada mais pobre da população mundial, ou seja, 50% das pessoas em todo o planeta.

Os sistemas tributários que pesam sobre as camadas mais desfavorecidas da população mundial aumentam a disparidade entre ricos e pobres e a insatisfação popular, afirmou Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam International. Esse quadro traz efeitos negativos particularmente para as mulheres.

"Enquanto corporações e os super-ricos desfrutam de impostos baixos, milhões de meninas não têm acesso à educação de qualidade e muitas mulheres morrem por falta de cuidados na maternidade", disse Byanyima.

O relatório afirma que os governos subfinanciam cada vez mais os serviços públicos e subtributam os ricos. "Os pobres sofrem duplamente, com a falta de serviços essenciais e também ao pagar uma carga maior de impostos", afirmou a diretora executiva da Oxfam.

A ONG ressalta que os impostos sobre os mais ricos e as grandes empresas vêm sendo reduzidos nas últimas décadas. Quando os governos fracassam em taxar os mais ricos, a carga tributária recai sobre os mais pobres através de impostos sobre o consumo, como os impostos sobre o valor agregado (IVA).

"Tributações indiretas como essa recaem sobre sal, açúcar ou sabão, recursos básicos de que as pessoas necessitam [...] Dessa forma, os pobres pagam uma fatia relativamente maior de seus rendimentos do que as pessoas ricas", apontou Byanyima.

Sistemas tributários mais justos podem contribuir para resolver o problema. A Oxfam afirma que se a camada de 1% dos mais ricos da população mundial pagasse apenas 0,5% a mais de impostos sobre suas riquezas, isso arrecadaria por ano mais que o suficiente para financiar os estudos de todas as 262 milhões de crianças que se encontram hoje fora da escola, além de garantir assistência médica que evitaria a morte de 3,3 milhões de pessoas.

A ONG sugere que os governos reavaliem a tributação sobre riquezas, como os impostos sobre heranças de propriedades, que vêm sendo reduzidos ou eliminados em boa parte das nações mais desenvolvidas e sequer foram implementados nos países mais pobres.

O relatório, divulgado pouco antes do início do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne na Suíça lideres mundiais da política e dos negócios a partir desta terça-feira, é baseado em informações do registro de dados sobre a riqueza do banco de investimentos Credit Suisse e da "lista dos bilionários" da revista Forbes.

Análise do vazio

Curioso o momento do país: há um governo que não precisa de oposição, pois é capaz de se enrolar sozinho; e há uma oposição que adora se boicotar, não carecendo de adversários para isso. O governo é dividido em alas que não se ajustam e até se estranham, presas à dogmas que ao negar o passado reforçam novas velhas ideologias; a oposição, um deserto de iniciativas e lideranças, vive de símbolos que já não conversam com o presente como quem resolve estudar línguas mortas. É presa do esquerdismo que já o velho Lênin criticava.

A verdade é que há um imenso vazio clamando por ser preenchido, mas o que se oferece tem pouca ou nenhuma densidade. Seja no governo ou na oposição, o momento é de amadores. E até que aprendam seu mister levará tempo. Nada resta a não ser esperar que a própria história produza saídas para seus impasses. Nessa imensidão desértica, se debruçar sobre a alentado romance: entre tantos Queiroz, melhor seria ficar com o Eça.

Mas, esse deserto é nossa sina. O jeito é compreendê-lo, mapear suas dunas, vales e colinas.

O governo Bolsonaro não é um todo e a soma de suas partes não conformam um conjunto. O que se sabe é o que se percebeu desde a primeira hora: os três Postos Ipiranga delegados pelo presidente — a Economia, a Justiça e Segurança, a Defesa (a corporação militar) — têm dinâmica própria. À parte, o núcleo ideológico disperso entre o bolsonarismo radical, Itamaraty, Educação e Direitos Humanos. No front da política parlamentar, uma tropa de nanicos para dar conta dos leões do Congresso. Pedindo espaço e relevância, o general Mourão esforçando-se na tabela com o Posto Ipiranga de Paulo Guedes.

Na semana que passou e ainda nesta, proliferam notícias a respeito do que o governo pretende fazer na Previdência, por exemplo. O mercado vibra com cartas de intenção sem se dar conta de que o noticiário expressa, antes, a luta política: a Economia vaza balões de ensaio com a pretensão de transformá-los em fatos. Busca-se constranger a ala política, as corporações agora aliadas ao governo, o próprio presidente da República. Um jogo de interesses dispersos que o cercam. Tudo ainda é tese e antítese esperando virar síntese.</p><p>A luta política do atual governo não se dará contra a oposição mas internamente; nas próprias entranhas e contradições.

Já na oposição não se sabe o que fazer com o ex-presidente Lula; não há unidade na formulação de um simples bloco, nem entendimento em relação ao jogo do parlamento — as disputas na Câmara e no Senado. No PT, os ecos e gritos de uma ópera-bufa: o entendimento vago, inconstante e incoerente sobre a democracia que diz defender. Tiros nos pés revelados nas contradições expostas por posições desconexas a respeito de Brasil e Venezuela, por exemplo.

Não há liderança simplesmente porque não há rumo. E não há rumo porque as lideranças não mais existem.

Este quadro não é novo, é apenas a desolação que fica explícita, passada a ilusão que a eleição resolveria os impasses. Ele se conformou ao longo do tempo e é um processo difícil de ser superado. Será assim por um bom tempo, mas um dia passa.