terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Análise do vazio

Curioso o momento do país: há um governo que não precisa de oposição, pois é capaz de se enrolar sozinho; e há uma oposição que adora se boicotar, não carecendo de adversários para isso. O governo é dividido em alas que não se ajustam e até se estranham, presas à dogmas que ao negar o passado reforçam novas velhas ideologias; a oposição, um deserto de iniciativas e lideranças, vive de símbolos que já não conversam com o presente como quem resolve estudar línguas mortas. É presa do esquerdismo que já o velho Lênin criticava.

A verdade é que há um imenso vazio clamando por ser preenchido, mas o que se oferece tem pouca ou nenhuma densidade. Seja no governo ou na oposição, o momento é de amadores. E até que aprendam seu mister levará tempo. Nada resta a não ser esperar que a própria história produza saídas para seus impasses. Nessa imensidão desértica, se debruçar sobre a alentado romance: entre tantos Queiroz, melhor seria ficar com o Eça.

Mas, esse deserto é nossa sina. O jeito é compreendê-lo, mapear suas dunas, vales e colinas.

O governo Bolsonaro não é um todo e a soma de suas partes não conformam um conjunto. O que se sabe é o que se percebeu desde a primeira hora: os três Postos Ipiranga delegados pelo presidente — a Economia, a Justiça e Segurança, a Defesa (a corporação militar) — têm dinâmica própria. À parte, o núcleo ideológico disperso entre o bolsonarismo radical, Itamaraty, Educação e Direitos Humanos. No front da política parlamentar, uma tropa de nanicos para dar conta dos leões do Congresso. Pedindo espaço e relevância, o general Mourão esforçando-se na tabela com o Posto Ipiranga de Paulo Guedes.

Na semana que passou e ainda nesta, proliferam notícias a respeito do que o governo pretende fazer na Previdência, por exemplo. O mercado vibra com cartas de intenção sem se dar conta de que o noticiário expressa, antes, a luta política: a Economia vaza balões de ensaio com a pretensão de transformá-los em fatos. Busca-se constranger a ala política, as corporações agora aliadas ao governo, o próprio presidente da República. Um jogo de interesses dispersos que o cercam. Tudo ainda é tese e antítese esperando virar síntese.</p><p>A luta política do atual governo não se dará contra a oposição mas internamente; nas próprias entranhas e contradições.

Já na oposição não se sabe o que fazer com o ex-presidente Lula; não há unidade na formulação de um simples bloco, nem entendimento em relação ao jogo do parlamento — as disputas na Câmara e no Senado. No PT, os ecos e gritos de uma ópera-bufa: o entendimento vago, inconstante e incoerente sobre a democracia que diz defender. Tiros nos pés revelados nas contradições expostas por posições desconexas a respeito de Brasil e Venezuela, por exemplo.

Não há liderança simplesmente porque não há rumo. E não há rumo porque as lideranças não mais existem.

Este quadro não é novo, é apenas a desolação que fica explícita, passada a ilusão que a eleição resolveria os impasses. Ele se conformou ao longo do tempo e é um processo difícil de ser superado. Será assim por um bom tempo, mas um dia passa.

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