De tantos pedaços da história, discursos internacionais, personalidades, tenho espaço apenas para destacar uma frase da neta de Arinos. A mulher dele disse que ele andava triste. A menina resolveu consolá-lo:
— Vovô, não fique triste, o senhor tem sua casa, seus filhos, a sua bengala…
Livros como o de Arinos e Joaquim Nabuco me reconciliam com o Brasil. Fico orgulhoso de me dedicar ao estudo do país.
Em Fortaleza, vi um homem com um carrinho de pequenas frutas amarelas ao longe e disse: seriguelas. O homem se aproximou e, ao passar por nós, perguntei: que fruta é essa? Seriguelas, respondeu.
Fiquei feliz como um menino que passa na prova. Deveria ser um pouco mais sério porque estava cobrindo precisamente a onda de ataques no Ceará.
Acontece que estou reavaliando um pouco minha noção de jornalismo. Nossa tendência é dramatizar ataques, cortar as imagens de forma que o fogo e a destruição se destaquem.
Quando examino mais de perto, os ataques, na verdade, são feitos em lugares desertos e em altas horas da noite. Um exemplo disso foi a dinamite que apareceu no metrô. Não tinha detonante, seu objetivo era assustar.
Não quero dizer que o tema não seja grave. As cadeias estão superlotadas. As organizações criminosas cresceram muito, não apenas no Ceará. E um grande número de jovens sem emprego ou escola é atraído para as facções.
Há alguns anos li um livro sobre um congresso ligado à ONU cujo tema era diplomacia preventiva — como atuar para evitar conflitos, sobretudo aqueles que realmente podem ser evitados.
Na época, falou-se também rapidamente no jornalismo preventivo. Nos anos 1960, tínhamos cadernos teóricos e talvez me dedicasse a escrever sobre essa nova forma de jornalismo.
Mas, como as tarefas aumentaram, resta-me tentar aplicar a ideia na prática. Os puristas podem objetar: prevenir? O jornalismo não previne, não evita, nem provoca: apenas informa.
Mas é de informação de que se trata. Informar significa também colocar num contexto um pouco mais amplo.
Um pouco de estudo militar mostra que ofensivas são um momento delicado: os atacantes se expõem e costumam sofrer grandes perdas.
Com quase 400 pessoas presas, parece que aconteceu com as organizações criminosas do Ceará.
Em Fortaleza, há agora um centro de inteligência para todo o Nordeste. Eu visitei o centro, mas não pude entrar porque precisava de licença especial, essas coisas. Imagino que tenham aproveitado esse momento de ofensiva e muitas prisões para entender um pouco mais das organizações criminosas.
O que torna o problema do Ceará mais sério ainda é o fato de que muitas de suas coordenadas estão presentes em outros estados.
A simples enumeração de ataques, grande parte deles em lugares remotos e escuros, no fundo, é, involuntariamente, o jogo que interessa aos líderes das organizações criminosas.
Eles precisam de um tipo de cobertura para difundir o medo. Mas chega um momento, e isso vale também para o terror político, que é preciso vencer o medo coletivo e encarar a vida com normalidade, mostrar que as coisas seguem, apesar deles.
Artistas locais fizeram uma campanha intitulada Quero Meu Ceará de Volta, evocando todas as coisas boas numa cidade tão simpática como Fortaleza: andar nas ruas, ter cadeiras na frente de casa.
A ideia, creio eu, estava numa direção correta. Mas era preciso mais que isso: era preciso retomar as ruas com firmeza. Isso seria também uma tarefa para políticos. Mas eles andam meio escondidos. Exceto os que têm de tratar diretamente do tema pela responsabilidade de governo, os outros são muito discretos, para usar um termo leve.
De qualquer forma, creio que os episódios do Ceará surgiram e sumiram sem que houvesse uma discussão mais detalhada sobre eles.
Minha impressão é que já é tempo de avaliarmos as relações de jornalismo e terror. Minha sugestão não é, absolutamente, a de omitir episódios atemorizantes.
Em muitos casos, informar com mais profundidade e exatidão pode abrir caminho para que a sociedade compreenda o que se passa e retome as rédeas de seu cotidiano.
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