quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Pensamento do Dia

 

Agus Widodo (Indonésia)

Desmatamento na Amazônia não traz progresso social

Na Amazônia Legal, as condições sociais e ambientais das pessoas que vivem em seus 772 municípios estão se deteriorando. O cenário é capturado pelo Índice de Progresso Social (IPS) feito para a região, que atingiu a pontuação de 54,59 para todos os nove estados – abaixo dos 54,64 verificados no último levantamento, de 2018.

O IPS Amazônia 2021 é baseado numa metodologia internacional e realizado no país pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Os resultados, divulgados pelos pesquisadores na noite desta segunda-feira (06/12), mostram que a nota da região é inferior à média do Brasil, que é de 63,29.

As cidades onde o desmatamento mais avançou nos últimos anos têm as piores colocações no índice. "Isso mostra que o desmatamento em geral é acompanhado de pobreza e baixo progresso social. Desmatamento não melhora a vida das pessoas. Isso o estudo mostra de forma categórica", comenta um dos autores do relatório, Adalberto Veríssimo.

Altamira e São Félix do Xingu, campeãs de destruição florestal, receberam pontuação abaixo da média da Amazônia: 52,95 e 52,94, respectivamente. No ranking dos 772 municípios listados, elas aparecem nas colocações 509 e 513.

Entre as cidades nas últimas posições, muitas são marcadas pela degradação florestal e conflitos sociais, como Pacajá (771º) e Pau D'Arco (763º); e o garimpo ilegal, como Jacareacanga (762º). Todas estão localizadas no Pará.

"A Amazônia é muito importante para o Brasil e para o mundo em termos de recursos naturais. Mas ela sofre com um quadro grave em termos sociais. Isso é incompatível e insustentável em relação à sua importância ambiental para o planeta", pontua Veríssimo.

Ao contrário de outros índices, o IPS exclui de propósito dados econômicos. Desenvolvida por pesquisadores da organização Social Progress Imperative, baseada em Washington, nos Estados Unidos, a ferramenta analisa apenas indicadores sociais e ambientais.

Segundo seus fundadores, os critérios rigorosos do índice têm sido aplicados para que países possam entender seus desafios sociais e acelerar esforços para a construção de sociedades inclusivas, igualitárias e sustentáveis.

O novo IPS Amazônia trabalha com 45 indicadores organizados em três dimensões. O grupo "necessidades humanas básicas" analisa componentes como mortalidade infantil, coleta de lixo e homicídios. Em "fundamentos para o bem-estar", são analisadas informações referentes à qualidade da educação, densidade internet banda larga, desmatamento e emissões de CO2, entre outros.

Já em "oportunidades", são considerados dados como mobilidade urbana, violência contra indígenas e contra a mulher, empregados com ensino superior.

No ranking de pontuação dos noves estados amazônicos, que vai 0 a 100, Mato Grosso tem a melhor colocação (57,94). Pará (52,94) e Roraima (52,37) ficam com as piores posições.

Quanto às cidades, Cuiabá (74,42), em Mato Grosso, e Palmas (70,23), em Tocantins, são as bem avaliadas. No geral, as capitais e parte dos municípios mais populosos obtiveram notas mais altas.

"São variações dentro de uma realidade difícil. A Amazônia está muito abaixo; e o Brasil já está muito atrás do resto do mundo", afirma Veríssimo.

No ranking global do Social Progress Index, a Noruega tem a melhor avaliação, 

Dentre os fatores que mais influenciam o progresso social e, portanto o IPS, estão acesso à saneamento básico, segurança pública, capacidade de atrair e reter mão de obra com ensino superior.

Segundo o relatório, a pontuação da componente segurança pessoal (56,25) demonstra que a violência se tornou um problema crônico em toda a Amazônia. "Isso é atestado pela alta taxa de homicídios nos municípios", conclui o documento.

Acesso à internet rápida também é visto como um ponto crítico. "Essa é uma componente importante para o progresso social. Se não tem internet, não tem cidadania plena no século 21. Não tem como fazer trabalho remoto, ter acesso a serviços públicos e ao ensino", argumenta Veríssimo.

Dos 12 componentes do IPS Amazônia, a metade (água e saneamento, segurança pessoal, acesso à informação e comunicação, direitos individuais, liberdades individuais e acesso à educação superior) possui um baixo índice médio, ou seja, menor que 60.

A Amazônia Legal é um conceito criado ainda na década de 1950 para promover uma agenda de desenvolvimento para a região. Sua delimitação não é baseada exclusivamente na vegetação, mas inclui conceitos geopolíticos. Por isso que, além da Floresta Amazônica, há uma parte de Cerrado e do Pantanal em seu mapa.

Segundo dados atualizados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a região tem uma área de 5,2 milhões de km², o que corresponde a 59% do território brasileiro. Ela engloba os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima,Tocantins e parte do Maranhão, onde vivem atualmente cerca de 28 milhões de habitantes.

Estados da região ocupam também posições inferiores em diversos outros indicadores sociais e econômicos: os que menos contribuem para o Produto Interno Bruto nacional, por exemplo, são Roraima, Acre e Amapá.

Por outro lado, a Amazônia tem sido nos últimos anos o epicentro da destruição ambiental no planeta, com aumento do desmatamento, invasão de terras indígenas e áreas protegidas, aumento do garimpo ilegal e grilagem.

"Desde o início do ciclo de ocupação da Amazônia com base no desmatamento, na década de 1970, até os dias atuais, os resultados sociais, econômicos e ambientais têm sido desastrosos", alerta o relatório. Um exemplo é o fato de, em 2020, a Amazônia ter contribuído com apenas cerca de 9% do PIB nacional, mas ter gerado 52% das emissões de gases de efeito estufa do país.

Para Veríssimo, o que é visível aos olhos de quem vive na Amazônia fica evidente nas análises científicas. "Desmatamento não compensa, não melhora as condições sociais. Ao contrário. A gente tem visto que desmatamento tende a agravar a situação de desigualdade, de conflito, de violência", conclui.
Nádia Pontes

Frase do Dia

 


Curió, Heleno e Bolsonaro

O buraco que ficou em Serra Pelada é a metáfora perfeita do Brasil que deixa gente, terra, meio ambiente e Amazônia aniquilados para o proveito de poucos

Quem é mais velho lembra, quem não lembra basta digitar "Serra Pelada" para encontrar imagens do que um dia foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, nos anos 1980, no sul do Pará. Fotografias de Sebastião Salgado mostram homens cobertos de lama, arqueados sob o peso dos detritos que tiravam das entranhas da terra, na esperança de enriquecer.



Pouquíssimos ficaram ricos com o ouro. A maioria morreu de doenças, tiro, faca ou foi soterrada. No lugar, restou uma imensa cratera e um lago de mercúrio. Esse inferno foi controlado com mão de ferro por um militar do Exército, o Major Curió, que participara da repressão à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970. Em denúncias do Ministério Público Federal, Curió é acusado de tortura e assassinato. Não por acaso, é amigo de quem? Sim, Bolsonaro.

Lembrei de tudo isso ao ler a reportagem de Vinicius Sassine, nesta Folha, mostrando a rapidez do ministro da Segurança Institucional, general Augusto Heleno, o decrépito, em autorizar projetos de pesquisa de ouro, em São Gabriel da Cachoeira, no oeste da Amazônia.

Alguns dos empresários beneficiados são infratores ambientais, com histórico de problemas com o Ibama. E é a primeira vez que empresas recebem autorizações para pesquisar ouro nessa região, bem preservada e com várias terras indígenas. O buraco que ficou em Serra Pelada é a metáfora perfeita do Brasil que une na mesma linha do tempo Curió, Bolsonaro e Heleno. Gente, terra, meio ambiente, Amazônia, tudo aniquilado para o proveito de poucos.

Bolsonaro sabe que 2022 será seu último ano no poder, então vai correr para fazer (ou desfazer) tudo que não conseguiu até agora. Movimentos do Executivo e do Congresso andam juntos. A Câmara pode dar um "liberou geral" para as mineradoras se aprovar o novo Código de Mineração. Ficaria faltando o projeto que permite mineração em terras indígenas. Por enquanto, tal vilania encontrou resistência. A sensação é de que o Brasil só sai do lugar se for para dar um passo atrás.

Bolsonaro blinda a corrupção

Jair Bolsonaro gostava de encher a boca para dizer que em seu governo não há corrupção. Gostava, porque, nas últimas vezes em que tratou do assunto, afirmou que não sabe dizer se há ou não.

Acontece que ele sabe, sim, a corrupção que acompanha não só seu governo, mas sua família, desde a gênese da construção de um império patrimonial erguido à custa de mandatos eletivos, lançando mão de toda a sorte de expedientes rasteiros para “otimizar” os ganhos provenientes deles.

E, desde que assumiu a Presidência da República, se utiliza do peso de seu poder para exigir de subordinados que usem a estrutura do Estado para blindar a família e os aliados e para impedir que esses esquemas nebulosos sejam apurados a fundo.


O que acontece agora, simultaneamente, na Polícia Federal, no Coaf, na Receita Federal e no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, é uma tentativa desesperada de proteger o filho Zero Um do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, e o blogueiro explosivo Allan dos Santos, foragido da Justiça com extradição determinada pelo ministro Alexandre de Moraes.

No caso de Flávio, não há novidade no<em> modus operandi</em> do clã. Desde sempre, Bolsonaro concebeu família e política como uma extensão uma da outra. O esquema no gabinete do filho Zero Um na Assembleia Legislativa do Rio está de tal forma mapeado e comprovado que só resta ao presidente deixar a impressão digital em demissões, perseguições, exigências a ministros e remanejamentos de órgãos de lá para cá, com o único e indisfarçado objetivo de impedir que prossigam as investigações contra ele. O aparcelamento desavergonhado das pastas da Justiça e da Economia para esse fim, sob a anuência escandalosa dos ministros Anderson Torres e Paulo Guedes, corre em paralelo com uma pesada estratégia de melar os processos também na Justiça, até aqui com o beneplácito de sucessivas instâncias, começando pelo Tribunal de Justiça do Rio e transbordando para o Superior Tribunal de Justiça e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

O afã de proteger Allan dos Santos, investigado em dois inquéritos no STF, é mais atípico. Outros soldados das fake news bolsonaristas que cometeram crimes semelhantes e receberam castigos igualmente duros, como Roberto Jefferson, Daniel Silveira ou a extremista Sara Giromini, não contaram com tamanha preocupação da parte de Bolsonaro e dos filhos para limpar sua barra.

O que será que Allan dos Santos sabe, e ameaça contar caso seja capturado, que faz com que Bolsonaro determine a um ministro e a um preposto dos filhos transformado em secretário nacional de Justiça que demitam delegados e servidores em série, editem portarias em desacordo com a lei e exijam ter acesso a informações que não lhes são devidas, tudo referente ao processo de extradição do pseudojornalista?

Agora se está diante da esquizofrênica situação em que a Polícia Federal tem de investigar se o DRCI está ou não submetido a uma tentativa de obstrução de investigação a que ela também está!

Nesse caso, como no do orçamento secreto, o STF, depois de tentar atuar como freio a abusos, faz vista grossa ao que acontece. Rosa Weber finge não ter visto que senadores e deputados desobedeceram a sua ordem de dar transparência às emendas do relator.

E Alexandre de Moraes, depois de meses de atuação implacável, parece disposto a um fim de ano mais light, desde que Michel Temer entrou no circuito, e demora a dar um basta a essa explícita tentativa de melar a extradição de um foragido que ele mesmo ordenou.

Dessa maneira bipolar não se contém uma praga de gafanhotos institucional como são a família e o governo Bolsonaro. Assim, sobrará muito pouco da estrutura de fiscalização e controle do Estado quando essa turma finalmente largar o osso.

'Vamos virar uma grande fazenda': Brasil vive acelerada desindustrialização

“Sou o terceirizado, do terceirizado, do terceirizado do Mercado livre”. É assim que Diego Machado Ferreira, de 34 anos, explica sua situação trabalhista. Demitido da Ford em 2019, o ex-metalúrgico tem uma rotina semelhante à do personagem principal do filme Você não estava aqui, de Ken Loach. Sai às 6h da manhã para encarar a fila de entrega do galpão localizado no Parque São Lourenço, extremo Leste da capital paulista. Quanto mais pacote ele consegue despachar, mais ele recebe, o que significa comprometer o almoço e, com frequência, contar com uma ajudante para acelerar as entregas. A diferença entre ficção e realidade é que, ao contrário do personagem do filme, Ferreira não comprou a ideia de que ele é seu próprio patrão por ter aberto uma microempresa. “Não me sinto empreendedor.”

Ferreira faz hoje parte do grupo de trabalhadores jovens, altamente escolarizados e frustrados com as expectativas de emprego e melhoria de condições de vida, que o sociólogo Giovanni Alves chama de precariado. Essa classe social foi forjada pela promessa de ascensão social por meio da educação e do emprego. Porém, o futuro que se projetava para o país durante dos governos petistas ―com uma política industrial voltada para fortalecer e modernizar empresas nacionais― , não se concretizou. “Está em curso no Brasil um processo de desconstrução do sistema de segurança e saúde do trabalho que visa atender à demanda de um novo projeto econômico em desenvolvimento”, explica o cientista social Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese.

O acirramento do processo de desindustrialização no país é um sintoma dessa mudança. Em setembro, a norte-americana Ford fechou a fábrica da Troller em Horizonte, região metropolitana de Fortaleza (CE), deixando 446 trabalhadores desempregados. Essa medida finalizou a saída da empresa do Brasil, anunciada no começo do ano. Com a transferência de sua produção para a Argentina, foram fechados também suas unidades em Camaçari (BA) e Taubaté (SP) com a demissão de 5.000 pessoas. E a Ford não foi a única. Nos últimos dois anos, as montadoras alemãs Mercedes Benz e Audi, as farmacêuticas Roche (Suíça) e Eli Lily (EUA) e a empresa de eletroeletrônicos japonesa Sony também anunciaram sua saída do Brasil.


“A visão de futuro do Governo Bolsonaro é a de um país produtor de comida, minério e energia”, afirma Augusto, por isso o abandono de tudo relacionado com políticas industriais, inclusive os cortes de investimentos em ciência e tecnologia. “Temos ouvido ministros falarem que o Brasil será a grande fazenda do mundo, pois será também a grande mina. Não espere nenhuma indústria de carro elétrico chegando por aqui”, lamenta.

Dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostram que o setor manufatureiro atingiu mínimas históricas na pandemia. A indústria de transformação (que enolve tecnologia para transformar matéria prima em produto final) caiu de uma participação de 11,79% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 para 11,30% do PIB em preços correntes em 2020, o menor patamar desde 1947, quando se dá início a série histórica das contas nacionais calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O auge da comparação da indústria de transformação aconteceu em 1985, quando chegou a representar 24,5% da economia do país. No terceiro trimestre deste ano, o peso do setor voltou a subir um pouco, chegando a 12,5% da geração de riquezas do país, mais como um soluço do que como retomada consistente. “A pandemia atingiu a indústria com significativa capacidade produtiva ociosa devido às perdas industriais de 2014-2016 e a crise político-institucional aguda de 2015 e 2016. Apesar da recuperação no triênio 2017-2019, o produto manufatureiro em 2019 ainda era 14% inferior ao de 2013″, informa o Iedi. O saldo de 2021 é negativo, segundo a entidade, que considera que “a segunda onda da pandemia para a indústria ainda não terminou.” Só o setor de alta tecnologia teve queda de 7,6% entre julho e dezembro.

Um fenômeno contrário aconteceu com o agricultura, que ganhou espaço mesmo no desafiador ano de 2020. O setor alcançou uma participação de 6,8% no PIB nacional em 2020 ― com uma leve alta em relação ao ano anterior, quando representou 6,5%, conforme dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A expectativa é que a peso da agricultura no PIB chegue a 7,9% neste ano e matenha uma trajetória de crescimento até 2022, quando chegará a 8,3%. “A partir de 2023, [a participação] deve cair de volta para a média da série histórica, algo próximo a 6%”, afirma Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da CNA. Estes dados ainda serão revisados a partir do ajuste feito pelo IBGE nos dados trimestrais.

A Pesquisa Industrial Anual (PIA) 2019, divulgados neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra em números o tamanho do estrago: de 2013 a 2019, o país perdeu 28.700 empresas e 1,4 milhão de postos de trabalho. Em 2019, o país tinha 306.300 indústrias, um encolhimento de 8,5% em relação ao seu auge seis anos antes. Essas empresas empregavam antes da crise sanitária 7,6 milhões de pessoas, uma redução de 15,6% sobre 2013. O salários do setor, geralmente mais elevados do que em outros segmentos, também sofreram perdas. Na indústria extrativa, a remuneração saiu de uma média de 5,9 salários mínimos (s.m.), em 2013, para 4,6 s.m., em 2019. Nas indústrias de transformação a redução foi de 3,3 s.m. para 3,1 s.m.

A situação do setor se complicou ainda mais com a crise sanitária. “A pandemia da covid-19 foi a pá de cal na indústria brasileira, que já vem perdendo espaço desde 2005, com o boom de commodities e valorização do câmbio”, explica o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília. O primeiro segmento afetado pelo processo de desindustrialização foi o de bens intermediários, ou seja, aquelas que produzem insumos para a própria indústria. Oreiro afirma que de 2005 a 2015, os elos da cadeia industrial brasileira começaram a sumir. Foi um período de substituição de compra de matéria-prima da cadeia brasileira por produtos importados. A partir de 2014, o que começou a desaparecer são as indústrias de bens finais, como as fábricas de automóveis.

O Brasil vive um fenômeno diferente do que aconteceu em países desenvolvidos que tiveram a chamada desindustrialização positiva, fruto do amadurecimento de suas economias. Esse fenômeno foi marcado pelo abandono de atividades que já não interessavam ao plano de desenvolvimento, como a indústria extrativa ―terceirizada aos países pobres―, para focar em alta tecnologia. Trata-se de uma tendência que tem como base a utilização de novas tecnologias, como robótica, inteligência artificial, internet das coisas.

Augusto explica que o reposicionamento da economia pelo Governo Bolsonaro segue o caminho contrário. O caso da indústria naval é um exemplo. Foram anos de investimento para formar mão de obra especializada e ter um desenvolvimento tecnológico capazes de permitir a construção de plataformas de alta profundidade. “Hoje temos o esvaziamento desses estaleiros, teoricamente, com a Petrobras em busca de melhores preços no mercado internacional. A alternativa que se discute é trazer para o país a indústria de desmontagem de navios, mais comum em países como Bangladesh e Índia. É uma indústria suja, que polui e mata trabalhadores”, explica o diretor do Dieese.

A expectativa é que novas ferramentas trazidas pela chamada Quarta Revolução industrial ―ou Indústria 4.0―, tornem as atividades industriais mais produtivas, mas também mais sustentáveis, uma nova demanda dos consumidores. Estados Unidos, Europa, Japão e China vem investindo nessas mudanças nos últimos dez anos. “Quem não se adaptar, está fora do comércio internacional, fora do investimento produtivo”, afirma Oreiro. “As fábricas estão indo embora do Brasil porque o país não está mudando. Vivemos um período de transformação no paradigma tecnológico: em alguns anos só teremos transportes elétricos, por exemplo”, analisa o economista.

No entanto, o Brasil, que já foi líder em produção de automóveis menos poluentes, não soube aproveitar essa vantagem competitiva. “Temos zero política para transformar o parque automotivo brasileiro num transporte sustentável. O Governo segue uma agenda ultrapassada e não consegue visualizar a nova revolução industrial que está acontecendo no mundo”, diz Oreiro.

Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a pandemia trouxe de volta à esfera internacional a questão da reconstrução das cadeiras produtivas com o objetivo de evitar a interrupção na oferta de insumos estratégicos, como aconteceu com produtos da área médica na primeira fase da crise sanitária. “Esses temas entraram na agenda de política de desenvolvimento dos países. China, União Europeia e EUA estão alocando recursos para incentivar indústrias consideradas estratégicas”, afirma.

Cagnin defende que este também deve ser o caminho para o Brasil. O problema é que o país ainda tem questões antigas para resolver paralelamente aos novos desafios. “Temos problemas seculares, saneamento é deplorável, o restante do mundo resolveu essa questão no século XIX. Imposto de valor adicionado foi tema dos anos 80 no resto do mundo. Não temos mais espaço para fazer remendos, precisamos de reformas profundas que mudem o ambiente empresarial da água para o vinho”, defende.

Segundo o economista do Iedi, mesmo em relação à política industrial houve muito equívoco no que foi feito no passado. “O que o Brasil vem fazendo desde os anos 90 é uma política industrial compensatória, que não resolve os problemas. A estrutura tributária completamente disfuncional que temos hoje não será resolvida com política industrial”, alerta. De acordo com ele, muito do que passou como política industrial eram apenas subsídios. “Política industrial mira as tendências de desenvolvimento do que temos que apostar, não é para cobrir buracos e suprir deficiências cuja origem está em outra esfera, como na tributação”, afirma.