Acontece que ele sabe, sim, a corrupção que acompanha não só seu governo, mas sua família, desde a gênese da construção de um império patrimonial erguido à custa de mandatos eletivos, lançando mão de toda a sorte de expedientes rasteiros para “otimizar” os ganhos provenientes deles.
E, desde que assumiu a Presidência da República, se utiliza do peso de seu poder para exigir de subordinados que usem a estrutura do Estado para blindar a família e os aliados e para impedir que esses esquemas nebulosos sejam apurados a fundo.
O que acontece agora, simultaneamente, na Polícia Federal, no Coaf, na Receita Federal e no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, é uma tentativa desesperada de proteger o filho Zero Um do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, e o blogueiro explosivo Allan dos Santos, foragido da Justiça com extradição determinada pelo ministro Alexandre de Moraes.
No caso de Flávio, não há novidade no<em> modus operandi</em> do clã. Desde sempre, Bolsonaro concebeu família e política como uma extensão uma da outra. O esquema no gabinete do filho Zero Um na Assembleia Legislativa do Rio está de tal forma mapeado e comprovado que só resta ao presidente deixar a impressão digital em demissões, perseguições, exigências a ministros e remanejamentos de órgãos de lá para cá, com o único e indisfarçado objetivo de impedir que prossigam as investigações contra ele. O aparcelamento desavergonhado das pastas da Justiça e da Economia para esse fim, sob a anuência escandalosa dos ministros Anderson Torres e Paulo Guedes, corre em paralelo com uma pesada estratégia de melar os processos também na Justiça, até aqui com o beneplácito de sucessivas instâncias, começando pelo Tribunal de Justiça do Rio e transbordando para o Superior Tribunal de Justiça e a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
O afã de proteger Allan dos Santos, investigado em dois inquéritos no STF, é mais atípico. Outros soldados das fake news bolsonaristas que cometeram crimes semelhantes e receberam castigos igualmente duros, como Roberto Jefferson, Daniel Silveira ou a extremista Sara Giromini, não contaram com tamanha preocupação da parte de Bolsonaro e dos filhos para limpar sua barra.
O que será que Allan dos Santos sabe, e ameaça contar caso seja capturado, que faz com que Bolsonaro determine a um ministro e a um preposto dos filhos transformado em secretário nacional de Justiça que demitam delegados e servidores em série, editem portarias em desacordo com a lei e exijam ter acesso a informações que não lhes são devidas, tudo referente ao processo de extradição do pseudojornalista?
Agora se está diante da esquizofrênica situação em que a Polícia Federal tem de investigar se o DRCI está ou não submetido a uma tentativa de obstrução de investigação a que ela também está!
Nesse caso, como no do orçamento secreto, o STF, depois de tentar atuar como freio a abusos, faz vista grossa ao que acontece. Rosa Weber finge não ter visto que senadores e deputados desobedeceram a sua ordem de dar transparência às emendas do relator.
E Alexandre de Moraes, depois de meses de atuação implacável, parece disposto a um fim de ano mais light, desde que Michel Temer entrou no circuito, e demora a dar um basta a essa explícita tentativa de melar a extradição de um foragido que ele mesmo ordenou.
Dessa maneira bipolar não se contém uma praga de gafanhotos institucional como são a família e o governo Bolsonaro. Assim, sobrará muito pouco da estrutura de fiscalização e controle do Estado quando essa turma finalmente largar o osso.
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