sábado, 6 de abril de 2019

Pare (mesmo) de acreditar no governo

Bruno Garschagen, o assessor do (até agora) ministro Ricardo Vélez exonerado pela Casa Civil, tem ao menos uma qualidade: a capacidade de produzir uma autocrítica devastadora, ainda que involuntária. "Quando os antissocialistas mimetizam a mentalidade e a ação política do inimigo, tornam-se o espelho da perfídia", escreveu o "olavete" num artigo de jornal velho de quase dois anos. Seria preciso acrescentar que, quando tentam utilizar o poder de Estado para escrever uma "história oficial", os autointitulados liberais revelam a sua face autoritária e antiliberal.

Descubro que o mesmo Garschagen é autor do livro "Pare de Acreditar no Governo". Não o li, mas concordo com o comando do título, que tem validade geral e serve como advertência de singular relevância no caso do governo Bolsonaro. Esses "antissocialistas" não só mimetizam a "ação política" do "inimigo" como a conduzem para além de limites que o PT jamais ultrapassou. O MEC é a prova disso.


Vélez saltou da mera bufonaria —a solicitação de vídeos propagandísticos de escolares entoando o hino nacional— ao exercício abusivo da autoridade. O ministro, que oscila entre o apego canino ao cargo e a fidelidade ao Bruxo da Virgínia, anunciou uma revisão "progressiva" dos livros escolares talhada a apagar a ditadura militar do registro histórico. A missão do MEC, explicou, é "preparar o livro didático de tal forma que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história".

O governo exige que acreditem nele. Para isso, usará o poder de distribuir livros escolares, a palavra legitimada do professor e a prerrogativa de produzir o exame nacional de acesso às universidades federais.

Os poderes estatais adoram moldar as crianças de modo que elas repitam as palavras e os gestos dos governantes. A "história oficial" tem longa história escolar, que se estende das narrativas nacionalistas do século 19 até o contemporâneo revisionismo separatista catalão, passando pelos sinistros artigos de fé dos totalitarismos stalinista e nazista. O Brasil não ficou imune à politização da escola.

Sob o lulopetismo, o MEC engajou-se a fundo numa revisão "progressiva" dos manuais escolares com a finalidade de adaptá-los aos dogmas da doutrina racialista. A nação deveria ser descrita, nas aulas de História e Geografia, como uma confederação de etnias ou "raças". Nossas extensas miscigenações precisariam ser reinterpretadas como uma lenda criada para ocultar um racismo mais letal que os dos EUA da discriminação oficial ou da África do Sul do apartheid. O movimento abolicionista, uma ampla luta social que abrangeu brancos e negros, teria que escorrer pelo ralo destinado aos mitos. Vélez mimetiza o PT, mas sem a tintura "bondosa" do revisionismo racialista.

A operação lulopetista fluiu suavemente, prescindindo de rudes declarações ministeriais, maquiada como releitura acadêmica do passado. Obteve algum sucesso, graças à cumplicidade de comissões de docentes universitários militantes e à bovina obediência de editoras sempre prostradas diante da pilha de dinheiro das compras públicas. Vélez, porém, fracassará. A "verdade" estatal que ele tenta veicular choca-se com a resistência da opinião pública, dos historiadores e dos professores. Só um regime de força conseguiria impor a negação do caráter golpista do 31 de Março e da natureza ditatorial dos governos militares.

As democracias aprenderam a respeitar a autonomia das escolas. Nelas, há muito, os governos se abstêm de formular a "ideia verídica, real" da história que deve ser ensinada. O sucesso relativo do PT e o inevitável fracasso de Vélez funcionam como sinais de alerta: a sala de aula não é pátio de diversões de ideólogos ou doutrinadores. Pare (mesmo) de acreditar no governo, pois o pior professor ainda é melhor que o discurso do poder estatal.
Demétrio Magnoli

Brasil inocente desinformado


Cem dias de aflição

Esperança? Desespero? Raiva? Indignação? Orgulho? Agonia? Meu sentimento é a aflição nestes 100 dias transcorridos desde a posse de Bolsonaro. Aflição por um país que permanece sem rumo, por um país que se deixou levar pela fúria constante das redes, pelas brigas, pela incivilidade, pela barbárie. Aflição por um país que elegeu um presidente da República que nada conhece além do confronto, pouco importa quem seja o alvo: jornalistas, intelectuais, congressistas, gente comum.


Seguidores fiéis imitam o comportamento vulgar e os gestos ofensivos. Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro mostrou que sua ignomínia não tem limites, o que deveria ser causa de profunda aflição e angústia para quem realmente se ocupa de preocupar-se com o Brasil.

Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos e ajoelhou-se perante Trump. Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro viajou para o Chile e insultou as autoridades do país com seus comentários sobre a ditadura de Pinochet. Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro foi a Israel e disse a todos que o nazismo é de esquerda, imitando seu vergonhoso ministro das Relações Exteriores, para o profundo constrangimento internacional do país. Nenhuma dessas viagens trouxe qualquer ganho econômico para o Brasil ou mesmo alguma melhoria da imagem do país, a percepção de que há rumo bem traçado para os próximos anos. Nos últimos 100 dias, Bolsonaro permitiu que o Palácio do Planalto divulgasse vídeo abjeto e revisionista sobre a ditadura militar e sobre o golpe de 1964. Os macacos de auditório do Twitter — não tão numerosos, mas bastante barulhentos — rapidamente repercutiram a estupidez e a inominável ofensa às vítimas da opressão que o Brasil jamais condenou como fizeram outros países latino-americanos.

Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro questionou as estatísticas de desemprego como um liderzinho qualquer. Curioso será se resolver questionar o déficit da Previdência.

Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro nomeou um ministro despreparado para uma das pastas mais importantes do governo, a da Educação. Não é mistério para ninguém que o país padece quando o assunto é educação. A dificuldade do próprio presidente da República com as palavras é exemplo de nossas falências. O ministro despreparado foi corajosamente enquadrado pela jovem deputada de 25 anos, Tabata Amaral, formada em astrofísica e ciências políticas pela Universidade Harvard. Amaral foi o bálsamo para a aflição destes 100 dias, deixando entrever um pouquinho de esperança. A outra ministra despreparada, Damares Azul-Rosa Alves, não merece mais do que essa frase.

Nestes 100 dias de governo, Bolsonaro brigou com congressistas de seu próprio partido, de outros partidos, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Foi por ele repreendido algumas vezes ao não entender que o Congresso é poder democrático independente tão relevante quanto o Executivo — mas fora Bolsonaro quem elogiara Fujimori por ter o presidente peruano fechado o Congresso em 1992, inaugurando o autogolpe. Portanto, de democracia nada entende. Ao instalar o caos nas relações entre o Congresso e o Executivo, ao deixar ressabiados os parlamentares com quem terá de negociar a reforma da Previdência, fez de seu ministro da Economia o Sísifo tupiniquim. Guedes foi encarregado de empurrar as rochas da reforma ladeira acima, mas Bolsonaro haverá de assegurar que voltem ladeira abaixo, já que não entende que só ele pode respaldar politicamente o que muitos esperavam que fosse o principal feito de seu governo. E, mesmo que depois de tudo isso consiga aprovar a reforma da Previdência, restará fazer todo o resto para tirar 13,1 milhões de pessoas do desemprego, para melhorar a segurança do país, para socorrer os estados quebrados, para uma lista infindável de prioridades perdidas na balbúrdia dos 100 dias.

Nestes 100 dias, inflou-se a ideia de que basta a reforma da Previdência para o país voltar a crescer. Mas a Previdência é um ajuste fiscal e, como ajuste fiscal, contracionista no curto prazo. Essa verdade inconveniente e aflitiva está perdida em meio ao pensamento mágico das expectativas que empurrariam a economia.

Cem dias. Sem nada. Socorro, alguma alma, mesmo que penada, me empreste suas penas.

Monica De Bolle

O provérbio

Em toda calamidade
seja o atingido um rei
ou um cidadão obscuro
na foto do processo do seguro
ao lado do rei
diante do palácio desmoronado
ou do pobretão
no sobradinho arruinado
uma figura aparece
que parece dizer
eu não disse
eu não avisei?

Raul Drewnick

Sabemos que estamos numa ditadura quando o povo receia as autoridades

Escrevo esta coluna em Luanda, onde cheguei há alguns dias. Numa roda de amigos, discutia-se a trágica situação das cheias em Moçambique. Em determinada altura alguém comentou que Angola, país afortunado, nunca sofreu graves desastres naturais. Um outro sujeito, ainda mais entusiasmado, acrescentou que não só a natureza nunca ataca Angola, como, ainda por cima, tende a beneficiar o país em todos as suas manifestações: “Temos os eclipses mais lindos do mundo!”

Tomei nota da frase para a usar um dia como título de um romance. Ela traduz a elevada autoestima do angolano comum. A mesma autoestima que os estrangeiros costumam confundir com arrogância. Ou talvez seja o contrário, e sejamos nós, angolanos, quem confunde arrogância com autoestima. Em todo o caso é um sentimento que sempre surpreende quem, desembarcando no imenso caos que é a capital de Angola, espera encontrar lágrimas e ranger de dentes e, ao invés, dá de caras com um povo muito mais afeito ao riso do que ao choro e que até nas piores derrotas vê possibilidades de vitória.

Na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, a seleção angolana estreou-se jogando contra Portugal, um dos times favoritos, perdendo por um a zero. Quem assistiu ao jogo nunca mais esquecerá a festa angolana. Lembro-me de ter ligado para um amigo, jornalista, que acompanhava a seleção: “Os portugueses já estão convencidos de que perderam. Se vocês continuarem a festejar com esse entusiasmo por mais quinze minutos o mundo inteiro vai acreditar que ganhamos. Não parem!”

É assim Angola. Fica difícil vencer quem nunca se sente derrotado.


No último ano, desde que João Lourenço assumiu a presidência da República, houve três ou quatro mudanças importantes. A primeira tem a ver com o medo. Sabemos que estamos numa ditadura quando o povo receia as autoridades. Em Angola, o medo deslocou-se da população tão sofrida para membros importantes do partido no poder, pessoas que enriqueceram de forma ilícita ao longo das últimas décadas. Ou seja, os inocentes perderam o medo, ao passo que os criminosos (ao menos alguns criminosos), perderam a tranquilidade.

Pode parecer pouco, mas é imenso. Um dos filhos do anterior presidente, José Eduardo dos Santos, foi recentemente libertado, após seis meses em prisão preventiva, enfrentando agora uma série de acusações por peculato e má gestão de empresas públicas. Outros filhos de José Eduardo, antigos ministros e figuras relevantes da vida política e econômica de Angola estão igualmente em apuros.

Infelizmente, a situação econômica e social não melhorou. Na opinião de muitos, tem vindo até a piorar. Dirigentes políticos da oposição colocam em dúvida as convicções democráticas do novo presidente, desde logo porque João Lourenço resiste em alterar a atual constituição, confeccionada à medida das exigências e ambições do antigo ditador. São dúvidas legítimas. A minha esperança reside sobretudo na sociedade civil, que nos últimos anos se fortaleceu e sofisticou, e nessa alegria indomável de um povo que acredita ter o universo aos pés, produzindo, para seu benefício exclusivo, os mais lindos eclipses do mundo.

José Eduardo Agualusa

Autores se autocensuram sobre ditadura para não perder espaço no MEC de Bolsonaro

Na reta final das eleições presidenciais 2018, um movimento atípico tomou conta de ao menos quatro grandes editoras de livros didáticos do país. Autores de história, muitos conceituados e com longa carreira na educação, pediam para fazer modificações na última versão dos livros de história que iriam disputar a licitação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o ano de 2020, voltada à compra de obras para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano). Os pedidos, que incluíam substituir a palavra ditadura por regime, e golpe de 64 por movimento —em contraste com o recomendado pelas próprias diretrizes oficiais que citam ditadura civil-militar—, surpreenderam até mesmo editores. Os próprios autores, antecipando o posicionamento ideológico do Governo Bolsonaro prestes a ser eleito, optaram pela autocensura para não perder espaço potencial num mercado milionário.


O EL PAÍS apurou que, de ao menos três pedidos diretos de modificação de texto para retirar o termo ditadura, um foi acatado e o livro, já modificado. Em um quarto caso, a petição do autor foi para trocar charges de uma obra por "imagens menos impactantes" e as modificações também foram feitas. Todos os envolvidos falaram com a reportagem em condição de anonimato por causa da delicadeza do tema no momento em que a gestão bolsonarista redobra a aposta na estratégia negacionista de ditadura, apoiada principalmente pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez, que, segundo o próprio presidente, está ameaçado de demissão.

Vélez afirmou ao Valor Econômico nesta semana que o país deve mudar os livros didáticos para "resgatar uma versão da história mais ampla" sobre o período de 1964 a 1985. Mas o clima nas editoras mostra que talvez nem seja necessário uma mudança formal. “Muitos autores têm sua principal renda vinda do programa do livro didático, a preocupação em reduzir a críticas é uma estratégia para sobreviver ao Governo Bolsonaro", diz um editor, que frisa que a autocensura não é ideológica.

Os profissionais do setor dizem que o cenário é de insegurança tanto quanto ao futuro do trabalho quanto a qualidade do material publicado. “Fomos orientados para reduzir a crítica nas publicações”, conta um editor. “Escolhemos imagens menos impactantes, evitando charges, por exemplo, que exageram o problema para fazer a crítica”, explica outro editor.
Editoras negam modificações

Questionadas, as maiores fornecedoras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) mantêm um discurso neutro em relação às demandas pelo Governo Bolsonaro. Consultadas, as editoras Somos Educação (grupo Kroton), Moderna, FTD e IBEP afirmam que não houve nenhuma mudança no material didático enviado para o edital do PNLD 2020 e que não há planos de mudar terminologia sobre a ditadura nas obras de seus portfólios. Todas afirmam seguir o que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define o conjunto de aprendizagens essenciais para todos os alunos no Brasil.

A BNCC determina que no 9º ano, o ensino de história contemple o tema da “Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946”. O objetivo é trabalhar a ditadura e os processos de resistência, bem como os processos que levaram a redemocratização do país. Espera-se que os alunos sejam capazes de identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar brasileira, discutam questões relacionadas à memória e à justiça sobre as violações de direitos humanos cometidas pelos militares no período, discutam processos de resistência e reorganização da sociedade, bem como o papel da mobilização da sociedade nos anos finais da ditadura, até a Constituição de 1988.

“Não recebemos nenhuma instrução oficial sobre a mudança na abordagem do tema. A orientação que seguimos é a da BNCC homologada”, afirma Célia de Assis, diretora editorial da IBEP. “Também não temos projeto ou obras que tratem da ditadura militar como regime ou movimento”, lembra.

Em nota, a Somos Educação, dona das marcas Ática, Scipione, Saraiva e Atual, afirma que “preza pela pluralidade e liberdade de compreensão de seus autores, promovendo a manutenção da visão neutra de seus conteúdos”. E reitera que “nenhuma obra publicada passou por algum tipo de ajuste, e no que se refere à historiografia, respeita e veicula em seus materiais o resultado dos mais recentes estudos nessa área”. Por telefone, a Moderna também afirmou que não houve alteração em obras de seu catálogo. A FTD por sua vez, afirmou que possui autores, em todas as áreas do conhecimento, totalmente atualizados com o que existe de mais recente em termos de pesquisa acadêmica, alinhados, também, com todos os documentos oficiais que pautam a educação brasileira.”

Esta é a primeira vez que a autocensura rondou o PNLD e o tamanho do programa federal explica a precaução ou até antecipação. “Havia muita expectativa quanto ao PNLD 2019, 2020 e 2021, mas com a chegada de uma nova mentalidade, estes programas foram colocados em xeque tanto do ponto de vista prático, quanto ideológico”, afirma um editor. “Desde a LDB de 96, no Governo FHC, temos um desenvolvimento sólido do programa do livro didático, que foi interrompido no Governo Temer”, avalia outro.

O PNLD 2019, que está sendo entregue este ano nas escolas públicas, determinou as regras para a aquisição de material didático a estudantes e professores dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). As coleções compradas no edital são de livros consumíveis, que significa que os alunos não precisarão devolvê-los no final do ano letivo. As restrições orçamentárias da Educação, no entanto, abrem a possibilidade de um novo cenário. “Discute-se a possibilidade de convocar um edital para compra de novos livros não-consumíveis para o 4º e 5º anos. Isto vai significar que as editoras terão que refazer os livros, mesmo com uma expectativa menor de receita”, conta um editor.

Quanto ao PNLD 2020, as editoras entregaram as obras para avaliação em outubro de 2018. A expectativa é que o resultado das avaliações saísse em maio, para que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) pudesse publicar o guia do livro didático, onde professores escolheriam as obras que chegariam na escola em 2020. Porém, a triagem das obras foi liberada apenas no final de março. E, consultado pelo EL PAÍS, o MEC não sabe informar quando as avaliações serão finalizadas. “Nos bastidores, já avisaram que o resultado as avaliações podem nem sair neste ano, e que as compras serão feitas apenas no ano que vem”, conta um dos editores.

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Reforma da Previdência precisa recuperar as receitas que o INSS vem perdendo

O economista Filipi Campello, amigo meu, coloca uma questão essencial em torno da reforma da Previdência, infelizmente ignorada tanto por parte de Paulo Guedes quanto da parte dos deputados que se opõem as modificações propostas. Trata-se de alterar as regras no que se refere aos salários dos trabalhadores e trabalhadoras que se aposentam por tempo de serviço ou por idade. Mas também a reforma proposta pelo governo não levou em conta a necessidade de uma mudança profunda no que se relaciona as receitas. Perfeito, digo eu, considerando que a reforma por princípio tinha de abranger os dois setores.

Paulo Guedes acentuou que as despesas com aposentadorias e pensões atinges mais de 700 milhões de reais por ano, dez vezes mais do que a rubrica orçamentária relativa a educação.


Nem eu nem o economista Filipi Campello, em nenhum momento, ouvimos falar em um aperto indispensável do governo contra os sonegadores e aqueles que descontam de seus empregados, mas não recolhem ao INSS.

Paulo Guedes, na exposição que fez a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados, chegou a falar em desoneração dos empregadores, incluindo as empresas estatais. Como é possível assegurar a receita previdenciária reduzindo ou até zerando a parte dos empresários?

Simplesmente não é possível. Deve-se lembrar que os empresários contribuem para a Previdência na base de 20% sobre a folha de salário, muito mais do que o recolhimento dos empregados cujo limite máximo é de 11% sobre 5.800,00 reais teto das aposentadorias e pensões. Isso de um lado.

De outro lado, a questão implica inclusive nas contratações de técnicos, não pela CLT, mas sim pela transformação dos empregados em pessoa jurídica. Assim o desconto mensal para o INSS passa a ser zero pela empresa e o empregado paga se quiser ao INSS como autônomo. Quando o salário é muito alto, caso dos artistas de TV, por exemplo, nem se interessam em pagar INSS. Mas esta é outra questão.

Na exposição feita diante da CCJ Guedes não fez qualquer referência a esse ponto. A reunião, que acabou em tumulto, foi muito bem apresentada na reportagem de Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli e Lorena Fernandes, edição de ontem de O Estado de São Paulo.

Ficou caracterizado em meio à confusão, a dificuldade que começou a ser colocada pelos partidos de oposição. O desfecho foi simplesmente lamentável.

Devo destacar uma face do conflito. As acusações de Paulo Guedes aos governos do PT, Lula e Dilma Rousseff que desoneraram tributos pagos pelas empresas num montante de 300 bilhões de reais.

Esse argumento não se ajusta a cultura econômica de Paulo Guedes. Uma coisa não tem nada a ver com outra. E tem mais: por que Paulo Guedes não propõe ao presidente Jair Bolsonaro a reforma profunda desse monumento de absurdos legados pelo PT. Apenas é o caso de Paulo Guedes apresentar um projeto seu anulando tamanha liberalidade com o dinheiro da população.

São contradições nas quais o governo fica imobilizado.

De olho no retrovisor, capitão trombou com o país

Quem olha muito para trás acaba ganhando um torcicolo. Ao ordenar às Forças Armadas que fizessem as "comemorações devidas" do golpe militar de 1964, Jair Bolsonaro obteve algo ainda mais grave do que a torção no pescoço: antipatia popular. O Datafolha informa algo que até as criancinhas de 5 anos já sabiam: a maioria dos brasileiros (57%) acha que o 31 de março de 1964, dia do golpe que resultou numa ditadura de 21 anos, deveria ser desprezado, não celebrado.

"Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar", disse Bolsonaro nesta sexta-feira, discursando para servidores do Planalto. O Exército discordou da segunda parte da frase, pois expurgou o orador dos seus quadros quando ele ainda era um capitão encrenqueiro. E o brasileiro, tomado pelo resultado do Datafolha, parece preferir que Bolsonaro seja mais presidente da República do que capitão.



É como se o brasileiro, ao tomar conhecimento dos festejos do golpe, indagasse para os seus botões: O que isso tem a ver com o meu café com leite? O problema da ordem que Bolsonaro deu às Forças Armadas é a distância que separa a agenda militar do presidente das aflições do brasileiro. Com o desemprego a pino, 13,1 milhões de patrícios no olho da rua, Bolsonaro imita o avestruz, enfiando a cabeça em 1964. E o Brasil lá longe, atormentado com 2019.

No discurso aos servidores do Planalto, Bolsonaro disse que às vezes pergunta ao Todo-Poderoso: ";Meu Deus, o que eu fiz para merecer isso? É só problema". Muita gente acha essa descontração simpática. Bolsonaro parece humano. Sorri, diz piadas, é informal. Mas tudo isso tende a ser esquecido se o presidente se distancia do café com leite dos brasileiros.

Desemprego uma tragédia? Saúde pública um escândalo? Educação uma tristeza? Não é com Bolsonaro. Ele demorou três meses para notar que as caneladas no Congresso não ajudam na tramitação das reformas que tirarão a economia do freezer. Não há vestígio de novidade capaz de atenuar o descalabro hospitalar. Ricardo Vélez, a piada que foi nomeada para comandar a pasta da Educação, envergonha o país.

Contra esse pano de fundo, o negócio de Bolsonaro é trombetear a tese segundo a qual o golpe não foi um golpe e a ditadura jamais existiu. O capitão ainda não se deu conta. Mas, na condição de presidente, deveria cuidar dos segundos, porque as horas passam. Presidente que mata o tempo comete suicídio político.

Banco Mundial alerta para aumento da pobreza no Brasil

Um relatório do Banco Mundial divulgado nesta quinta-feira afirma que a pobreza aumentou no Brasil entre 2014 e 2017, atingindo 21% da população (43,5 milhões de pessoas).

O documento intitulado Efeitos dos ciclos econômicos nos indicadores sociais da América Latina: quando os sonhos encontram a realidade, demonstra que o aumento da pobreza nesse período foi de 3%, ou seja, um número adicional de 7,3 milhões de brasileiros passou a viver com até 5,50 dólares por dia.

No ano de 2014, o total de brasileiros que viviam na pobreza era de 36,2 milhões (17,9%). O quadro negativo teve início com a forte recessão que o país atravessou a partir do segundo semestre daquele ano, que durou até o fim de 2016.

O Banco Mundial avalia que o fraco crescimento da América Latina e Caribe, especialmente na América do Sul, afetou os indicadores sociais no Brasil, país que possui um terço da população de toda a região.

Mesmo assim, o Banco Mundial manteve as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, com altas de 2,2% em 2019 e 2,5% em 2020. As projeções são melhores do que as de outros países, como o México (1,7%), mas ficam abaixo de nações como a Colômbia (3,3%). Os países com previsão de queda no PIB são a Argentina (- 1,3%) e a Venezuela (-25%).

Para a região da América Latina e Caribe, o crescimento deve ser menor do que o do Brasil. As estimativas iniciais eram de 1,7%, mas, no mais recente relatório, elas despencaram para 0,9%, puxadas pelo péssimo desempenho da Venezuela. O crescimento da América do Sul também deverá sentir os efeitos da crise venezuelana, ficando em apenas 0,4%.

O relatório destaca as incertezas quanto à reforma da Previdência, afirmando que sua aprovação "depende da formação de coalizões", uma vez que o partido governista não tem maioria no Congresso. A instituição elogia o Brasil por buscar um programa "ambicioso" de reformas, mas afirma que o país é o caso mais preocupante na região depois da Venezuela.

O Brasil deverá ter um déficit fiscal de 6,9% do PIB em 2019 e um déficit primário de 1,2% do PIB. A dívida pública deve corresponder a 80% do PIB.

"As perspectivas de crescimento para este ano não mostram uma melhora substancial em relação a 2018, como consequência do crescimento débil ou negativo nas três maiores economias da região – Brasil, México e Argentina – e do colapso total na Venezuela", afirma o relatório. Se excluídos os números venezuelanos, o PIB da América do Sul teria alta de 1,8% em 2019.

O relatório afirma que os programas sociais podem ser os mais eficazes amortecedores dos choques econômicos. Segundo o economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e Caribe, Carlos Végh, essas iniciativas são comuns em países desenvolvidos, mas não nessa região.

"A região deve desenvolver, além dos programas estruturais existentes, ferramentas de rede de segurança social que possam apoiar os pobres e os mais vulneráveis durante o ciclo de baixa nos negócios", afirma o relatório.

O Banco Mundial afirma que a América latina e Caribe é a região com os indicadores mais voláteis em todo o mundo por ser exposta a fatores externos (como preços das commodities e liquidez internacional) e instabilidades institucionais e políticas.

O Banco Mundial analisou três indicadores: taxa de desemprego, pobreza e necessidades básicas insatisfeitas (habitação, educação e saneamento).