quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Paisagem brasileira

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A lei não é para todos

A Operação Lava Jato, mesmo com todas as falhas e abusos cometidos, assim como a vaidade descontrolada de parte de seus protagonistas, presta um grande serviço ao Brasil ao revelar a relação de corrupção entre o público e o privado. Uma relação que atravessa vários governos e vários partidos e vários políticos de vários partidos. E a Operação Lava Jato presta também um grande desserviço ao Brasil ao reforçar uma das ideias mais perigosas, entranhadas no senso comum dos brasileiros, e realizada no concreto da vida do país: a de que prisão é sinônimo de justiça. Num país em que o encarceramento dos pobres e dos negros tornou-se uma política de Estado não escrita – e, paradoxalmente, acentuou-se nos governos democráticos que vieram depois da ditadura civil-militar (1964-1985), reforçar essa ideologia não é um detalhe. Tampouco um efeito colateral. É uma construção de futuro.

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A Lava Jato tem um grande impacto sobre a vida do país, que ecoará por muito tempo e, em alguns aspectos, será constituinte do Brasil dos próximos anos ou décadas. É por essa razão que me parece fundamental enfrentar as complexidades e as contradições desse processo para além do contra ou a favor. O que busco fazer neste espaço é tentar interpretar os sentidos que vão sendo construídos ou reforçados pela Lava Jato, o que anda pelas bordas dessa operação, mas não por isso é menos importante. E que talvez seja mais permanente.

escrevi  que o fato de a grande “purgação” nacional se dar por crimes contra o patrimônio e não por crimes contra a vida tem o efeito profundo de reforçar uma deformação: a de que a vida humana vale pouco, o que importa é o patrimônio. Essa deformação é constitutiva da formação do Brasil como nação e, nos anos recentes, foi enormemente reforçada com a fundação de uma democracia que escolheu deixar impunes os torturadores e assassinos da ditadura civil-militar. Com a Lava Jato, esse traço constitutivo do Brasil se tornou ainda mais cimentado. E as consequências não são nem serão pequenas.

Prisão como sinônimo de justiça é outra ideologia que está sendo reforçada pela Lava Jato. Assim como o pouco valor dado à vida, ela também é antiga e entranhada no imaginário nacional. Mas cresceu e se ampliou com a disseminação em programas policiais/sensacionalistas de TV que não só pedem a prisão, mas também a execução de “bandidos”, em geral negros e pobres, como solução para o aumento da violência. Com a Lava Jato, essa ideologia foi ainda mais reforçada. Ao atingir os que nunca eram presos, os ricos, os poderosos, os políticos... a interpretação de prisão como justiça alcançou um outro patamar. Afinal, estes eram os “acima da lei”. E com a Lava Jato foram alcançados.

Os operadores da Lava Jato compreenderam bem o anseio popular e o usaram a seu favor, produzindo imagens amplamente disseminadas pelas TVs e pela internet de empresários e principalmente de políticos algemados e humilhados. Sem contar a “condução coercitiva” de Lula, que, da forma como foi feita, de imediato foi interpretada como “prisão”. Este espetáculo foi estratégico para o apoio da população à Lava Jato. Mas não só reforçou a interpretação de que a única forma de fazer justiça é prender, como açulou algo muito grave e também constitutivo do Brasil: confundir justiça com vingança. As imagens produzidas pelos operadores da Lava Jato e replicada milhões de vezes na TV e na internet não serviram para a ideia da justiça, mas para a ideia da vingança. Foram imagens produzidas para o gozo da população. E esta é uma escolha política.

Diante de cada notícia, e elas se acumulam a cada dia, as palavras favoritas são: “Finalmente prenderam!”. Ou: “Por que ainda não está preso?”. Ou ainda: “Tem que prender!”.

Nesta construção ideológica, a Lava Jato tem o efeito de produzir uma ideia de que, agora, a justiça é para todos. Ou a prisão é para todos, já que justiça e prisão são usadas como sinônimos. Num dos países mais desiguais do mundo, atinge-se pelo menos uma igualdade: a de que todos podem – e são – presos. Esta ideia, porém, não é apenas manipuladora. Ela é comprovadamente falsa. E ela serve para mascarar a enorme desigualdade do Brasil. Também na justiça. E também na prisão.


Se o encarceramento em massa fosse solução para a violência, no Brasil se dormiria de porta aberta

Se o encarceramento em massa fosse solução para a violência, no Brasil se dormiria de porta aberta. Com mais de 650 mil presos – e crescendo – temos a terceira maior população carcerária do mundo. O Brasil só perde, por enquanto, para os Estados Unidos e para a China. A maioria dos presos é composta por pessoas negras, pobres e com pouca escolaridade. Esta população ocupa menos de 394 mil vagas. O que significa que, com uma taxa de ocupação de 163,9%, estão não apenas presos, mas amontoados.

A maioria dos presos é composta por homens jovens, o que significa que está se encarcerando a juventude do Brasil. Menos de 10% deles concluíram o ensino médio. Uma pesquisa de 2014 mostra que a taxa de mortes por assassinato nas prisões brasileiras é três vezes maior do que na população geral – e isso sem contar Rio e São Paulo, que não informaram seus números. Os dados demonstram que quem mais morre assassinado no Brasil são as pessoas presas, sob responsabilidade do Estado.

A política de encarceramento dos jovens pobres e negros e com pouca escolaridade se revela também uma política de extermínio. E o Estado não é responsabilizado pelo genocídio cometido. Apenas nos primeiros 14 dias do mês de janeiro deste ano 115 presos morreram assassinados em três penitenciárias do Brasil. Uma tinha quase três vezes mais presos do que o número de vagas, outra duas vezes mais e outra quase o dobro. Podemos afirmar que os presos do sistema carcerário brasileiro estão entre os grupos que sofrem mais ilegalidades. E seguidamente isso resulta em sua morte. E assim o país perde parte de sua juventude e de sua força de trabalho.

No Brasil, a ideia de que “bandido bom é bandido morto” é muito popular, embora a pena de morte não exista oficialmente no país. Mas “bandido” é uma palavra ampla demais. E que esconde coisas demais. A maioria dos presos praticou crimes contra o patrimônio e relacionados a drogas. Os que cometeram crimes contra a vida são uma minoria. Apenas na cidade do Rio de Janeiro, de 1.330 acusados por tráfico em 2013, 80,6% eram réus primários. Em São Paulo, outra pesquisa analisou os flagrantes por tráfico de drogas, mostrando que quase 60% das pessoas não tinham antecedentes criminais e apenas 3% portavam algum tipo de arma. A média apreendida era de 66,5 gramas de droga. Mas apenas 9% foram absolvidas ou responderam por porte. O restante teve penas de até cinco anos de prisão por tráfico.

É possível afirmar que as superlotadas e perigosas prisões brasileiras estão abarrotadas de pessoas sem antecedentes criminais, que não deveriam estar lá porque a prisão deveria ser a última medida, reservada para os crimes mais graves. Quando se coloca uma pessoa que cometeu homicídios dolosos (com intenção de matar) ou latrocínios (matar para roubar) e uma pessoa que carregava alguns gramas de maconha no bolso não só no mesmo lugar concreto – a prisão – como também no mesmo lugar simbólico, o de “bandido”, o crime é da sociedade contra a pessoa.

O grito que falta

Pedro Américo de Figueiredo e Melo era um pintor brasileiro que vivia em Florença, na Itália. Nascido em 1834, recebeu, já cinquentão, uma encomenda de D. Pedro II que o notabilizou: fazer um quadro que representasse o fato histórico do Sete de Setembro de 1822, quando o pai do imperador liderou o rompimento político-administrativo do Brasil com a metrópole portuguesa.

Pedro Américo, entre 1886 e 1888, caprichou na imaginação e criou um cenário épico inexistente. A história oficial, desde aquela época, tinha que ser grandiosa. Falseada, para ter mais brilho. Ainda mais com um regime em crise, que terminaria um ano depois.

Pedro pintor recebeu do xará imperador 30 mil contos de réis. Uma boa bolada! Para você ter uma ideia, o orçamento de São Paulo para a saúde, às vésperas de Proclamação da República, foi de 22 mil contos de réis.

As distorções orçamentárias vêm de longe...

Pequenos detalhes: para vencer as distâncias da época, as mulas eram muito mais resistentes que os belos e fogosos cavalos, como esses em que Pedro quase I e sua guarda estão montados. Além disso, ninguém usava uniforme de gala para subir a Serra do Mar. A comitiva do Príncipe Regente – de 14 pessoas, e não com a quase meia centena da tela famosa – vinha de Santos.

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E o D. Pedro, com desarranjo intestinal, não estava para poses: como relata seu confessor, padre Belchior Pinheiro, “acabara de quebrar o corpo às margens do Ipiranga, com dores que apanhara em Santos”. Pronunciou suas palavras – e não brados – de rompimento com Portugal “abotoando a fardeta”: “

As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de ‘rapazinho’ e ‘brasileiro’. Pois verão agora quanto vale o ‘rapazinho’. De hoje em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais!”.

Um lema, não pronunciado na cena criada, ficou: “Independência ou morte!”. Ali, naquele local ermo, ninguém foi contra.

Independência e mortes, seria mais correto dizer. Pois o país que surgia conservava estruturas de exclusão, como o latifúndio, a monocultura e a escravidão.

A emancipação nacional, singular na América, manteve o regime monárquico e a cultura patriarcal. O Brasil independente nascia sem cidadania, com opressão, mais Estado que Nação. Por isso ainda hoje se clama, no Sete de Setembro, pelo Grito dos Excluídos. Eles estão aí, massivos – quase 13,3 milhões de desempregados e outros milhões de subassalariados (83% dos trabalhadores formais ganham até três salários mínimos).

Brasileiros jogados na ninguendade, sem direito ao teto, à terra, ao ambiente, à cidade. E ainda pagando 53,9% dos impostos no sistema tributário regressista e injusto.

Os cacoetes dos donos do poder de então continuam nos governantes atuais: autoritarismo, patrimonialismo, elitismo, entreguismo, corrupção, dominação de classe.

Em um aspecto de sua obra de arte Pedro Américo acertou. Olhe bem seu óleo em tela que ficou conhecido como “O grito do Ipiranga”. No canto esquerdo, observando espantado os protagonistas da cena, está um camponês maltrapilho, tocando seu carro de boi, com pesadas toras de madeira do extrativismo predatório. Ele parece dizer, sem ilusões: “o que eles estão anunciando aqui não mudará minha vida. Não virão grandes transformações”.

Dilma para Geddel: 'Vem pra Caixa você também!'

Michel Temer mal tivera tempo de festejar a erosão da colaboração judicial da JBS quando a Polícia Federal estourou a caverna de Ali-Baba que Geddel Vieira Lima improvisou num condomínio em Salvador. Foi a maior apreensão de dinheiro vivo já realizada na história: R$ 51.030.866,40. Repetindo: depois de passar o dia contando dinheiro, a PF informou que o ex-ministro de Temer, amigo do presidente há três décadas, entesourou num apartamento na capital baiana R$ 51 milhões.

A batida policial foi ordenada pelo juiz Valisney Oliveira, de Brasília. Deu-se no âmbito da Operação Cui Bono, que apura um assalto à Caixa Econômica Federal. Noutros tempos, quando se falava sobre bancos e assaltos, imaginava-se que a coisa acontecia de fora pra dentro. O PMDB da Câmara, grupo de Temer, desenvolveu na Caixa o assalto de dentro pra fora. No caso de Geddel, a coisa aconteceu durante o imaculado governo de Dilma Rousseff.

Sob o comando do PT, a casa bancária estatal já estava loteada politicamente. E Dilma acenou para Geddel: “Vem pra Caixa você também!” Apadrinhado por Temer, Geddel foi guindado ao posto de vice-presidente de Pessoa Jurídica da instituição. Ali permaneceu de 2011 até 2013. Saiu quando bem quis. E produziu resultados que reforçam o já sabido: a corrupção brasileira tem vocação amazônica.
Por uma dessas trapaças do destino, a “caverna” de Geddel foi estourada no mesmo dia em que a Procuradoria-Geral da República denunciou Lula, Dilma e outros seis grão-petistas por formar uma organização criminosa. O grupo é acusado de roubar durante a Era petista R$ 1,485 bilhão em verbas públicas.

No caso de Geddel, a PF desbaratou uma inusitada e sigilosa forma de fazer poupança: dinheiro vivo depositado em caixas de papelão e malas, espalhadas por um apartamento sem mobília. Ironia suprema: escondeu-se num endereço residencial uma fortuna presumivelmente desviada de uma instituição financeira estatal que convida brasileiros pobres a abrir contas de caderneta de poupança nas suas agências: “Vem pra Caixa você também!” Geddel foi.

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Sainte Maxime, France                                                                                                                                                                                 Mais
Sainte Maxime (França)

Estado doente

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Não se trata realmente mais de escolhas econômicas, entre esquerda e direita. Mas de decidirmos se vamos aceitar esse Estado doente, essa democracia conspurcada, essa ideia de que tudo pode se você for rico e poderoso
Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da Lava Jato

Como Geddel juntou dinheiro

               I
Charge O Tempo 06/09/2017
Quando arrombou o imóvel
De Geddel em Salvador,
O agente da Polícia
Foi tomado de um torpor:
- Nós entramos foi num banco! –,
Disse ele no corredor.

              II
Havia grana em toda parte,
Do telhado até o chão,
Uma cortina foi feita
Com a quantia de 1 milhão
E o papel de se limpar
Seguia o mesmo padrão.

             III
Testemunhando os trabalhos,
Convocaram João Tenente,
Que conhecia Geddel
Desde quando era carente:
Juntou dinheiro tomando
De quem via pela frente.
             IV
Ele explicou à Polícia
Que Geddel é cheio de manha:
Enganou quem frequentava
Aquele clube lá da Espanha
E afanou uma rapariga
Na Ladeira da Montanha.

             V
Furtou a bacia de um cego
Na Ladeira de São Bento,
Assaltou um aleijado
Na esquina do convento
E despojou Carga Torta
Do único bem: um jumento.

            VI
Não gostava de gastar
Desde os tempos do Cruzeiro,
Fazia como Tio Patinhas
De um jeito bem prazenteiro:
No dia que estava triste,
Se deitava no dinheiro.

            VII
Guardava dinheiro em malas,
Em travesseiro e colchão,
Tinha um pacote de notas
Escondido num caixão
Que ele tomou de uma velha
Numa visita ao Sertão.

             VIII
De tanto tomar do povo,
Geddel foi se acostumando:
Quanto mais ele tomava,
O prazer ia aumentando,
E ele, sem gastar nada,
Uma fortuna ia juntando.

             IX
Desde os tempos de ACM,
Passando em FHC,
Tendo seu cartaz em alta
No governo do PT,
Geddel se achou imbatível
Na arte de enriquecer.

            X
Só que veio a Lavajato
Pôr ordem no cabaré:
Na esquerda ou na direita,
Não tem mais querrequequé,
Roubou é investigado,
Finda preso e algemado,
Não fica um corrupto em pé!

Ouça, Temer


Tenho discretas razões para supor que Temer compreenderá o equívoco de abrir para a mineração, na Amazônia, uma área do tamanho da Dinamarca. No passado, ele se tornou dono de terras em Alto Paraíso, e a comunidade que trabalhava há anos ali foi a Brasília pedir ajuda. Terras em Goiás foram distribuídas a políticos do PMDB. Temer nem sabia exatamente como eram e o que produziam. Pressionado pelos agricultores alternativos que trabalhavam ali, Temer resolveu abrir mão de suas terras e as doou à cidade de Alto Paraíso. Agora, não se trata apenas de alguns, mas de 47 mil hectares. As terras não são de Temer, mas do Brasil e, de uma forma indireta, de toda a Humanidade. Quando os militares criaram a reserva, a ideia era pesquisar e explorar os recursos de uma forma estratégica. Não creio que pensaram nisso como um momentâneo desafogo a uma crise econômica provocada pela incompetência e corrupção.

Não quero raciocinar em termos de estatal ou privado, ou mesmo de nacional ou estrangeiro. Depois que os militares criaram a reserva, muita água passou por baixo da ponte, ou mesmo por cima, com os eventos climáticos extremos.

No fim da década dos 1980, o Brasil ainda era um vilão internacional porque desmatava a Amazônia. Lembro-me de uma reunião de cúpula na Holanda em que Sarney não foi porque tinha medo de uma reação negativa. Na época, além das queimadas e de outros fatores, houve ainda o episódio de negarem passaporte a Juruna.

Com a realização da Rio-92, o maior encontro de estadistas no pós-guerra, o papel do Brasil começou a se alterar. De vilão ambiental, tornou-se um interlocutor importante e passou a ser visto como ator decisivo nos acordos sobre o aquecimento global. A Amazônia tornou-se para o mundo um espaço a ser preservado, respeitada a autonomia nacional sobre suas terras. Países como a Noruega acharam que se a Amazônia era importante para a sobrevivência de todos, deveriam investir nela em projetos sustentáveis. E fizeram isso.

Você mesmo esteve na Noruega, embora a tenha confundido com a Suécia.

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A grande crise iniciada em 2008 e fatos posteriores, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, enfraqueceram mas não destruíram a disposição planetária de contribuir com a Amazônia.

Sua decisão coloca em risco grande parte do trabalho feito por todos nós para recolocar o Brasil no âmbito dos países comprometidos com a preservação do planeta. E de uma certa maneira, despreza os potenciais investimentos em projetos sustentáveis em nome de uma saída que me parece anacrônica e predatória.

Tudo bem, Temer, você dirá que serão respeitadas as regras ambientais para a mineração. Mas quem percorre Minas Gerais e outros pontos do país constata rapidamente que elas não são respeitadas no Sudeste, onde teoricamente, concentrase o grosso da fiscalização.

No segundo decreto, você criou um comitê ligado à chefia da Casa Civil para monitorar as atividades de mineração nessa faixa que engloba parte do Amapá e do Pará. Não consigo me convencer disso. O chefe da Civil, Eliseu Padilha, é investigado por crimes ambientais no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. E as acusações são amplas, vão de desmatamento a construção de pistas de pouso clandestinas. Pouca gente sabe disso. Mas está disponível na internet e no próprio Supremo.

Além de arruinar o trabalho de construção da imagem nacional, o governo nos propõe uma fórmula de controle na qual a raposa toma conta do galinheiro. O namoro do PMDB com as riquezas naturais da Amazônia vem de longe. Romero Jucá é o mais destacado parlamentar buscando fórmulas para regulamentar a mineração nas terras indígenas.

Nesse momento, Temer, você está cedendo às piores influências no manejo da Amazônia. Se fosse simplesmente um opositor, talvez pudesse me alegrar com essa decisão. Antes de ser opositor, sou brasileiro e lamento ver o Brasil caindo de novo naquele desprezo internacional que sentimos em Haia, no fim da década de 1980. É uma ilusão você pensar que tudo dará certo. Até mesmo Padilha e Jucá, que devem estar comemorando, não percebem que estão atraindo um furacão contra eles. Deveriam ser mais discretos, mas a aposta é de levar tudo porque aqui não se pune ninguém.

No momento em que publico este artigo, estou tentando entrar na reserva, que não tem acesso fácil. O argumento de que garimpeiros clandestinos estão por lá não justifica esta abertura às grandes empresas. Aliás, Temer, existe uma possibilidade de você estar se deixando execrar inutilmente. As empresas que você quer atrair também estão no mundo e devem sofrer pesadas campanhas em seus países de origem.

Não me importa que você confunda Noruega com Suécia, Paraguai com Portugal, ou mesmo reviva a União Soviética. O essencial é não confundir a Amazônia com Goiás, onde tantas terras foram passadas a líderes do PMDB. É um lugar tão complexo, capaz de sepultar não apenas os sonhos pioneiros como o de Henry Ford, mas também as grandes trapaças.

A República de bananas podres

Na sexta-feira 1.º de setembro, data da saída do mês de agosto, ou seja, do desgosto, a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto divulgou nota oficial longa e vazia na qual chamou o marchante goiano Joesley Batista, do Grupo J&F, de “grampeador-geral da República”. Aparentemente, a Presidência da República apontou suas pesadas baterias antiaéreas para derrubar uma flecha de bambu que o procurador-geral, Rodrigo Janot, preparou, segundo anunciaram as trombetas de Jericó, para atingir o presidente Michel Temer com mais uma denúncia criminal.

Em resposta ao desaforo, o maior produtor e comerciante de proteína animal do mundo chamou publicamente o presidente, que está na China em longa viagem de turismo para evitar vaias amanhã, no desfile militar do Dia da Pátria, de “ladrão-geral da República”. É pouco ou quer mais? Joesley disse ainda que Temer “envergonha” todos os brasileiros. Delator da Lava Jato, o desafeto-mor do chefe do governo afirmou, também em nota (que pretensão!), que a colaboração premiada é um direito e o ataque à prerrogativa revela a “incapacidade” de Temer se defender dos próprios crimes.


O Palácio do Planalto desqualificou o duplamente contador (de dinheiro e de furtos desqualificados) Lúcio Funaro, que firmou acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF). Segundo vazamentos, este contou que seu silêncio foi comprado por Joesley, dando sentido ao enigma de Temer no Jaburu: “Tem que manter isso, viu?”. Em seu papel de santo do pau oco, Joesley pontificou: “A colaboração premiada é por lei um direito que o senhor presidente da República tem por dever respeitar”. Entrementes, a Veja publicou entrevista do acusador na qual tentou passar de vilão a vítima: “Na hora em que os nossos anexos começarem a revelar outras organizações criminosas, aí talvez a sociedade vá olhar e dizer: ‘Pô, o Joesley teve a imunidade, mas olha como ele ajudou a desbaratar a corrupção’.” O esperto aposta na idiotice geral das otários.

Só que anteontem o precipitado-mor da (des)União revelou dispor-se a cancelar prêmios e manter penas apontadas na delação de Joesley porque se sentiu logrado pelo bamba do abate. E, pior ainda, traído por seu ex-braço direito Marcelo Miller, de quem a Nação inteira já desconfiava por ter deixado o Ministério Público Federal, tudo indica sem sequer trocar o paletó, para se dedicar à defesa dos donos e executivos da JBS nas tratativas para a referida dita cuja delação premiada. A revelação de que Janot foi ludibriado pelo procurador que virou advogado do delator valeu por uma flechada de metal no próprio pé. As gravações e documentos antes desconhecidos viraram o jogo em favor de Temer.

Para o advogado do presidente, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Joesley “não merece nenhuma resposta em face da sua origem e do conhecido comportamento absolutamente reprovável do delator”. Esta reação pífia não encobre o fato de seu cliente ter recebido o insultado para um papo amigável sobre compra de silêncio de réu e de omissão de juízes e procuradores, ao abrigo das trevas do porão do palácio ao qual este fora acolhido sem revista e usando nome que nem era seu. Gravada, a tertúlia sustentou o depoimento em que se baseou a primeira denúncia de Janot contra Temer.

O tiroteio de baixo calão travado no curral do Jaburu dá bem uma ideia do nível de desrespeito de autoridades e ex-cúmplices tornados desafetos às nossas instituições republicanas. O pior é que ladrão pesa muito mais do que grampeador. Havemos de observar que, na hierarquia dos crimes, o de furtar é muito mais grave do que o de grampear. E nunca foi dada uma resposta à altura. A única seria Temer explicar de forma detalhada e convincente suas relações e seu compromisso secreto e suspeito com Joesley no Jaburu. E Janot pisou no tomate vencido que atirou na lapela presidencial.

Para a Nação, emergindo agoniada da fossa da depressão, não há mocinhos neste faroeste caboclo. Mede-se a culpa de Joesley pelos 2 mil anos de penas perdoadas para contar uma história da qual só revela a parte que lhe convém. O MPF, após seu chefe ter sido insultado de “ingrato” pelo ex-presidente Lula, aparece depois da última confissão como interessado apenas em implicar Temer e o PMDB. Por isso, relevou úteis informações que o delator na certa tem sobre o padrinho mais forte no poder, Lula, que propiciou a um modesto açougueiro do interior de Goiás tornar-se magnata mundial da próspera indústria do abate de bois com juros de banana podre, subsidiados por um banco público.

Não convence o motivo dado por Janot, a 11 dias de deixar o cargo, para o prêmio excessivo a patrões e empregados da JBS: facilitar a investigação. E mais: não apareceu documento algum esclarecendo as razões de o bamba do abate ter merecido tantas benesses após conversas “republicanas” que disse ter mantido com Lula e o então presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Falta ainda o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ser questionado pelos colegas a respeito da homologação da delação, agora reveladora de que o populacho tinha razão em abominá-la.

No meio desse charivari todo, do outro lado do planeta, Temer comporta-se como São Sebastião catequizando o Extremo Oriente, à espera de flechas bambas de Janot, que nunca pareceu se esforçar muito para investigar o papel de Dilma Rousseff na compra da “ruivinha” em Pasadena. Ou a conexão de Lula e da própria Dilma com contas milionárias que o próprio Joesley informou ter aberto no exterior.

Esta República de bananas podres ficou a mercê de filhotes de César Maia, Fufuca Dantas, José Sarney e Fernando Coelho – estes dois protagonistas de mais um lance com o qual o governo tenta entregar generosas partes da Amazônia a bandidos proibidos de desmatar e garimpar no exterior.