quinta-feira, 26 de julho de 2018

Brasil de miséria

Largo de São Francisco, erguido em meados do século XVIII no Centro do Rio (Paulo Jacob)

Aberrações econômicas do Brasil

A composição da Carga Tributária dos Estados Unidos tem como base 82,57% de sua arrecadação incidindo sobre a Renda, Lucro, Ganho de Capital, Folha Salarial e Propriedade (classes privilegiadas da nação americana) e apenas 17,43% incidindo sobre Bens e Serviços (arroz, feijão, remédios, transportes e educação). Com uma Carga Tributária total de apenas 26,4% do PIB em 2016. Sem dúvida o país mais socialista do mundo.

A composição da Carga Tributária média dos países da OCDE tem como base 66,76% de sua arrecadação incidindo sobre a Renda, Lucro, Ganho de Capital, Folha Salarial e Propriedade (classes privilegiadas das nações analisadas) e apenas 33,24% incidindo sobre Bens e Serviços (arroz, feijão, remédios, transportes e educação). Com uma Carga Tributária média de 35,2% do PIB.

A composição da Carga Tributária do Brasil tem como base 48,91% de sua arrecadação incidindo sobre a Renda, Lucro, Ganho de Capital, Folha Salarial e Propriedade (classes privilegiadas da nação brasileira) e 51,09% incidindo sobre Bens e Serviços (arroz, feijão, remédios transportes e educação). Com uma Carga Tributária total de 32,1% do PIB em 2016.

Conclusão:
Dentre os países analisados o Brasil é o que possui a mais injusta, imoral, criminosa, desumana e regressiva Carga Tributária. Uma vergonha internacional que certamente continuará tendo o silêncio de todos: por omissão, covardia ou conivência.


A aberração da concentração de renda entre os estados brasileiros (Fonte IBGE)

Em 2015 os cinco estados com a maior participação no PIB do país foram São Paulo (32,4%), Rio de Janeiro (11,0%), Minas Gerais (8,7%), Rio Grande do Sul (6,4%) e Paraná (6,3%) e concentravam 64,7% da economia brasileira. Uma aberração histórica do Brasil, jamais abordado nos meios acadêmicos, ou nos planos de governos. Uma imoralidade.

Em 2015 o PIB per capita do Brasil foi de R$ 29.326,33. O maior PIB per capita continua sendo o do Distrito Federal (R$ 73.971,05, cerca de 2,5 vezes maior que o PIB per capita do País). Os outros maiores PIB per capita são, na ordem, São Paulo (R$ 43.694,68), Rio de Janeiro (R$ 39.826,95), Santa Catarina (R$ 36.525,28), Rio Grande do Sul (R$ 33.960,60) e Paraná. (R$ 33.768,62).

Em 2015 por outro lado, o Maranhão (R$ 11.366,23) e Piauí (R$ 12.218,51) foram os menores. Ao longo da série, estes dois estados alternaram posições, mas nunca deixaram de ter os menores resultados. Porém, em 2002, o PIB per capita de ambos era cerca de 30% do PIB per capita do Brasil e, em 2015, alcançaram o patamar de 40%. Assim, Maranhão e Piauí conseguiram reduzir a distância entre seus PIB per capita e o nacional.


A aberração da concentração de renda entre os indivíduos

Em 2017, os 10% da população com os maiores rendimentos detinham 43,3% da massa de rendimentos do país, enquanto a parcela dos 10% com os menores rendimentos detinham 0,7% desta massa.

As pessoas que faziam parte do 1% da população brasileira com os maiores rendimentos recebiam, em média, R$ 27.213, em 2017. Esse valor é 36,1 vezes maior que o rendimento médio dos 50% da população com os menores rendimentos (R$ 754). Na região Nordeste essa razão foi de foi 44,9 vezes e na região sul, 25 vezes.


Os 10% melhor remunerados receberam 2/5 dos rendimentos do país.

A aberração dos créditos subsidiados da União para os estados mais ricos do país.

Em 2017 os cinco estados mais ricos da federação (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná) são responsáveis por 92,51% da divida dos estados e municípios com União, pagando juros subsidiados respondem por 64,7% do PIB do país. Uma aberração histórica do Brasil, jamais abordado nos meios acadêmicos, nos planos de governos, nem na imprensa e internet. Uma imoralidade.


A aberração da Dívida dos Contribuintes com o INSS (Fonte MP)

Em 31 de dezembro de 2016 existia um estoque de dívidas dos contribuintes com a previdência de R$ 471,2 bilhões (7,52% do PIB).

O futuro vem da boa educação

Se os candidatos à Presidência da República tiverem juízo, a educação será o tema principal da campanha, que começará, oficialmente, em 16 de agosto. Sem a melhoria do sistema de ensino do país, qualquer projeto de governo tenderá ao fracasso. Os dados atuais, diz o professor Abílio Baeta Neves, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), são alarmantes. Não há nada que se possa comemorar.

Os problemas vão do ensino básico ao superior. Portanto, o vencedor nas urnas terá que fazer uma verdadeira revolução se quiser colocar o Brasil mais próximo do que se vê no mercado internacional. O país está atrasado em tudo, sobretudo em relação às pesquisas. Por ser estritamente local, a produção científica brasileira tem baixo impacto na economia. O índice que mede esses efeitos é de 0,8 no Brasil contra 1,0 no mundo.


O professor diz que há um problema cultural grande. Os pesquisadores não têm interesse em expandir seus estudos no exterior. Já as universidades brasileiras estão acomodadas, não fazem qualquer movimentação para ampliar o intercâmbio de alunos. São poucos os estudantes que vêm de fora. A situação é tão alarmante, diz o presidente da Capes, que mais de 50% dos pesquisadores nunca se deslocaram mais que 10km do local onde atuam. E mais: 64% deles não querem estudar no exterior.

“Há uma briga internacional por jovens talentos. Na Suíça, mais de 50% dos alunos em universidades são estrangeiros. Aqui, não damos valor a isso. Somos muito domésticos”, ressalta Baeta Neves. Ele diz que recursos fazem falta para incentivar a internacionalização das pesquisas brasileiras, mas o maior problema é cultural. “De nada adiantará ampliar as verbas disponíveis para pesquisas se não mudarmos nossa atitude. Só vamos aumentar o erro”, frisa.

Ele lembra o caso do Ciência sem Fronteiras, criado no governo de Dilma Rousseff. A ideia era levar um grande número de jovens para universidades mundo afora. Mas não houve controle. Priorizou-se demandas individuais, sem de preocupar com o impacto das pesquisas nas instituições de origem dos estudantes. Mais que isso: em muitos casos, o que era para ser um período de estudo se transformou em um período de férias bancadas com dinheiro público.

O professor assinala que, mesmo com toda a escassez de recursos, a Capes vem se esforçando para incrementar a qualidade dos trabalhos científicos. Em 2018, o orçamento de R$ 3,9 bilhões bancará 100 mil bolsas no Brasil e 7 mil no exterior. Essa atuação poderia se maior não fosse o baixo ingresso de jovens no ensino superior. Daqueles entre 18 e 24 anos, somente 20% estão cursando a universidade. Isso, portanto, restringe o número de pós-graduados e doutores, os responsáveis pelo incremento da ciência.

Na visão do presidente da Capes o futuro governante terá de reforçar as verbas para a educação, mas com eficiência, para que os resultados sejam efetivos. A qualidade do ensino é tão ruim que estamos na 67ª no ranking mundial de inovação, segundo o Fórum Econômico Mundial. “O deficit é brutal em todos os níveis de ensino. Se nos mantivermos no ritmo atual, vamos ficar para trás. Mais do que já estamos”, destaca.

Para Baeta Neves, a crise econômica não é desculpa para se falar em cortes de recursos para a educação. Ele lembra que, entre 2008 e 2009, quando o mundo ruiu depois do estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, as grandes economias do planeta, justamente as que mais sofreram, ampliaram os gastos com pesquisas e inovação. Sabiam que os resultados seriam vitais para impulsionar a produção.

“Dizer que o Brasil gasta muito com educação é um erro. Nossa primeira universidade só abriu as portas em 1930, com século de atraso. Temos um passivo grande ante os países que investiram muito antes na educação”, afirma o professor. É preciso ter mente que a boa educação aumenta a competitividade da economia. Vivemos em uma sociedade cada vez mais conectada tecnologicamente. Há um mundo novo pela frente, do qual o Brasil não pode ficar de fora.

Ideias? Ora, as ideias

Pelo andar das negociações, o vice de Geraldo Alckmin tanto pode ser o comunista Aldo Rebelo — ex-PCdoB, hoje no Solidariedade — como o empresário Josué Gomes — dono de 15 fábricas no Brasil, cinco nos EUA, uma na Argentina e outra no México, líder da confecção de cama, mesa e banho nas Américas. Pode parecer estranho, mas no meio político isso é dado como absolutamente normal. Tanto que o empresário também é cogitado como vice na chapa do petista Fernando Pimentel, governador candidato à reeleição em Minas.

O mesmo empresário também esteve em conversas para compor chapa com Ciro Gomes, cujo objetivo é fisgar os votos da esquerda, na ausência de Lula. E isso nem é novidade, pois o pai de Josué, José Alencar, fundador do império têxtil, foi vice de Lula, e os dois se deram muito bem.

Os partidos do centrão negociaram com Ciro e Bolsonaro, antes de fechar com Alckmin. Também cogitaram acertar com Henrique Meirelles. Aliás, o comunista Aldo Rebelo, como membro do Solidariedade, integra o centrão, um catado de populistas de direita ou de coisa nenhuma, com vários líderes envolvidos na Lava-Jato.

O deputado Jair Bolsonaro, com um histórico de votos na linha estatizante e corporativa, chamou para seu economista o ultraliberal Paulo Guedes. Marina, que fez campanha mais pelo lado liberal na última eleição, dá uma guinada à esquerda, também de olho nos votos de Lula.


Se o Brasil estivesse em um momento muito favorável, com economia e política funcionando tudo certinho, essas incoerências poderiam até ser toleradas. Quer dizer, seriam negativas, mas se não houvesse nada de importante a resolver, qual o problema? Um comunista e um capitalista podem se entender sobre, digamos, os limites de velocidade nas estradas federais.

Mas o setor público está quebrado. Estão na pauta questões cruciais para o futuro próximo do país, entre as quais: a reforma da Previdência, a privatização (ou não) de estatais, a reforma tributária (quais setores da sociedade serão mais tributados?), a legislação trabalhista, a derrubada da taxa de juros, saúde mais estatal ou mais privada. São escolhas políticas de caráter ideológico, que exigem definições firmes.

A esquerda não quer privatizar a Eletrobras porque considera que integra um setor estratégico, a ser gerido pelo Estado. Pessoal do centrão é contra a privatização porque estatais são um paraíso para nomeações e obras. Por essa via transversa, PT e centrão se entenderam muito bem. Mas e se for eleito um presidente favorável à privatização, com o apoio do centrão ou de esquerdistas ou dos dois grupos ao mesmo tempo?

Candidatos, individualmente, podem até manifestar posições mais ou menos claras, mas o problema é como implementá-las no Congresso Nacional.

Tem mais. Todos os candidatos falam em alguma mudança na Constituição, o que exige o voto de 3/5 dos deputados (308) e senadores (49). Nessa geleia política, como formar essa maioria com alguma coerência?

Eis o cenário: o país precisa de muitas respostas para questões que apareceram justamente por falta de decisões firmes. Há quanto tempo estamos enrolando com a reforma da Previdência ou com privatizações? E estamos muito próximos de eleger governos — federal e estaduais — com um jeitão muito parecido com o que tivemos recentemente.

Mais leis?

Se faltam escolhas firmes, sobram leis no país.

A Constituição tem 250 artigos, 114 disposições transitórias e 99 emendas.

Estão em vigor 180 mil leis federais. Há 5,5 milhões de normas federais, estaduais e municipais. No Congresso, há 25 mil projetos de lei em andamento e nada menos que 1,1 mil propostas de emenda à Constituição.

Uma regra sagrada do Direito diz que ninguém pode alegar ignorância da lei. Por aqui, bem pode ser outra norma que não pegou.
Carlos Alberto Sardenberg

Paisagem brasileira

Trindade (RJ)

O difícil retorno

Em época de eleição, candidatos mentem ou simplificam situações complexas. Em 1990, Collor iria derrotar a inflação com um tiro, em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio, em 2014, Dilma Rousseff negou que o país estivesse entrando em recessão. Quem diz agora que será fácil resolver a crise fiscal e retomar o crescimento sustentado está vendendo gato por lebre.

Em 1990, o tiro de Collor saiu pela culatra e atingiu o país inteiro. Com o plano do sequestro da poupança, houve uma recessão de 11 trimestres, e a economia precisou de sete trimestres para voltar ao ponto em que estava em 1989, como mostrou a reportagem de ontem de Cássia Almeida neste jornal. Em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio que explodiu em 1999. Em 2014, Dilma em todas as entrevistas negava a crise, explicava que os “indicadores antecedentes” mostravam que a economia não estava em crise, como fez no Jornal Nacional. Que nada! Os erros que ela cometeu durante o primeiro mandato estavam cobrando a conta já em 2014. Os números vieram depois, mas os sinais eram visíveis e uma propaganda cara, e paga com dinheiro sujo aos marqueteiros João Santana e Monica Moura, criou o biombo que enganou milhões.

Era o começo da mais longa das nossas recessões. Olhando o passado, dos nove períodos recessivos desde 1980, só dois têm o tamanho do que entramos no último ano eleitoral. A recessão da crise da dívida nos anos 1980, nos estertores do regime militar, e a do Plano Collor. A atual consumirá ao todo, segundo a FGV, que fez o estudo citado na reportagem, 16 trimestres na lenta caminhada de volta ao ponto de partida, ou seja, ao começo de 2014.


A mentira de 2014 não criou antídotos no Brasil e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores. A versão muda conforme a conveniência de cada grupo. Entender o passado só é importante para preparar a cura do presente. O país saiu oficialmente da recessão em 2017 mas está prisioneiro do baixo crescimento e das expectativas cadentes.

Há um conjunto de motivos para explicar a lentidão da retomada. Na saída da recessão do Collor, havia uma proposta eficiente de reorganização da economia no governo Itamar, com o Plano Real. Em 1998-1999, a recessão derrubou o PIB, mas a taxa anual continuou levemente positiva (0,3% e 0,5%) e o país estava com superávit primário. Desta vez, o governo Michel Temer conseguiu administrar o país por um ano, mas em maio de 2017, com a delação de Joesley Batista, ele perdeu o rumo. Hoje ainda tem uma equipe econômica séria, mas no Congresso tem perdido todas as batalhas fiscais.

A crise tem camadas: o desajuste fiscal é grave demais e não foi revertido, a base parlamentar está aprofundando o buraco das contas, a greve do setor de transporte de carga abateu o pouco de melhora no índice de confiança de empresários, está havendo um aumento dos juros de longo prazo e do risco-país, o desemprego é alto demais e trava o consumo das famílias. A arrecadação vinha aumentando este ano todos os meses, mesmo quando se desconta as receitas extraordinárias, como o Refis, mas a melhora é insuficiente. Quando se olha para o futuro não há razões para se confiar na superação da crise.

O cientista político Carlos Mello, em entrevista publicada ontem no jornal, enumerou as vezes em que os economistas erraram na análise recente, quando previram o fim da crise. Não há mais espaço para o auto-engano. A crise é grave. O buraco fiscal no qual o país caiu exigirá, como disse o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, em entrevista que me concedeu, um ajuste de 4% do PIB. E vários candidatos, mesmo quando falam em ajuste e mudança da trajetória de crescimento da dívida, apresentam soluções mágicas. Nenhum dos nossos problemas é simples ou terá solução fácil.

Os candidatos seguirão sua natureza de culpar o adversário, simplificar o complexo e prometer a virada rápida caso sejam eleitos. Mas a dolorosa verdade é que reorganizar a economia brasileira, para sair da crise fiscal e retomar o crescimento com geração de emprego, é um trabalho difícil e vai levar anos. Dependendo de quem for eleito, o que pode acontecer é o país afundar ainda mais na crise que ainda não superamos. Mentira sobre a economia em 2014 não criou antídoto e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores

Vários candidatos, mesmo quando falam em ajuste fiscal, apresentam soluções mágicas Nenhum dos problemas é simples ou terá solução fácil, reorganizar a economia levará anos.

Problema do governo

Governabilidade ganha um sentido gangsterístico

O próximo governo será assombrado pelo centrão, seja quem for o inquilino do Palácio do Planalto. Na campanha, o grupo suprapartidário encostou seu código de barras no projeto eleitoral de Geraldo Alckmin. Mas não hesitará em se reposicionar se o nome do próximo presidente for outro. Sempre que dá com os burros n’água, o centrão encontra um burro mais seco.

Foi por pragmatismo que o grupo optou por Alckmin. A negociação com Ciro Gomes excluía o PR e o PRB. O entendimento com Jair Bolsonaro incluía apenas o PR. Sob o guarda-chuva do tucano, acomodaram-se todos: DEM, PP, Solidariedade, PR e PRB. Já estavam abrigadas no ninho legendas como PTB e PSD, que têm o mesmo DNA patrimonialista.

Os partidos do centrão concluíram que, separados, piariam fino. Juntando todos os segundos de que dispõem na propaganda eleitoral, falam grosso. Indicam o vice, negociam antecipadamente os comandos da Câmara e do Senado. De quebra, ladrilham com pedrinhas de brilhante a rua por onde irão passar seus interesses no governo a ser instalado em 1º de janeiro de 2019.


O projeto centrão de poder baseia-se na ocupação predatória do Estado. Seu objetivo central é assegurar que as verbas do Orçamento continuem escoando pelo ladrão. Hoje, barganham o tempo de TV. Amanhã, levarão ao balcão os votos de que irão dispor no Congresso. Por isso, destinam 100% da verba que extraíram do fundo público eleitoral às candidaturas para o Legislativo.

O centrão tem potencial para colocar algo como 250 votos no plenário da Câmara. Unindo-se ao MDB nas votações estratégicas, pode ultrapassar a marca dos 300 votos num colégio de 513. O quórum para a aprovação de uma proposta de emenda constitucional é de 308 votos. Não há governo capaz de funcionar em litígio permanente com essa gente. Daí a decisão dos caciques do centrão de preservar a unidade do grupo seja qual for o resultado das urnas.

No formato atual, o centrão foi concebido em fevereiro de 2014 por Eduardo Cunha, então líder do PMDB. Nessa época, o grupo não incluía o DEM. Movia-se como um elefante indiano. Precisava de um rajá para montá-lo. Cavalgando-o, Cunha elegeu-se presidente da Câmara. Alimentando-o com parte da ração que extraía dos cofres públicos, o hoje presidiário Cunha cercou, asfixiou e passou por cima do governo de Dilma Rousseff.

O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo são fenômenos tradicionais no Brasil. No período pós-redemocratização, já havia um centrão. Foi criado pela banda conservadora do Congresso Constituinte de 1988, para se contrapor à ala dita progressista. Guiava-se por um lema: “É dando que se recebe”.

Retirado da oração de São Francisco, o slogan passou a simbolizar a profana prática de exigir vantagens do Executivo em troca de apoio político no Legislativo. Foi dando que o então presidente José Sarney arrancou da Constituinte, por exemplo, o mandato de cinco anos.

Com o tempo, os apetites da facção franciscana do Legislativo foram aumentando. Sob FHC, escalaram as manchetes os áudios revelando que a emenda da reeleição fora aprovada mediante o pagamento de uma tal “cota federal” para certos deputados —dinheiro vivo.

Sob Lula, a articulação política foi simplesmente substituída pela compra de votos. Deu no mensalão, sucedido pelo petrolão. Ninguém imaginou que os maus costumes sumiriam. Mas a Lava Jato estimulara a ilusão de que o medo da cadeia constrangeria a banda arcaica da política, encurralado-a. Engano.

Em maio de 2016, quando sentou-se na cadeira de Dilma, Michel Temer discursou: “A moral pública será permanentemente buscada” no meu governo. Referiu-se à Lava Jato como “referência” no combate à corrupção. Assegurou que sua gestão garantiria “proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”

O apodrecimento do governo, potencializado pelo grampo do Jaburu, revelou que Temer e o miolo de sua equipe ministerial não eram senão matéria prima para a investigação. Rendido à necessidade de congelar duas denúncias criminais na Câmara, Temer converteu-se num presidente da cota do centrão.

No curto intervalo histórico de 20 anos, o vocábulo ''governabilidade'' ganhou no Brasil um sentido gangsterístico. A política foi transformada num outro ramo do crime organizado. A extorsão do centrão vai continuar. Isso é péssimo. Mas pode se tornar ainda pior se o próximo presidente levar para o trono a disposição de pagar a fatura.

Parque jurássico

Há pouco tempo o Senado uruguaio votou por unanimidade uma resolução de condenação à repressão sangrenta que ocorre na Nicarágua. A Frente Ampla que congrega a esquerda de diversas vertentes, o Partido Nacional e o Partido Colorado, de direita e centro-direita, e os social-democratas, liberais, socialistas cristãos, todos pediram a Ortega “o fim imediato da violência contra o povo nicaraguense”. Durante o debate, o ex-presidente José Mujica, ao referir-se aos aproximadamente 350 mortos do massacre sem fim, disse palavras exemplares: “Me sinto mal, porque conheço gente tão velha quanto eu, porque me lembro de nomes e companheiros que perderam a vida na Nicarágua, lutando por um sonho. E sinto que algo que foi um sonho cai na autocracia... os que ontem foram revolucionários, perderam o sentido na vida. Há momentos em que é preciso dizer ‘vou embora”.


São palavras exemplares porque representam o que sempre acreditei que fossem os fundamentos éticos da esquerda, baseados em ideais permanentes mais do que em ideologias que olham ao passado. Uma postura semelhante foi assumida por partidos e personalidades de esquerda na Espanha, Chile, Argentina, México, que recusam o fácil e ultrapassado expediente de justificar a violência do regime de Ortega contra seu próprio povo, jogando a culpa no imperialismo ianque, de acordo com a cartilha.

É o que fez o Foro de São Paulo, reunido em Havana, ao emitir uma declaração em que, com espantoso cinismo, recusa “a ingerência e intervencionismo estrangeiro do Governo dos Estados Unidos através de suas agências na Nicarágua, organizando e dirigindo a ultradireita local para aplicar mais uma vez sua conhecida fórmula do chamado 'golpe suave' para a derrubada de governos que não compactuam com seus interesses, assim como a atuação parcial dos órgãos internacionais subordinados aos desígnios do imperialismo, como é o caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”.

É preciso ler em voz alta para esses senhores reunidos em Havana a declaração do Podemos feita em Madri: “Pedimos a investigação e o esclarecimento de todos os fatos ocorridos durante as mobilizações, incluindo a prestação de contas nos tribunais por parte das autoridades policiais e políticas responsáveis pelas violações dos direitos humanos cometidas”.

Um discurso ultrapassado é sempre acompanhado de uma linguagem obsoleta. A esquerda é essa do Foro de São Paulo ou é a representada pelo pensamento humanista de José Mujica? Aquele aborrecido discurso nada tem a ver com a realidade da Nicarágua. É a retórica vazia, alheia a todo o contato com a verdade, que ficou perdida nas elucubrações de uma ideologia fossilizada. No parque dos dinossauros não há pensamento crítico.

A função ética da esquerda foi sempre estar ao lado dos mais pobres e humildes, com sentimento e responsabilidade como o faz Mujica. Por outro lado, o coro burocrático acaba justificando crimes em nome de uma ideologia férrea que não aceita as mudanças da história. Defender o regime de Ortega como de esquerda nada mais é do que defender seu alinhamento dentro do que resta da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), que já não é muito, após o fim da era de ouro do petróleo venezuelano grátis, e o golpe mortal infringido, também dentro de uma posição ética, pelo presidente Moreno do Equador.

Para entender a linguagem perversa dos que redigiram a resolução do Foro de São Paulo, e os sentimentos dos que a aprovaram, é preciso vestir o capuz dos paramilitares que sustentam a sangue e fogo o regime na Nicarágua, e se esquecer das centenas de vítimas, entre elas crianças e adolescentes.

Não posso imaginar um ultradireitista aliado do imperialismo ianque mais atípico do que Alvarito Conrado, o garoto de 15 anos, estudante do ensino médio, que por um natural senso de humanidade corria para levar água a jovens desarmados que defendiam uma barricada nas proximidades da Universidade Nacional de Engenharia, e levou um tiro no pescoço com uma arma de guerra. Foi ao meio-dia de 20 de abril, logo no começo dos protestos que já duram três meses. Foi levado, ferido mortalmente, ao hospital Cruz Azul do Seguro Social, e se negaram a atendê-lo. Sangrou até morrer. Alvarito é hoje um símbolo, com seu sorriso inocente e seus grandes óculos. Agente do imperialismo, conspirador da ultradireita empenhado em derrubar um governo democrático de esquerda. A esquerda jurássica.
Sergio Ramírez