sábado, 7 de setembro de 2019

Pensamento do Dia

Olivier Ploux

Cadê o emprego?

O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu um banho de água fria em quem esperava para logo o lançamento do pacote de medidas para combater o desemprego. No Rio de Janeiro, Guedes declarou ontem que o pacote de incentivos para o emprego “é bem para frente”.

As medidas em estudo já foram apresentadas para a Casa Civil e um grupo de empresários e banqueiros. O que se contava agora era que o ministro desse sinal verde para acioná-las imediatamente diante da crise estrutural de emprego no Brasil.

Ainda falta trabalho no País para 28,10 milhões de pessoas. O total de trabalhadores informais alcançou o patamar recorde de 38,683 milhões em agosto, o equivalente a mais de 40% da população ocupada.


Diante da demora anunciada, ficam algumas perguntas no ar: Guedes não gostou das propostas que seus auxiliares desenharam? Tem dúvida da hora certa de fazer o lançamento? O ministro está titubeando? Por que esperar mais para botar o bloco na rua?

Há um evidente descompasso não resolvido na cabeça do ministro sobre o alcance das medidas para o emprego, algumas mais liberalizantes do que as outras e de difícil implementação.

Mas está cada vez mais claro que o que retarda a decisão do ministro é a dúvida sobre como fazer a desoneração da folha de pagamentos das empresas – promessa da campanha eleitoral.

O caminho via compensação da desoneração com a criação de novo imposto na reforma tributária, nos moldes da extinta CPMF, traz riscos fiscais e tem rejeição do Congresso e da sociedade. Outro obstáculo a ser vencido é a rejeição do presidente Bolsonaro à recriação da CPMF.

Guedes não pode politicamente apresentar uma proposta de reforma tributária, com a nova CPMF, que já chegaria ao Congresso derrotada. Só vai levar adiante, se tiver chance real de ser aprovada. Ainda não tem. Por isso, a demora para enviar o projeto de reforma tributária.

O ministro, que tem medo de perder arrecadação com a desoneração, pode optar antes em abrir o caminho de forma mais gradual. Uma das propostas apresentadas a ele é desobrigar as empresas de pagarem impostos sobre a folha de pagamento na contratação de jovens e pessoas que estão sem carteira assinada há mais de dois anos. A proposta é que a desoneração seja bancada com recursos do Sistema S. Um passo inicial que está no leque de medidas para estimular o emprego.

Da transição de governo até agora, já se passaram mais de dez meses. Já deu tempo para o governo elaborar um plano de ação. Nada nesse momento pode ser mais importante e urgente do que o enfrentamento do que o pontual do problema do desemprego.

A reforma da Previdência, apontada como essencial para a recuperação da economia, já está próxima de ser aprovada. A promessa da equipe econômica era de que logo após a aprovação na Câmara as medidas para estimular retomada seriam acionadas. O que se viu até agora é a área econômica enrolada até o pescoço com os problemas de gestão do Orçamento e a negociação das mudanças das regras fiscais.

Os gatilhos são os mecanismos que permitem ao governo reduzir despesas obrigatórias, entre os quais suspender aumentos salariais dos servidores, conceder benefícios e dar reajustes de despesas acima da inflação, inclusive do salário mínimo.

A coluna já havia apontado que boa parte da agenda econômica do segundo semestre seria voltada a arrumar soluções para bloqueio forte de quase R$ 34 bilhões esse ano, que promove um quase “apagão” da máquina esse ano.

Para 2020, o problema é maior ainda com projeto de Orçamento apertado por conta das restrições impostas do teto de gasto. Ele pode não ser cumprido no ano que vem e abriu uma pressão dentro do governo para sua flexibilização.

Bolsonaro apoiou inicialmente a mudança do teto, posição que foi revista após conversa com Guedes. Depois do vaivém, o que se viu de verdade são os sinais de impaciência do presidente com a falta de recursos e a demora da equipe econômica em apresentar soluções.

O presidente e seus aliados mais próximos estão angustiados com a demora da retomada do emprego. Os desdobramentos dessa angústia crescente na agenda da equipe econômica, por ora, são uma incógnita.

Machista, egocêntrico e misógino

Jair Bolsonaro, o capitão, é machista, misógino e egocêntrico. Desrespeita as mulheres de forma cabal, a ponto de dizer que foi numa fraquejada que engravidou sua terceira mulher de uma menina.

Outro exemplo: qual o motivo para Raquel Dodge não ser reconduzida à chefia da Procuradora Geral da República, segundo o capitão? Segundo ele, o fato dela ser mulher!

Enquanto esse traço de seu caráter só incomoda aos brasileiros, por desagradável, triste e burro, sem alternativa, toleramos. Mas quando começa a fazer do Brasil um país menor, diminuto, ignorante, estúpido, aí o problema torna-se muito grave.

E é isso o que tem acontecido.

Ele vem comprando problemas absolutamente inúteis, idiotas mesmo, com mulheres de personalidade forte que representam com valor os países com os quais o Brasil não tem problemas, mas que o capitão quer ferir.

O que é que ele consegue com os comentários ofensivos que fez a Brigitte Macron, a Michelle Bachelet, a Angela Merkel? Ou com o extremamente ignorante comentário de que ele não quer ser uma Rainha da Inglaterra em seu governo? Coitado, nem que pudesse, ele não teria a força, a sabedoria e o amor de seu povo que Elizabeth II recebe.

Emmanuelle Macron, o presidente da França, segundo o capitão se intromete nos assuntos internos e na soberania brasileira porque sua mulher é feia! Isso já seria o cúmulo, mas tem pior: esse tipo de grosseria é contagioso e ontem o seu ministro da Fazenda repetiu a gracinha do chefe, tendo recebido da plateia que ouvia sua palestra em Fortaleza, muitas palmas e risadas.

Mas Bolsonaro não se conforma com desaforos que não prejudiquem o Brasil. É pouco. Por isso, dispensou a caneta BIC que usou para se exibir como homem modesto. Imaginem se a França resolvesse fechar a fábrica da BIC em Manaus, o horror que isso seria para aquele estado!

Michelle Bachelet, como Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas, disse que se preocupava com a “diminuição do espaço cívico e democrático” no Brasil. Ela observou o aumento expressivo no número de mortes cometidas pela polícia no Rio de Janeiro e em São Paulo, principalmente contra negros e moradores de favelas. Mentiu? Ou disse somente a verdade que nós, brasileiros, testemunhamos diariamente?

O capitão se queimou, achou um desaforo essa vergonha ser revelada e resolveu que uma boa resposta seria elogiar o bárbaro regime Pìnochet e ainda acrescentar que o pai da ex-presidente, que morreu torturado num presídio, era um comunista cujo grupo só não conseguiu transformar o Chile numa outra Cuba graças aos militares de Augusto Pinochet!

Com Angela Merkel, Jair Bolsonaro foi ao auge da burrice: foi ignorante ao dizer que ela que pegasse o dinheiro que costumava enviar para o Brasil cuidar da floresta amazônica e tratasse de reflorestar a Alemanha! Resultado, o dinheiro vai nos fazer muita falta, pois estamos falidos. E não vai reflorestar o país que já tem algumas das mais lindas e viçosas florestas europeias! Outra canelada inútil!

O que Bolsonaro vai conseguir com esse tipo de comportamento? Uma coisa já conseguiu: o Brasil está sendo visto como um país sem classe, grosseiro, que trata mal as mulheres.

Como nem todos os turistas desprezam as mulheres, é possível que o turismo vá sofrer ou uma grande queda ou uma baixa em qualidade.

Sabemos que o capitão não vai se calar tão cedo, pois que além de machista é teimoso. Mas o que mais virá por aí, não sabemos.

Nem ele, posto que não pensa, fala.

Prova de lealdade

Para além da grosseria, o comentário do ministro da Economia Paulo Guedes sobre a primeira-dama francesa Brigite Macron revela um dos lados mais perversos do governo, a necessidade de prestar vassalagem a Bolsonaro.

Demonstrações de lealdade, no entendimento do presidente e sua família, requerem ações públicas de concordância. Auxiliares que tentam contemporizar são considerados desleais, marginalizados ou demitidos.

As Forças Armadas, principalmente o Exército, de onde é oriundo, viram na ascensão política de Bolsonaro a chance de retornar ao poder num governo democrático. A nomeação de cerca de 130 militares, sendo sete ministros de Estado, deu a impressão de que tutelariam Bolsonaro.

Aconteceu o contrário, Bolsonaro os enquadrou. A obediência à hierarquia e a suposta habilidade política de Bolsonaro, numa carreira de 28 anos no Congresso que o levou à Presidência da República, fizeram dele um parâmetro de comportamento.

As decisões políticas não são divididas com assessores, mesmo os fardados mais próximos, como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que parecia credenciado a ser uma espécie de conselheiro: “Quem entende de política aqui sou eu”.

O general Santos Cruz, amigo de Bolsonaro há 40 anos, foi demitido quando se revelava um importante interlocutor de políticos e empresários na Secretaria de Governo. Caiu na desgraça com Carlos Bolsonaro, o internauta da família, e do ideólogo Olavo de Carvalho, que xingou o general pelo twitter.

Era o mais ponderado dos assessores. Foi substituído pelo general Luiz Eduardo Ramos, comandante do Sudeste, outro amigo de Bolsonaro. Homem do diálogo, tinha boa relação com o PT e o PSOL em São Paulo. No governo, já sentiu o peso do veto presidencial.

O jornalista Paulo Fona, convidado para secretário de imprensa por Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação, e pelo próprio general Ramos, foi vetado por Bolsonaro. Não gostou de ter no Palácio do Planalto um profissional que já trabalhara para PSDB, PSB, PMDB e DEM.

A demissão de outro ministro da Secretaria de Governo, Gustavo Bebianno, deveu-se a intrigas familiares sobre uma audiência que daria ao vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo em Brasília.

Tanto Bebianno quanto Santos Cruz envolveram-se em uma disputa de WhattsApp com Carlos Bolsonaro, com direito, no caso de Santos Cruz, a uma mensagem forjada em que o então ministro falaria mal de Bolsonaro.

O ministro-chefe do GSI, general Heleno, aderiu à diplomacia bolsonariana e resolveu apoiar o ataque ao presidente francês Emmanuel Macron: "Ele é um moleque”.

Anteriormente, havia tido um assomo público ao criticar Lula para defender Bolsonaro. Pediu a prisão perpétua para um presidente ladrão. Com direito a soco na mesa do café da manhã na frente de diversos jornalistas.

Ao rejeitar a discussão sobre as queimadas na Amazônia nos termos em que Macron colocou, dando mais peso à bravata sobre a internacionalização da região, Bolsonaro apertou o botão do nacionalismo, muito caro aos militares.

O general Villas Boas, talvez a maior liderança militar hoje, usualmente ponderado, fez um pronunciamento exaltado, repelindo o que chamou de “ataques diretos à soberania brasileira, que inclui, objetivamente, ameaças de emprego do poder militar”.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu sua demonstração de lealdade chamando Macron de “um calhorda oportunista”.

Outra vítima dessa necessidade de acatar ordens foi o secretário de Cultura, Henrique Medeiros Pires, que pediu demissão por não concordar com a decisão de Bolsonaro, acatada pelo ministro Osmar Terra, de filtrar politicamente os financiamentos de projetos culturais.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia dado demonstração de lealdade cabal ao demitir o presidente do BNDES, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que se recusara a tirar o diretor de Mercado de Capitais do BNDES, Marcos Barbosa Pinto. Os dois trabalharam nos governos Lula e Dilma, o que é inaceitável para os Bolsonaro.

Para o BNDES, Guedes nomeou um amigo de infância de Flavio e Eduardo Bolsonaro, o economista Gustavo Montezano, que já deu demonstração de lealdade cometendo uma ilegalidade, tornando públicos contratos de empréstimos para compras de jatos particulares, como se fosse um crime.

Pátria amada, Brasil!


Bolsonaro age como ditador e pensa(?) que pode blindar o filho Flávio e o assessor Queiroz

O presidente Jair Bolsonaro tem um comportamento bipolar à frente do governo. Ao mesmo tempo em que se omite sobre os principais temas da gestão, dizendo que as soluções cabem exclusivamente aos ministros, que serão substituídos caso não deem certo, o chefe do governo agora passou a interferir nas nomeações das autoridades que lidam diretamente no combate ao crimes de corrupção.

Antes de assumir, quanto tudo ainda eram flores, Bolsonaro tinha postura diferente e determinou que passasse para o Ministério da Justiça (leia-se: Sérgio Moro) a gestão do mais importante órgão público para identificar casos de lavagem de dinheiro – o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que até então era gerido pelo Ministério da Fazenda.

Como diria Vinicius de Moraes, de repente, não mais que de repente, as coisas mudaram. O ministro Sérgio Moro foi perdendo a autonomia, o governo deixou para segundo plano o combate à corrupção, o pacote de medidas anticrime passou a caminhar vagorosamente no Congresso, que deu preferência à célere aprovação de uma esdrúxula Lei do Abuso de Autoridade.

E o presidente do Supremo, Dias Toffoli, entrou roubando a cena, ao criar um inquérito totalmente ilegal, destinado a interromper investigações do Coaf sobre autoridade com movimentações financeiras atípicas ou inconsistências nas declarações de renda e bens, como o próprio Toffoli, seu companheiro Gilmar Mendes e as respectivas mulheres.

Com a entusiástica conivência de Bolsonaro, o Coaf voltou a ser gerido pela área econômica, mudou de nome e qualquer pessoa agora pode participar do Conselho, por indicação política, os auditores fiscais não têm mais exclusividade funcional.

Além disso, o solícito e criativo Toffoli deu um jeito de interromper centenas de investigações do Coaf, da Receita e do Banco Central, e “blindou” expressamente o senador Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, fazendo o presidente da República vibrar: “Toffoli é nosso!” – proclamou Bolsonaro.

Simultaneamente, chefe do governo começou a intervir pessoalmente para demitir o diretor da Polícia Federal e o superintendente no Rio, disposto a completar a blindagem, e vai também nomear um procurador-geral da República esculpido sob medida, digamos assim.

Em tradução simultânea, fica claro que Bolsonaro pensa (?) que, ao mudar os técnicos, pode alterar as regras do jogo. Em seu delírio de poder, não percebe que as coisas não funcionam assim, ninguém jamais conseguirá imobilizar auditores, juízes, procuradores e policiais em regime de plena democracia.

Qualidade e quantidade

Meteu-se um mono a falar numa roda de sábios e tais asneiras disse que foi corrido a pontapés.

– Quê? Exclamou ele. Enxotam-me daqui? Negam-me talento? Pois hei de provar que sou um grande figurão e vocês não passam duns idiotas.

Enterrou o chapéu na cabeça e dirigiu-se à praça pública onde se apinhava copiosa multidão de beócios. Lá trepou em cima duma pipa e pôs-se a declamar.


Disse asneiras como nunca, tolices de duas arrobas, besteiras de dar com um pau. Mas como gesticulava e berrava furiosamente, o povo em delírio o aplaudiu com palmas e vivas – e acabou carregando-o em triunfo.

– Viram? – resmungou ele ao passar ao pé dos sábios. Reconheceram a minha força? Respondam-me agora: que vale a opinião de vocês diante desta vitória popular?

Um dos sábios retrucou serenamente:

- A opinião da qualidade despreza a opinião da quantidade.
Monteiro Lobato

Bolsonaro se recusa a olhar para o futuro do país

Ninguém pode dizer que Jair Bolsonaro é incapaz de criar fatos. Desde que começou seu governo, ele já falou dos mais diversos e inusitados assuntos, mexeu em políticas públicas e instituições até então estáveis, brigou com atores políticos nacionais e internacionais, em suma, o presidente dá a impressão que está fazendo uma enorme transformação. Enquanto isso, a mídia e os analistas procuram saber como o povo está reagindo a esta tempestade. Mas talvez seja importante ir além do dia a dia e perguntar: de que maneira Bolsonaro trata o futuro do país?

O debate político tem se concentrado principalmente nas consequências imediatas dos atos e palavras do presidente. É evidente que a discussão sobre a conjuntura é importante. O entendimento do país passa pelo acompanhamento de temas como o andamento da reforma da Previdência, a escolha do novo procurador-geral da República, a indicação do filho do presidente - o zero três - para a embaixada brasileira nos Estados Unidos ou a briga com o presidente Macron.

Só que uma boa análise política é aquela capaz de fazer a ponte entre o presente e o futuro. No campo do embate político, obviamente que Bolsonaro já está pensando em sua reeleição. Suas pancadas em Doria e Huck, num tom que só era usado contra o PT, revela que o presidente pretende queimar todas as candidaturas que venham do centro ou da centro-direita. Quer continuar como o paladino antipetista que permitiu sua eleição em 2018, mantendo a polarização como a lógica do sistema político.

Mas a leitura das tendências futuras da competição política deve ir além de nomes e brigas. O que será a agenda da reeleição de Bolsonaro? O que pretendem trazer de novo os candidatos que lutam para reorganizar o centro? E as esquerdas, que programas irão apresentar no cenário do pós-lulismo?


Sabe-se pouco ainda sobre os projetos e ideias para 2022. No entanto, já é possível analisar os possíveis efeitos das políticas públicas de Bolsonaro para o futuro do país. No plano econômico, seu governo é, em boa medida, continuidade da gestão de Temer na Presidência, tendo como foco principal o ajuste fiscal e a reforma da Previdência, uma medida necessária para que nossos filhos e netos tenham esse benefício.

Não há, contudo, uma agenda clara para recuperar o crescimento da economia. Muitas ideias aparecem, projetos são propostos, outros são cancelados ou desmentidos, e, ao final, ainda há muitas dúvidas sobre o que o bolsonarismo pretende fazer para mudar o estágio de estagnação econômica que tomou conta do Brasil desde a era Dilma. A ideia da carteira verde e amarela, bem como outras medidas de reformulação trabalhista, não apresentam com clareza qual será a fórmula para retirar mais de 11 milhões de pessoas do desemprego, afora a enorme massa de trabalhadores informais.

É muito cedo ainda para prever os caminhos econômicos do país nos próximos quatro anos. A recuperação tem sido lenta e difícil e a aposta ultraliberal do governo é uma incógnita, pois nunca foi testada na nossa história recente. Duas possibilidades se colocam na disputa ideológica. De um lado, os que acreditam que o aumento da liberdade econômica das empresas e a redução da intervenção estatal vão gerar um novo ciclo de prosperidade. De outro, perfilam-se aqueles cuja visão é a de que Bolsonaro tem como projeto a criação de um modelo econômico selvagem, num estilo "Mad Max". Provavelmente a verdade está em algum ponto entre essas duas visões, embora não se saiba em que ponto entre ambos ficaremos.

Maior certeza há sobre os efeitos de outras políticas bolsonaristas para o futuro do país. O seu projeto para a educação tem significado um atraso em uma série de reformas que vem sendo defendidas pelos especialistas da área nos últimos anos. Em lugar de acelerar mudanças na formação docente, na utilização dos instrumentos pedagógicos ou na cooperação federativa, o governo tem apoiado propostas que não se baseiam em evidências científicas ou em casos bem-sucedidos pelo mundo ou mesmo no Brasil. Pior do que isso, tem reduzido os recursos do setor sem apresentar medidas que aumentem efetivamente a eficiência e a qualidade do gasto educacional.

Quando se erra feio na educação, o custo para o futuro de um país é igual ou maior do que as grandes crises econômicas. Mesmo tendo ainda uma série de defeitos, a política educacional brasileira passou por uma verdadeira revolução nos últimos trinta anos em termos de expansão da rede, inclusão dos alunos e organização do sistema escolar. Recuperou-se mais de um século perdido de descaso das elites com o ensino, pois o antigo modelo de desenvolvimento, mesmo quando gerou aumento da riqueza, não o fez por meio da ampliação qualificada do ensino para todos.

Tendo esse diagnóstico como base, o que propõe a ministra Damares? Ela orientou que Conselhos Tutelares deixem de registrar como abandono escolar casos que podem ser caracterizados como "homeschooling". Esse é o primeiro passo para restringir o acesso ao ensino pelos mais pobres e perpetuar a ignorância. A consequência disso é que milhões de pessoas não terão qualificação para conseguir empregos, gerando um circulo vicioso de baixa produtividade e aumento da desigualdade.

O caminho para o abismo no futuro passa também pela visão anticientífica que alimenta o governo Bolsonaro. Por diversas vezes os dados e as evidências científicas foram ignorados em nome de um senso comum lastreado na ignorância de quem não entende do assunto. Essa postura obscurantista foi além do discurso: o enorme corte nos gastos com ciência e tecnologia irá cobrar um enorme preço ao longo dos próximos anos.

O Brasil tinha conseguido, após aumento do investimento e, sobretudo, muito esforço dos pesquisadores, entrar no primeiro time da produção científica mundial. O que está ocorrendo agora é um rápido desmonte dessa engrenagem bem-sucedida. Se continuarmos nesta toada, o país perderá todo o dinheiro investido por mais de uma década em talentosos cientistas. Haverá uma fuga de cérebros para o exterior e ficaremos com uma menor quantidade de capital humano no país. Em outras palavras, a política científica de Bolsonaro está semeando a perda do dinamismo do desenvolvimento no futuro.

Um futuro sombrio também nos espera mais adiante caso seja mantida a atual política ambiental. Ela ignora os dados científicos, baseia-se no enfraquecimento de órgãos e quadros técnicos e cria uma falsa dicotomia entre preservação e desenvolvimento. Mais do que isso, esse modelo bolsonarista está alimentando uma enorme crise ambiental na região amazônica. Em vez de ficar brigando com ONGs e governantes estrangeiros, o presidente deve buscar cooperação internacional para reafirmar nossa soberania.

Mas soberania para quê? Em última análise, nossa independência depende da capacidade de garantir um mundo melhor para nossos filhos e netos. E isso só será possível caso consigamos explorar de forma racional e sustentável os recursos naturais brasileiros, principalmente os da floresta amazônica. Propor o uso imediato do subsolo da região para obter minérios a qualquer custo, inclusive colocando em risco a vida dos indígenas, nos levará à perda de poder político no plano internacional, ao boicote de nossos produtos e à destruição da biodiversidade, algo muito mais importante do que exportar ferro para os outros se desenvolverem.

Outro legado negativo que o bolsonarismo está deixando para o nosso futuro é o do enfraquecimento da estabilidade institucional. Um bom exemplo disso é a bagunça criada em várias agências reguladoras, o que logo gerará um aumento da insegurança jurídica para os investimentos. O interessante é que esse processo está ocorrendo nas barbas de uma equipe econômica que, em tese, defende ideias liberais. Ou será que o ultraliberalismo de Paulo Guedes prescinde de controles regulatórios sobre a atividade econômica?

Os exemplos aqui expostos estão semeando um futuro pior para o país, embora não necessariamente sejam percebidos como as questões mais importantes no debate político conjuntural. Fica a pergunta: por que Bolsonaro toma tantas decisões que colocam em risco a vida das próximas gerações? Há várias explicações para esse fenômeno, mas uma coisa chama a atenção: uma parcela das escolhas erradas do presidente se deve ao fato de que ele está mais preocupado com o passado do que com o futuro.

Jair Bolsonaro está sempre olhando para o passado: glorifica o regime militar, procura comunistas em todos os cantos, critica continuamente o PT para manter viva a polarização que alimenta seu poder político, expõe seus ódios contra vários comportamentos morais contemporâneos. Ele não está muito preocupado com o futuro porque quer manter todos no passado, onde se sente seguro e confortável.

O problema é que o Brasil só sairá da enorme crise instalada no país desde 2013 caso seja capaz de formular claramente um projeto de futuro. O melhor presidente em 2022 seria aquele capaz de olhar para frente, algo que Bolsonaro se recusa a fazer, embora seus atos estejam criando perspectivas piores para nossos filhos e netos nos campos da educação, cultura, meio ambiente e instituições democráticas.

Um país com governo extremista, atrasado e mal educado

Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, o presidente da República celebra uma ditadura sanguinária responsável pela morte de milhares de pessoas e ataca a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, cujo pai foi torturado e morto por este mesmo regime ditatorial.

Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, o ministro da Economia decide copiar o presidente da República e insulta a primeira-dama da França para uma plateia que bate palmas e dá risadas.

Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, o ministro do Meio Ambiente concede entrevista para um youtuber canadense conhecido por suas posições supremacistas brancas.

Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, o prefeito de uma das maiores cidades manda recolher livros de histórias em quadrinhos porque há a imagem de um beijo gay e isso "seria impróprio".
Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, o governador do Estado mais importante manda retirar de apostilas a explicação do que é identidade de gênero.

Em um país com governantes extremistas, atrasados e mal educados, todos estes episódios ocorrem em apenas uma semana.

Pra frente, Brasil

O triunfo do poder pequeno

As eleições de 2018 confirmaram a vitória do poder pequeno, o que começou a ficar visível com as denúncias do mensalão, em 2004. O poder pequeno vem robustecendo-se e apoderando-se lentamente do poder do Estado nos últimos quase 20 anos. Uma novidade silenciosa, que nos torna politicamente ínfimos. Com ele, abriu-se o caminho para a ascensão política e a tomada do poder pelo pequeno homem do poder pequeno.

O pequeno protagonista do poder pequeno revela-se em sua notória incapacidade de usar as vestes apertadas do grande poder, o da pluralidade e da diversidade do que é consagrado pela Constituição. O pequeno homem do poder pequeno é o que briga todo o tempo com o poder do Estado porque pretende ajustá-lo à sua pequenez. Não sabe lidar com o tamanho próprio das instituições políticas e com os poderes da República, não os compreende.


Gente originária dos redutos do poder pequeno, que são os quartéis, as igrejas, os movimentos sociais, os grupos de pressão, os lobistas, as variantes do que o canadense Erving Goffmann definiu como instituições totais. As que respondem pela ressocialização redutiva e minimizante dos sujeitos, não raro com o explícito intuito de fazê-los instrumentos da sujeição do Estado às concepções e aos ditames do poder que representam. É o que estamos vivendo no Brasil neste momento: o triunfo do poder pequeno.

Esse poder começou a se constituir e a ter alguma eficácia nas contradições do regime militar de 1964. Com o enquadramento da limitada ação política no bipartidarismo: um partido do Brasil da ditadura contraposto a um partido residual do Brasil da democracia, que reunia até mesmo grupos populistas e fisiológicos, democráticos apenas por oposição.

O verdadeiro e invisível partido antiditatorial teve a existência e o perfil identificados e apontados, em 1980, pelo general Golbery do Couto e Silva, intelectual do regime, em conferência na Escola Superior de Guerra, no mesmo dia da primeira visita do papa João Paulo II ao Brasil. Justificou ele aos oficiais ali presentes as razões da abertura política gradual.

Reprimidos os partidos, a sociedade criara seus canais de expressão e contestação nos grupos e movimentos sociais antagônicos ao regime e no deslocamento da militância política para o abrigo de igrejas. Referia-se ele à conversão das demandas sociais em demandas políticas, sobretudo pela Igreja Católica. A abertura devolveria a política ao seu leito natural e anularia a função partidária que a igreja passara a desempenhar.

O general não explicou, e talvez nem soubesse, que já era tarde demais para essa providência. O regime derretera os partidos e propiciara uma espontânea ressocialização política da população, reduzida ao que estou aqui definindo como política do poder pequeno. Nos grupos e movimentos que proliferaram naquele período, tornou-se agente subterrâneo da política o pequeno homem, ou seja, a pessoa cujos horizontes eram o da vida comum, das necessidades e concepções da vida cotidiana, não raro da cozinha, da roça, da fábrica e da moradia. Aquelas para quem o controle do próprio fogão doméstico já era um poder. A vida cotidiana começava a revelar a força social e política de suas ocultações.

A grande política se tornava pequena. Tudo muito aquém dos marcos políticos da cultura erudita. Uma concepção abstrata de pobreza e da cultura popular tornou-se referência dessa redutiva reorientação da política brasileira. Tornamo-nos pobres de espírito, dotados de uma alienação peculiar, a do grande poder concebido na perspectiva do poder pequeno.

Com o discurso sobre o pobre veio uma compreensível ideologia do ressentimento contra as adversidades decorrentes da falta de liberdade política, que se estendeu ao questionamento da própria história brasileira. Como se viu nas manifestações contra as comemorações do quinto centenário do Brasil, na Bahia, em 2000. O passado vazio como idade de ouro de referência para compreensão e expressão de um generalizado sentimento de perda. Não o possível, o concreto amanhã prenunciado nas contradições de hoje.

Enquanto o pequeno poder esteve oculto nas dobras da sociedade, tudo parecia bem. Mas o efeito devastador de sua pequenez, nos gestos, nos discursos, nas ações, começou a mostrá-lo como o que é, aquém, incapaz e impatriota, redutivo e alienador. O pequeno poder do homem pequeno é o das "fake news", dos fake políticos, dos fake filósofos do poder. A autenticidade relativa do poder pequeno dos tempos iniciais metamorfoseou-se no inautêntico de homens pequenos de agora porque são um tanto vazios dos atributos de que carecem aqueles aos quais toca governar um país da importância histórica do nosso.
José de Souza Martins

Trégua?

No mais recente episódio do Brexit, o primeiro-ministro Boris Johnson sofreu derrota acachapante após a tentativa de fechar o parlamento britânico por cinco semanas, o que provavelmente resultaria no “no-deal Brexit”, ou a saída da Grã-Bretanha da União Europeia sem qualquer acordo, em outubro. Em 2016, pouco antes da votação do fatídico referendo, Nigel Farage, o engenheiro do Brexit e membro do partido nacionalista UKIP, afirmou que o Brexit seria a placa de Petri para a vitória de Trump nos Estados Unidos. Amigo de Steve Bannon, o homem que inventou o Movimento — o agrupamento de líderes e partidos populistas-nacionalistas —, Farage foi arroz de festa nas comemorações que seguiram a vitória de Trump. De lá para cá, Brexit e Trump têm sido vinculados à disseminação de uma ideologia de extrema-direita sustentada pelos pilares do nacionalismo, do conservadorismo retrógrado, de uma interpretação particular do que significa ser cristão no mundo moderno e diverso do século XXI, da supremacia racial, da negação das mudanças climáticas.


Comentei no artigo da semana passada que a linguagem usada por esses “novos” nacionalistas é muito parecida — não importa se estamos tratando do Brasil, da Turquia, dos EUA, da Hungria, da Itália. As lideranças desses países ou dos partidos da extrema-direita nacional-populista dizem mais ou menos as mesmas coisas sobre esses temas, usando às vezes as mesmas palavras. Pode ser que o repeteco seja falta de imaginação. Mas o mais provável é que as mensagens simples sobre assuntos complexos exerçam um hipnotismo entre camadas da população mais, digamos, vulneráveis. Essas camadas, que incluem as supostas elites em muitos casos — vejam o Brasil que elegeu Bolsonaro —, rejeitam as evidências científicas e aceitam as estultices que lhes são enfiadas goela abaixo pelas redes sociais e tribos às quais pensam pertencer. Para todos os que trabalham com fatos, o que acabo de escrever provoca tanto uma desilusão profunda quanto a intensa vontade de ocupar o vácuo deixado pelo anti-intelectualismo.

Nos últimos dias testemunhamos o cerco a Boris Johnson, a derrota de Matteo Salvini, a queda de popularidade de Jair Bolsonaro. Também vimos a guerra comercial entre os EUA e a China mostrar os primeiros efeitos sobre a indústria americana: pela primeira vez em três anos, o índice ISM, que mede o estado da indústria nos EUA, caiu abaixo dos 50 pontos. Quando isso acontece, normalmente é sinal de que uma recessão desponta no horizonte. Trump prometeu proteger a indústria nacional quando foi eleito em 2016 e trazer de volta empregos que haviam sido “roubados” pelos competidores internacionais. Eis que a notícia de que a indústria pode estar prestes a encolher não é nada boa para sua reeleição.

É demasiado cedo para saber se alguns desses sinais são indício de que o ciclo do nacionalismo populista pode se esgotar mais rapidamente do que se imaginava. Afinal, entre outros temas, vimos novamente a ascensão da extrema-direita alemã nas eleições regionais. A Índia está perseguindo muçulmanos na Caxemira e ameaçando retirar a cidadania dos que não professam o hinduísmo. A coalizão do 5 Estrelas de Beppe Grillo com os Democratas provavelmente se esfacelará. O Brexit, quem se arrisca? Foram tantas reviravoltas que é impossível saber se ao final teremos ou não ilha flutuante — e, é claro, penso na versão francesa do creme inglês. Por fim, Trump. Vencendo ou não as eleições, a verdade é que o construtor de muros transformou não apenas o Partido Republicano como também o Democrata. O grupo de candidatos à Presidência no campo dos democratas encolheu nas últimas semanas, o que não é surpresa. Contudo, difícil é encontrar um candidato ou candidata com posições mais próximas do que costumava ser o centro político americano. Alguns, como Bernie Sanders, não têm qualquer inibição em mostrar seu lado populista com viés nacionalista. Ele é contra o livre-comércio, ele é a favor de políticas que ponham os EUA em primeiro lugar — o America First —, ele defende que os empregos devam retornar para os EUA e que se danem as cadeias de valor. Elizabeth Warren é a versão tímida de Bernie Sanders. Não fala em America First, mas em planos para a prosperidade. Contudo, seus planos econômicos são muito parecidos com os de Trump. Joe Biden e Kamala Harris são mais “moderados”, mas flertam ou defendem a ideia de transformar o sistema de saúde de modo radical e fiscalmente insustentável. É claro que todos esses candidatos têm uma visão mais humana e esclarecida sobre outras questões fundamentais, como o clima, os imigrantes, o segregacionismo racial e por aí vai. Mas o ponto é que, ao menos na área econômica, Trump implodiu o centro para valer.

Que dure ao menos um pouquinho a trégua. Afinal, o que virá depois do ciclo nacionalista de extrema-direita em nada se parecerá com o mundo que muitos de nós vimos surgir após a queda do Muro de Berlim.
Monica de Bolle 

Voz armada

Além de reerguer moral e economicamente o país, o novo presidente precisaria pacificar o Brasil. Mas Bolsonaro parece desperdiçar a sua hora. Deveria fornecer trabalho e resultados. Preferiu industrializar a raiva. O governo seria outro se o presidente retirasse a raiva do pudim
Josias de Souza

O que os ingleses têm que nós não temos?

Amo o Rio de Janeiro. E Salvador e São Paulo. O Brasil inteiro. Por isso, estou com o coração partido e a alma dolorida, por minhas filhas, netos, bisneto, sobrinhos, minha mulher, meus colegas. Por todos os amigos e desconhecidos, e até por quem não gosta de mim. Me sinto quase culpado por estar feliz em Londres, às minhas custas, enquanto os brasileiros sofrem e lutam para sobreviver à insanidade que, como uma maldição, nos devasta corpo, alma e esperanças desde 2014.


Na Inglaterra, a tradição e o passado se harmonizam com o mundo moderno e as vanguardas tecnológicas, científicas e artísticas. Somos muito mais ricos em território, recursos naturais, quase tudo. O que os ingleses têm que nós não temos, além da história? Será a água? O álcool? Sim, eles também têm políticos sinistros, ladrões, corruptos, embora em menor número e voracidade. Mas ao menos não são toscos, grosseiros, intolerantes e ignorantes.

Conservadores são tão respeitados como socialistas. Falando em socialistas, hoje o Imposto de Renda para quem ganha mais de 200 mil libras por ano (pouco mais de um milhão de reais ) é de 50%. E sem reclamar, porque o país passa por crise econômica e quer evitar uma recessão. Antes do governo Thatcher, que reduziu os impostos, com os trabalhistas no poder chegou a 90% da renda além de um certo limite.

No Brasil o atraso e a ganância não têm ideologia. Nem classe social ou escolaridade.

Na Inglaterra, os 10% mais ricos têm renda 13 vezes maior do que os 10% mais pobres, mas no Brasil a diferença é de 40 vezes. Alguém tem que pagar pelo melhor sistema de saúde pública da Europa, pelo sistema de educação e cultura que produz mão de obra qualificada e cidadãos civilizados que convivem e discordam na maior democracia europeia, mesmo sendo uma monarquia.

Sairia muito mais barato bancar uma família real do que uma república imperial à brasileira.

Nelson Motta