segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Cumplicidade dos militares estimula Bolsonaro a esticar a corda

E se restar comprovado que Jair Bolsonaro escreveu a mensagem repassada por WhatsApp para um grupo de ministros em que fala sobre a necessidade de um “contragolpe” e convoca apoiadores a se manifestarem no dia 7 de setembro com o objetivo de mostrar que ele e as Forças Armadas têm apoio para uma ruptura institucional?

Seria o caso de abertura imediata de um processo de impeachment, algo que só debaixo de pau e pedra poderia ser arrancado do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). A quem o procurou na semana passada, Lira disse que, enquanto tiver 11 bilhões do Orçamento para administrar, não mudará de posição.

O mais provável é que Bolsonaro negue a autoria da mensagem. No máximo, dirá que a repassou como costuma fazer com as que chamam particularmente sua atenção. O fato não deixará de ser menos grave por isso. E se somará a dezenas de outros que indicam sua opção de agir fora das quatro linhas da Constituição.


Para tanto, sente-se autorizado pela cumplicidade escandalosa dos seus ex-companheiros de farda. Eles não só o ajudaram a se eleger presidente como fazem parte do governo, compartilham muitas de suas ideias e não querem em hipótese alguma a volta de um presidente de esquerda ou de algo parecido com isso.

Invocam o que está escrito na Constituição para justificar sua obediência irrestrita às ordens do supremo comandante das Forças Armadas, embora possam discordar de uma ou de outra. Por eles, por exemplo, não haveria espaço no governo para o Centrão. Mas se convenceram que sem o Centrão é impossível governar.

Ressentem-se da saída do governo do ex-juiz Sérgio Moro, a quem honraram com todo tipo de comenda. No primeiro momento, tentaram convencê-lo a ficar. Desde então dizem que Moro não foi capaz de lidar com Bolsonaro e de entender que a Polícia Federal não é só um instrumento de Estado, mas também de governo.

O alinhamento dos militares com o presidente é completo quando se trata do Supremo Tribunal Federal. Eles veem o Supremo como um covil de ministros de esquerda que interpretam as leis de acordo com suas inclinações e que estão empenhados em derrubar o governo. De resto, acham que a Constituição deveria ser revista.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, já foi mais bem visto entre seus colegas. Muitas de suas atitudes são alvos de críticas duras, sendo a mais recente a que causou indignação – o encontro sigiloso de Mourão com o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Disso aproveitou-se Bolsonaro para martelar ao ouvido deles que Mourão conspira para assumir o seu lugar. Pobre Mourão! Um dos motivos para que não haja impeachment é porque à oposição também não interessa trocar Bolsonaro por ele. E se o general fosse candidato à reeleição? É um direito que teria.

Bolsonaro quer ver seus seguidores nas ruas no dia 7 de setembro para dar a impressão de que o desfile militar foi realizado também em seu apoio. Seu discurso alimenta-se de mentiras. Na semana passada, ele acenou para ruas vazias em Juazeiro do Norte, no Ceará, e foi recebido com gritos de “genocida”.

Nada que uma boa edição de imagens não possa resolver depois.

Os tanques do nosso desencanto

O tema da semana para mim foi o relatório do IPCC sobre aquecimento global. Desde 2005, quando houve a conferência de Gleneagles, na Escócia, aprendi que o momento em que chegaríamos a uma situação irreversível seria quando as grandes correntes marinhas fossem afetadas. Parece que chegamos lá.

Como discutir isso num país em que Bolsonaro é presidente? O tamanho do adversário nos entristece porque acaba rebaixando nossas possibilidades.

No momento em que soava o alarme do IPCC para a humanidade, e para o Brasil, uma vez que ainda somos parte dela, o país estava galvanizado por um desfile de artefatos fumegantes na Esplanada dos Ministérios.

Não há o que dizer numa república bananeira quando o presidente decide promover um desfile de tanques de guerra para pressionar o Congresso. Isso é Bolsonaro.



As Forças Armadas, no entanto, me preocupam. Elas não são obtusas como muitos às vezes as descrevem. Há tecnologia moderna no ITA, livros sobre guerra moderna são produzidos por oficiais, e até reflexões sobre direitos humanos e a Convenção de Genebra.

É verdade que o Brasil não tem muita experiência real de guerra, e isso tende, segundo alguns, a uma acomodação burocrática. Vá lá, mas ainda assim a burocracia não pode escapar de uma certa racionalidade.

Como explicar um desfile de tanques para entregar um convite ao presidente? É algo que poderia ser feito por e-mail, telegrama, ofício ou mesmo por uma pequena comissão.

Posso até admitir que usem um tanque para chegar a uma cachoeira de difícil acesso. É contra o regulamento, mas não tão absurdo.

E para que toda aquela fumaceira? Não estaria dando uma falsa ideia da precariedade de nossos equipamentos? São melhores do que pareceram naquela manhã do dia 10 de agosto.

Comecei até a duvidar da racionalidade dessa Operação Formosa, que custou em torno de R$ 5 milhões. Em que cenário de guerra a Marinha desembarcaria esses calhambeques? Na Normandia, na Baía dos Porcos, ou seriam um reforço tardio na caça ao Lázaro Barbosa, que morreu numa operação policial em Goiás?

No fundo, fico pensando, será que esses almirantes, brigadeiros e generais têm realmente ideia do que é uma guerra moderna?

Se tivessem, dariam mais valor à informação e a seus aspectos psicológicos? Interessa mostrar ao mundo um deslocamento de tanques para entregar convites, assim como o descaso de escolher essa fumaceira para exibir às câmeras?

Suponhamos que Bolsonaro tenha transformado as Forças Armadas num tipo de milícia que ignora o mundo e está unicamente preocupada em impressionar os moradores desarmados. Ainda assim, a milícia, composta de policiais aposentados e da ativa, embora não tenha as melhores armas, sabe que o ridículo a enfraquece.

Vimos fotos de tanques na Segunda Guerra, na ocupação da Praça da Praça Celestial, na invasão soviética da antiga Tchecoslováquia. Pessoalmente, estive perigosamente perto dos tanques sérvios cobrindo a independência da Croácia.

Tanques fumegantes, no entanto, sempre dão a ideia de que foram atingidos por um projétil e estão saindo de combate. Os nossos são de fabricação austríaca, e o projétil que os atingiu não é propriamente físico, mas sim a indigência mental bolsonarista que capturou parte do comando militar.

Amigos que foram ministros da Defesa e alguns generais que respeito continuam dizendo que as Forças Armadas não embarcam numa aventura golpista.

Duvidei quando resolveram não punir Pazuello por participar de um comício político. Sei que vão explicar um dia, daqui a cem anos. Temo não estar vivo para conhecer a história.

Temo mais ainda ter de prolongar essa discussão numa prisão militar e ouvir o argumento de que as Forças Armadas são democráticas e nos encarceram apenas para nos proteger de Bolsonaro.

Mais ou menos cadeia a esta altura da vida é irrelevante. O que dói é acreditar que construímos um país vulnerável. Não há defesa nacional com a estupidez no comando.
Fernando Gabeira