A história recente depende tanto dos jornalistas, que relatam a primeira versão dos fatos, quanto dos historiadores, que os analisam, e os documentos de época, para daí contar a história do Brasil. Com frequência os fatos passados nos ensinam como, de acordo com a ação do presente, o futuro poderia ser diferente.
É o caso da tentativa de golpe deflagrada pelos seguidores do ex-presidente Bolsonaro em janeiro deste ano, com o objetivo de impedir que Lula pudesse assumir seu terceiro mandato presidencial. Na comparação histórica, a atuação do General Teixeira Lott, comandante do Exército, na reação à tentativa de impedir que Juscelino Kubitschek, vitorioso na eleição presidencial de outubro de 1955, assumisse a presidência da República, pode ser confrontada com os fatos ocorridos em janeiro deste ano.
Para tanto, o jornalista Pedro Rogério Moreira, membro da Academia de Letras de Minas Gerais, está lançando um livro intitulado “Lott, a espada democrática, & outros escritos pacifistas”, com base em uma longa conversa que teve em 1977 com o General Henrique Teixeira Lott em seu apartamento em Copacabana, complementada por outras, no sítio do General em Teresópolis.
A atuação de militares do entorno de Bolsonaro ainda nos surpreende, passados meses da tentativa de golpe. Vídeos divulgados recentemente provocaram a demissão do General GDias, nomeado por Lula ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que se mostrou completamente inepto para enfrentar a crise, numa atuação que a oposição pretende atribuir a uma adesão tácita ao golpe.
Dezenas de militares que trabalhavam no GSI sob as ordens do General Augusto Heleno ainda estavam em atividade, e foram demitidos depois que os vídeos demonstraram que aderiram aos revoltosos e se recusaram a combatê-los. Uma CPI mista está para começar a revolver esses fatos, com perspectiva de crise política à frente.
A justificativa na época de JK era tão implausível quanto a alegada por Bolsonaro hoje, de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis. Na época, tirou-se da manga da farda dos revoltosos uma carta que já não funcionara anteriormente em 1950, quando Getúlio fora eleito: a obrigatoriedade de maioria absoluta para vencer a eleição, o que não era exigido pela Constituição.
Pedro Rogério diz que decidiu retomar o tema, que mantinha inédito até então, quando assistiu à tentativa de golpe em janeiro deste ano. Diz ele: “ No dia 11 de novembro de 1955, um pequeno grupo de políticos e militares inconformados com a eleição de Juscelino Kubitschek intentou um golpe para impedir sua posse na presidência da República. Alegavam que JK não alcançara a maioria absoluta de votos (que a lei eleitoral não exigia)”.
“O Exército, legalista, reagiu em armas na defesa do eleito. JK foi empossado. O líder dos legalistas foi um general chamado Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott. Este livro é um recorte da vida do notável soldado que batia continência exclusivamente para a pátria e para o poder civil”.
“O ideal civilista de Lott esteve presente no dia 8 de janeiro de 2023, quando os três poderes da República repeliram prontamente a violenta tentativa golpista envenenada por uma fake news semelhante à de 1955, a inverídica fragilidade da urna eletrônica. Os golpistas de outrora, civilizados, foram se refugiar num cruzador rebelde da Marinha. Os golpistas de 2023, criminosos, tiveram refúgio num acampamento militarizado de Brasília”.
A história mostra que JK governou sob ameaça de golpes, o primeiro na cidade paraense de Jacareacanga, em 1956. Três anos depois, em 1959, houve a revolta de Aragarças. Derrotados pelas forças legalistas, os sediciosos de ambas ocasiões foram anistiados por Juscelino. O golpe militar de 1964 foi uma consequência dessa série de embates entre militares golpistas e legalistas. É uma lição da história que os golpistas de hoje precisam ser punidos exemplarmente, inclusive o ex-presidente Bolsonaro, o mentor.
É como aquela doença que custa a ir embora e às vezes vai, mas fica sempre o vírus no ar. É isso. O fascismo é um vírus que não desaparece. Nós o evitamos com os cuidados a serem tomados e as vacinas existentes. A melhor de todas é a Democracia, com seu antídoto e elementos que evitam o mal maior. Você não fica curado, mas pode viver a vida toda com sustos previstos que te obrigam a estar alerta.
É assim que estamos tentando reconstruir um país, entrar na rota do crescimento novamente, eliminar a fome e outras situações vergonhosas e exercer o direito à cidadania que nos foi roubado faz um tempo.
Os fascistas não desistem. Dependendo da competência deles podem ser mais perigosos. Ainda não conseguimos classificar os nossos. Demonstram incompetência próxima ao cômico, mas ao mesmo tempo usam e fazem propaganda das armas, matam, agridem, ofendem e abusam das redes sociais. Continuam nos ameaçando com mentiras e com a total ignorância dos fatos e da realidade. Não querem saber e como bom gado que são só escutam o patrão. Bolsonaro bate direto no desejo deles com aquela ignorância, rudeza e violência peculiares. Roubam, se apoderam, desvirtuam com tamanha desfaçatez para satisfazer essa parcela do eleitorado que se formou na ignorância, na falta de civilidade e de humanismo. São pessoas duras, sem sensibilidade e sem projetos coletivos. Vivem a vida sem propósito maior que pisar no próximo para tentar subir um pouco mais nessa escada ilusória da classe média fascista. Eles formam a base de apoio não político, mas prático de uma ideologia da violência. Mal sabem eles que não serão nunca beneficiários de um eventual sucesso no poder.
O fascismo beneficia uma casta pequena e comandante da economia de mercado que não necessita da ajuda da classe média para sobreviver. Vive da especulação de um dinheiro que, aí sim, a classe média ajuda e contribui, mas não vê retino, ou melhor não tem cashback, para usar um termo que eles adoram.
A democracia é inimiga desde que os eleja. Eles usam, abusam, exigem que a democracia funcione para que eles tomem o poder. Criticaram a manobra parlamentar que o Senador Randolfe usou para aumentar a participação do governo na CPMI. Ora, ora, o que eles queriam? Colocar os próprios investigados para investigar. É assim que eles agem. Usam as prerrogativas democráticas para desvirtuar e ao tomar o poder acabar com ela. Já vivemos isso na tentativa de implantação do governo Bolsonaro, na eleição democrática ameaçada e na tentativa de golpe. O fascismo é esse vírus. Está ali na virada da curva espreitando. Assim como nos vacinamos contra a Covid vamos atualizar a vacina da democracia como único método eficaz de evitar essa doença.
As populações indígenas, desde os anos 1960, têm tido uma presença crescente e diversificada na atenção dos brasileiros. À medida que se disseminou sua tragédia, a do contato com a barbárie dos falsos representantes da civilização, tornaram-se crescentemente conhecidos e cada vez mais admirados e respeitados. Os indígenas brasileiros estão anexando o Brasil à pluralidade do mundo civilizado.
Tribos desconhecidas foram descobertas e tiveram seu primeiro encontro com o homem branco. Não raro trágico. Justamente em dias passados, ao redor do Dia do Indígena, a “Folha de S. Paulo” publicou extensa matéria de Leão Serva e de Rogério Assis sobre o encontro, em 1973, dos agentes da Funai - Fundação Nacional do Índio, com os krenhakarore, na Serra do Cachimbo, na região da divisa do Mato Grosso com o Pará. Um encontro emblemático do desencontro e do desrespeito pelos nativos.
Descobriu-se que os krenhakarore, que a mídia popularizara como índios gigantes, chamavam-se Panará. Lembro-me do dia, naquele ano, em que um jornal publicou uma fotografia em preto e branco de um jovem lindíssimo, meio escondido na mata, olhando para os brancos que se aproximavam. A saga da aproximação e da iminência do encontro fora noticiada seguidamente.
Na verdade já estava começando o inferno dos Panará, que se estenderia pelos seguintes 25 anos. Todas as maldades e brutalidades que brancos têm sido capazes de cometer contra as populações indígenas os vitimaram. Começou com a gripe e a pneumonia. Depois, a fome decorrente da invasão do território, a mendicância à beira da estrada por um bocado de comida, a prostituição.
Foi tantíssima a desgraça branca que sobre eles se abateu, que seus inimigos tradicionais, os txukahamãi, os receberam e abrigaram no Xingu. E foi tanta a proteção que lhes deram, que os anularam. Teve a Funai de removê-los para uma área de seu território ancestral onde pudessem voltar a ser eles mesmos.
Um dos aspectos mais significativos desse acontecimento foi a descoberta, pelos indígenas, de que eles próprios não são seus inimigos. Inimigo é quem os priva do território ancestral e os priva de si mesmos.
Por esse tempo, quando eu fazia pesquisa em Rondônia, houve o encontro dos brancos com os suruí, que na verdade se denominam Paíter, gente. O cacique à frente de um assustado grupo dos seus aproximou-se, levantou uma das mãos para os recém-chegados e saudou-os: “Branco, eu te amanso”.
Diferentemente de uma concepção autoindulgente do branco sobre seu encontro com o indígena, no Brasil existe uma interpretação indígena do contato, em que o branco é bicho e o índio é gente. Aracy Lopes da Silva, da USP, grande estudiosa dos xavante, do Mato Grosso, lembra da dificuldade que eles tiveram para classificar os brancos entre os animais do mundo. E concluíram que pertencem à família das onças, um animal predador, que mata, come um pedaço da caça e abandona o resto.
Não é casual que os Parkatejê, do Pará, na época uma tribo em estado terminal, tenham pedido à antropóloga Iara Ferraz, que foi viver com eles, para estudá-los, que lhes explicasse como funciona a cabeça do branco e assumiram seu destino.
Antropólogos das universidades brasileiras dessa época inverteram a perspectiva antropológica, deixando-se estudar pelos indígenas para que preparassem o grande evento de sua história. Dominar os códigos e a mentalidade do branco e se propor para valer à sociedade branca como protagonistas, senhores de cultura e sujeitos da história.
Estamos vendo agora os frutos desse decisivo movimento para civilizar os brancos, o que os torna completamente diferentes de quase todas as demais minorias que vêm afirmando em sua identidade a proposta de uma sociedade brasileira da diversidade. Um outro Brasil.
Na composição do governo democrático que foi eleito em 2022 e tomou posse no dia 1º de janeiro, pela primeira vez na história do país, indígenas assumiram ministérios e secretarias.
Joenia Wapichana, de Roraima, tornou-se deputada federal. Fez há alguns anos um discurso em sua língua no STF em defesa dos direitos territoriais de seu povo. Txai Suruí, de Rondônia, é poeta e articulista da “Folha de S. Paulo”. O xamã Davi Kopenawa, Yanomami, é escritor, autor de um best-seller, “A queda do céu”. Escritores, também, são vários outros indígenas, como Daniel Munduruku e Ailton Krenak.
Diversamente do que aconteceu com os poetas negros, como mostrou o sociólogo Roger Bastide, da USP, que fizeram excelente poesia de branco, as necessidades expressionais dos indígenas estão se manifestando como poética e visão de mundo indígenas, pluralidade do Brasil, negação e superação da tirania do único.
A sabedoria popular ensina que suicídio anunciado não se consuma. Quem pretende matar-se ou se mata ou se arrepende, mas não anuncia. Há casos registrados no Brasil de pessoas que ameaçaram pular do alto de prédios, e como desistiram, acabaram vaiadas por multidões que aguardavam o desfecho.
Cearenses já vaiaram o sol quando ele apareceu em meio a nuvens carregadas de chuvas. Aconteceu em 30 de janeiro de 1942 na Praça do Ferreira, no centro de Fortaleza. O mundo estava em meio à 2ª Guerra Mundial, e o Nordeste esperava a passagem do Dia de São José, em 19 de março, para saber se o ano seria de seca ou não.
Era um tempo em que os mais velhos observavam os sinais da natureza para antecipar o que viria. Se o pau d’arco não florisse, o jabuti não pusesse ovos e o pássaro “joão-de-barro” fizesse sua casa com a porta virada para a nascente, com toda certeza seria mais um ano da seca que periodicamente flagelava a região desde a época do Império.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, preso há mais de 100 dias em um batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal, suspeito de envolvimento no golpe fracassado de 8 de janeiro último, arrisca-se a não ser mais levado a sério de tanto repetir para os que o visitam que irá se matar caso não seja solto. Vaiado não será.
Seu mais recente visitante foi o deputado federal de primeiro mandato Ubiratan Antunes Sanderson (PL-RS), um policial e presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara. Sanderson esteve com ele ontem à tarde, e à saída gravou um vídeo onde diz que a situação de Torres “é assustadora e muito triste”.
Segundo o deputado, o ex-ministro “está absolutamente abalado psicologicamente, não só por estar há mais de 3 meses preso, mas por estar sofrendo uma grande injustiça. Chorou todo o período em que estive com ele; nada tem a ver com o golpe, quer colaborar para que tudo seja esclarecido, e chegou a falar em suicídio”.
Nada impede Torres de colaborar com a justiça que investiga atos hostis à democracia como os de 8 de janeiro. Torres sabe exatamente o que fazer. Colecionador de pássaros, amante dos seus cantos, para ser solto basta que imite um dos seus canários: abra o bico e cante tudo o que sabe. O país lhe será grato.
Uma palavra abstrusa atravessa os tempos do ofício jornalístico: passaralho. Nada elegante, mas precisa na referência vulgar à instabilidade da profissão. Desde meio século até hoje, o novato ou o veterano das redações sabe que o voo dessa ave improvável significa demissão súbita e coletiva, por motivos os mais variados. É o que tem acontecido recentemente em grandes organizações de mídia.
Se antes era apenas a decisão arbitrária do mandachuva, agora é também um dos efeitos de transformação no modelo empresarial que acompanham mudanças profundas na prática da informação pública. Primeiro vale observar que os grandes veículos (impressos, televisivos e digitais) parecem ter-se convertido ao modelo CNN: excesso de informação, sem base interpretativa capaz de articular a dispersão dos eventos noticiáveis ao real-histórico.
Numa analogia, a metástase biológica, entendida como proliferação patológica das células no câncer, pode dar uma medida do fenômeno da desinformação: a metástase informativa é a fragmentação dos fatos pela multiplicação irrelevante da notícia. Na microinformação, notícia deixa de ser projeção verossímil de um fato em função de um impulso individual, que varia do gesto bem-humorado ao boato rancoroso. Senão o surto maquinal do robô, já entre nós, precarizando a mão humana.
Essa "qualquer coisa noticiável" não é o mesmo objeto-mercadoria que faz viver o jornalismo. A modernidade da imprensa caracteriza-se por uma noticiabilidade historicamente comprometida com a sociedade civil, isto é, com a organização liberal da produção e da política. Tornar transparentes decisões do Estado, inserir o diverso na ordem dos acontecimentos, debater contradições de classe, pressionar governos são imperativos do jornalismo, que constitui a outra face da moeda democrática.
Isso sempre se fez, bem ou mal. Nesta última trilha caminha o jornalismo capaz de vender mentiras, supondo ser esse o gosto de sua audiência. O império norte-americano de Rupert Murdoch é exemplo recente. E são bastante notórios os casos brasileiros, numa conjuntura em que políticos são eleitos e mantidos nos cargos exatamente porque são mentirosos. É outra realidade, paralela, instalada pelo devir artificial do mundo. As redes sociais são o nariz de um Pinóquio catastrófico.
Trevas digitais tentam apagar o jornalismo. O passaralho, agora também tecnológico, sobrevoa cabeças patronais. Para quem mídia é só um negócio a mais, talvez pouco importe. Jornalismo, porém, é algo maior do que isso. Irá para onde vai (se for) a vida democrática. É hora então de pesquisa e de inédita parceria séria com escolas para um compromisso com vivas formas de existência além das redes.