quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Pensamento do Dia

 


O tempo vale muito mais do que o dinheiro

Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.

Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.

O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele - a régua de arquitecto naval, os relógios - quando ele tinha tempo.

As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.

A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso no meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele. Uma noite, numa cabana no Canadá, confessou-me que o único filme de que gostava era «Um Peixe Chamado Wanda«. Todos os outros eram uma perda de tempo. Perdemos a noite inteira a falarmos e a rirmo-nos disso. Ainda hoje tem graça.
Miguel Esteves Cardoso

Guerra paga em dólar


Isto é guerra. Isto é combate. É feio e vai ser confuso, e civis inocentes serão feridos. Um cessar-fogo neste momento só beneficia o Hamas
John F. Kirby, porta-voz da Casa Branca

O homem, a guerra, o desastre e o infortúnio

Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego coletivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em ação. Da paz se diz que é podre, porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inatividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.

Imaginar o mundo pacificado em aceitação e contentamento consigo é apenas o mito que justifique a continuação da guerra. A paz é insuportável como a pasmaceira. Nas situações mais vulgares, nós vemos a imperiosa necessidade de desafiar, irritar, provocar, agredir, sem razão nenhuma que não seja a de agitar a quietude, destruir a estagnação, fazer surgir o risco, a aventura. É o que leva o jogador a jogar, mesmo que não necessite de ganhar, pelo puro prazer de saborear o poder perder para a hipótese de não perder e ganhar. A excelência de nós próprios só se entende se se afirmar sobre o que o não é.

Numa sociedade de ricaços ninguém era feliz. Seria então necessário que por qualquer coisa houvesse alguns felizes sobre a infelicidade dos outros. O homem é o lobo do homem para que este possa ser o cordeiro daquele. Nenhuma luta se destina a criar a justiça, mas apenas a instaurar a injustiça. O homem é um ser sem remédio. Todo o remédio que ele quiser inventar é só para sobrepor a razão ao irracional que de fato é. Toda a história das guerras é uma parada de comédia para iludir a sua invencível condição de tragédia. A verdade dele é o crime. E tudo o mais é um pretexto para o disfarçar. A fábula do lobo e do cordeiro já disse tudo. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais hábitos de educação. E a razão é uma forma de sermos educados.

Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente IV"

A humanidade de uma mulher sequestrada causa polêmica em Israel

E no sexto dia, diz a Bíblia, Deus criou o homem e os demais animais terrestres, reservando ao descanso o sétimo dia. Foi seu erro. Deus é amor. O homem não saiu à imagem do Criador.

Os historiadores Will e Ariel Durant, coautores da monumental obra “História da civilização” em quase 20 volumes, calculam que em toda a história vivemos apenas 27 anos sem guerra.

“Guerras não são, portanto, uma aberração. Apenas expõem um lado da natureza humana mascarado por convenções de civilidade que moldam a sociedade”, observa a jornalista Dorrit Harazim.


Ainda bem que existem pessoas como Yocheved Lifshitz, libertada pelos seus captores do Hamas. Tendo visto imagens aterradoras da violência do 7/10, israelenses se chocaram com o que ela disse.

Yocheved tem 85 anos, é mãe de muitos filhos e avó de muitos netos. Seu marido também foi sequestrado e permanece preso em algum porão de Gaza. Os dois são ativistas da paz de longa data.

Em uma cadeira de rodas, à saída do Hospital Ichilov, de Tel Aviv, ela contou que depois de sua captura foi espancada e levada para o sistema de túneis de Gaza que se parece com uma teia de aranha.

Uma vez lá, os membros do Hamas a trataram com gentileza. Eles a alimentaram com a mesma comida que comiam, deram-lhe água, assistência médica e até xampu. Os banheiros eram limpos.

Temendo doenças, os captores trabalhavam para higienizar a área que abrigava parte dos mais de 200 prisioneiros. Médicos os visitavam com frequência para saber como se sentiam.

Yocheved criticou os militares israelitas, dizendo que eles e o serviço de segurança interna da colônia Shin Bet, onde ela mora, ignoraram os sinais de alerta da ameaça às cidades perto de Gaza.

De fato, na semana passada, o chefe do Estado-Maior militar israelita reconheceu, após os ataques, que os militares não cumpriram a sua missão de proteger os cidadãos de Israel.

Semanas antes dos ataques, os palestinos se revoltaram e dispararam balões explosivos perto da cerca da fronteira de Gaza, provocando incêndios no Sul de Israel. Disse Yocheved:

“O exército israelense não levou isso a sério”.

Os comentários de Yocheved foram considerados por funcionários do governo de Israel como prejudiciais aos interesses israelitas. Bateu “barata voa” no gabinete do primeiro-ministro.

Foi dito ali que a Direção Nacional de Diplomacia Pública deveria ter tomado conta da situação antes da entrevista à imprensa concedida por Yocheved na noite de segunda-feira.

“Teria sido apropriado, no mínimo, deixar claro para Yocheved que mensagens com esse espírito servem ao inimigo em um momento delicado,” comentou uma fonte do governo.

O gabinete do primeiro-ministro reclamou da entrevista. A família de Yocheved disse que rechaçou o pedido do governo para que ela não dissesse que havia sido bem tratada no cativeiro.

A direção do hospital chegou a interromper a entrevista ao perceber o rumo ela tomava e prometeu ao governo que no futuro não deixará mais que reféns libertados falem com jornalistas.

Sobre o aperto de mão de Yocheved com um membro do Hamas quando ela foi entregue aos cuidados da Cruz Vermelha, um parente dela explicou com simplicidade:

“Se um médico trata você por duas semanas, você aperta a mão dele”.

Ronen Tzur, diretor de comunicações do Fórum de Reféns e Famílias Desaparecidas, aborreceu-se com Yocheved::

“Ao mesmo tempo que há esforços tremendos para convencer o mundo de que os reféns devem ser libertados o mais rápido possível, chega alguém e diz que estão sendo bem tratados.”

Uma colunista do jornal Haaretz, o mais importante de Israel, saiu em defesa de Yocheved:

“Yocheved Lifshitz acabou de passar por um trauma que poucos no mundo conseguem compreender. Especialmente nestes primeiros dias como mulher livre, não devemos julgá-la.

Mas podemos maravilhar-nos com o que parece ser a sua empatia sobre-humana. Ela não está provando que o Hamas é humano; ela está provando que é humana”.

Louvada seja.