domingo, 26 de agosto de 2018

Brasil de santinhos


Ideias desastrosas como programas de governo

Há um fascinante cardápio de ideias desastrosas nos programas de governo. Ninguém estranharia se fossem apresentadas pelo presidente Donald Trump ou por algum de seus conselheiros econômicos. Em alguns casos, bastaria remover a tintura de esquerda. Políticas de juros, câmbio, impostos, comércio exterior e finanças públicas são algumas das áreas ameaçadas pelas promessas de campanha. As falas são tentadoras para quem ainda acredita em crescimento fácil, crédito barato por decisão de governo, câmbio controlado sem custo econômico e gestão pública sem restrição financeira. Alguns desses crentes, pouco mais sofisticados que a média, classificam como neoliberal quem leva em conta a limitação de recursos. Outros, com um pouco mais de leitura, proclamam-se herdeiros do keynesianismo. Um ex-ministro já se declarou keynesiano desde criancinha. De fato, essa turma apenas confunde políticas fiscais anticíclicas, necessárias em certos momentos, com a mais chapada e grosseira irresponsabilidade fiscal. Keynes ganharia facilmente, contra esse pessoal, um processo por difamação e calúnia.

Vale a pena selecionar, da grande lista de besteiras incluídas em programas de governo, algumas muito perigosas, mas nem sempre notadas por boa parte – talvez a maioria – dos eleitores. Algumas até podem ser bem-intencionadas.

Juros e câmbio controlados estão entre as promessas mais atraentes, com certeza, para muitos eleitores. Para quem acredita nesse tipo de conversa, conter juros é uma forma de beneficiar os consumidores, principalmente os mais pobres, de garantir crédito acessível às empresas e, portanto, de favorecer o crescimento econômico. Além do mais, é um meio de enquadrar o exército malfazejo de rentistas e de proteger o Tesouro contra os parasitas da dívida pública.

De modo um tanto nebuloso, os bancos são vistos como se os banqueiros tivessem forçado o governo a tomar empréstimos. Pelo senso comum, empréstimos foram tomados porque o governo gastou mais do que arrecadou, mas o senso comum também é neoliberal.

Tentativas de controle político de juros foram feitas várias vezes, no Brasil e em outros países. Resultaram apenas em retração dos financiadores do setor público, em aumento da inflação e, afinal, em juros mais altos depois de confirmado o previsível desastre. Uma das últimas experiências ocorreu entre 2011 e 2013. Depois o Banco Central (BC), desmoralizado, teve de mudar de rumo, às pressas, para reverter o desastre, mas o conserto foi demorado.

Controle de câmbio também foi testado muitas vezes, ora para manter a inflação contida, ora para favorecer exportações e conter importações. Câmbio valorizado de forma voluntarista para conter a alta de preços acabou gerando rombos nas contas externas. Câmbio desvalorizado para favorecer o superávit externo funcionou, também previsivelmente, como combustível para a inflação. Câmbio flexível, com intervenção do BC apenas para frear oscilações excessivas, tem sido a solução mais simples, mais eficiente e menos custosa, A experiência do Brasil é uma boa confirmação. Essa política tem permitido combinar inflação contida com balanço de pagamentos em ordem e reservas cambiais próximas de US$ 380 bilhões.

Duplo mandato para o BC – controlar a inflação e ao mesmo tempo defender o emprego – é outra ideia sedutora, embora pouco inteligível para grande parte do eleitorado. Seus defensores podem lembrar como exemplo as funções do Federal Reserve (Fed), responsável pela política monetária nos Estados Unidos.

De fato, o mandato do Fed é duplo, mas sem tolerância inflacionária. Sua meta, hoje, é combinar uma inflação de cerca de 2% com o maior nível de emprego compatível com essa variação de preços. A inflação americana já se aproxima do alvo e o desemprego está pouco abaixo de 4%. O maior desafio para os dirigentes do Fed, agora, é determinar a taxa neutra de juros.

O BC brasileiro tem seguido, há muito tempo, uma política semelhante, favorável à criação de empregos, mas sem grande tolerância à inflação (embora a meta, de 4,5%, seja alta pelos padrões internacionais). É preciso traduzir para uma linguagem sem mistificação a proposta eleitoral do duplo mandato. É, na prática, mera defesa de uma política mais frouxa de combate à inflação, com juros mais baixos e crédito muito mais farto.

Não por acaso, essa política interessa a empresários sempre mais atentos aos juros do que à inflação, sempre em busca de benefícios tributários e de subsídios e, é claro, de protecionismo comercial. Em troca, prometem investir em capacidade produtiva e cuidar de inovação. Mas para que investir e inovar, quando o concorrente estrangeiro está barrado na entrada?

Esse protecionismo também está incluído em programas de governo, sempre em nome de uma defesa patriótica da indústria nacional. Mais que grotesco, é escandaloso, em 2018, defender esse modelo de desenvolvimento para uma das dez maiores economias do mundo. Esse tipo de política mantém a ineficiência e condena o brasileiro a consumir produtos caros e de baixa qualidade. Os benefícios vão apenas para grupos empresariais e sindicais escolhidos pela corte.

Uma variante dessa aberração é a proposta de tributar a exportação de bens primários e semielaborados, como se isso criasse uma vantagem real para a manufatura brasileira. Será um atentado a dois dos setores mais competitivos do País, o agronegócio e a mineração, e também à economia nacional. Outros países exportadores agradecerão pela gentileza.

Alguns candidatos prometem tributar lucros e dividendos, sem distinguir claramente esses dois objetos. Taxar dividendos pode tornar os impostos mais progressivos e mais equitativos. Taxar mais pesadamente o lucro empresarial diminuirá a capacidade de investimento, de expansão e de criação de empregos. Políticos incapazes de notar essa diferença podem ser muito perigosos. Algum político denunciará aos eleitores tantos perigos?

Aviso para os dias de hoje

A maneira pela qual os nazistas destruíram a democracia de Weimar e estabeleceram uma ditadura, seu desprezo pela verdade, sua supressão da liberdade de expressão e de pensamento, sua supressão da independência judicial e seu racismo virulento servem como advertências contra desenvolvimentos políticos comparáveis em nosso próprio tempo
Richard J. Evans

PT quer bagunçar as eleições

As pesquisas Ibope e Datafolha, publicadas esta semana, conferindo a Lula liderança folgada na corrida presidencial (de que não participará), contrastam com os dados objetivos da realidade política recente, de que o ex-presidente foi protagonista.

À parte as reiteradas manifestações de hostilidade em locais públicos, antes de sua prisão – e o fiasco de público de suas caravanas ao Nordeste e ao Sul do país -, basta recapitular os insucessos eleitorais, desde 2016, dos que buscaram seu apoio.


Nas eleições municipais, Lula não conseguiu eleger como vereador seu enteado, Marcos Cláudio, em São Bernardo do Campo, cidade em que está radicado há meio século. Perdeu em casa. E não apenas: o PT perdeu em todas as capitais, exceto Rio Branco, Acre, não obstante seu empenho pessoal em cabalar votos.

Em agosto do ano passado, apoiou, em eleição suplementar, o candidato a prefeito Jaílson Sousa, no município de Miguel Leão, no Piauí. Foi derrotado. O mito de invencibilidade no Nordeste caiu.

E em junho deste ano, ao apoiar, também em eleição suplementar, a senadora Kátia Abreu para governadora do Tocantins, acabou por derrotá-la. Kátia Abreu era a favorita; o apoio de Lula, manifestado na véspera do pleito, empurrou-a para o quarto lugar.

Não se esgotam aí os casos, mas esses já são suficientes para demonstrar a improcedência daquelas duas pesquisas.

A média histórica do PT, mesmo no auge de seu prestígio, era de 30%. Por isso, jamais venceu uma eleição presidencial em primeiro turno – e perdeu duas nessa condição para FHC.

Seria no mínimo estranho que, justamente agora, quando o partido vive o seu ocaso e seu líder está preso, aquela média fosse rompida. O Ibope atribuiu a Lula 37% e o Datafolha 39%. Considerando-se o universo dos que já optaram – mais de 30% ainda estão indecisos -, Lula venceria no primeiro turno. Fake total.

Visto isso, resta saber o que se pretende com essa farsa estatística, a que se somam outras. O jurista Modesto Carvalhosa impugnou Lula no TSE, sob acusação de falsidade ideológica. Lula omitiu, no pedido que encaminhou, sua condenação no TRF-4, apresentando certidões criminais (‘nada consta’) de São Paulo.

Ou seja, ao tentar esconder os crimes pelos quais está condenado – e preso -, cometeu outro. É claro que os advogados do PT não ignoram isso. Por que então desafiam a lei?

Porque o objetivo é exatamente este: tumultuar o processo eleitoral, confundir a massa de eleitores desinformados (a maioria) e fazer constar nas urnas o nome, mesmo impugnado, de Lula, de modo a eleger o poste do momento, Fernando Haddad. De quebra, deixar a Justiça Eleitoral numa saia justa e judicializar a campanha.

Não tendo candidato competitivo, a saída é bagunçar o coreto, consolidar a narrativa de fraude e fragilizar quem vier a ser eleito, pondo-o antecipadamente sob suspeita. Ou seja, continuar sendo o PT de sempre. Só um golpe judicial avalizaria a candidatura Lula.

Ruy Fabiano

Uma alegria no domingo

Se pesquisas são confiáveis, protestos contra corrupção eram só hipocrisia

Após anos de investigações, denúncias e condenações de políticos ladrões, na Operação Lava Jato, o Brasil dá sinais de que não passava de encanação toda aquela aparente indignação com a ladroagem. A 43 dias das eleições de 7 de outubro, o líder nas pesquisas está preso por corrupção, segura a lanterna das pesquisas o único candidato a presidente que nunca foi político e no Congresso serão 75% reeleitos.

Três institutos parecem ter combinado pesquisas simultâneas em que confirmam os números das outras, elevados, sem qualquer explicação.

Na Câmara, centro de tantos escândalos, estudo indica que 25% dos deputados não serão reeleitos, porque resolveram tomar outro rumo.

A hipocrisia inclui a mentira reiterada diariamente, reproduza até pela “mídia golpista”, que trata um presidiário ficha suja como “candidato”.

Protagonistas da hipocrisia, a própria Justiça “cozinha” sem pressa, porque está sob holofotes, a definição da pretensa candidatura Lula.

Cláudio Humberto

Nossos heróis e a overdose

A Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê que as despesas primárias do governo federal de 2019 serão de 1,416 trilhão. Desse total 1 trilhão e 175,2 bilhões (83,5%) são aposentadorias e gastos com pessoal e outros 134,5 bilhões (9,5%) são gastos operacionais que não podem ser comprimidos. Só 7% do orçamento federal, que nesta edição montam a R$ 98,3 bilhões, 23,6% menos que neste 2018 da desolação, é o que sobrará no ano que vem depois que o funcionalismo se servir para investir em melhorias ou na mera manutenção da infraestrutura em que se apoiam todos os empregos do Brasil real.

É, em resumo, a cova rasa com palmos medida que nos cabe no latifúndio do orçamento federal. Não obstante é ela a única fatia que o governo tem permissão legal para tornar menor quando os “ajustes” se fazem necessários. O Leviatã brasileiro só tem boca. Tudo que entra só sai de lá depois de morto, se e quando a graça recebida não for daquelas que podem ser transmitidas hereditariamente. Só o que a lei permite fazer com os empregados do estado em plena era da disrrupção é trocar as placas por debaixo das quais eles permanecem (literalmente) lotados. Extingue-se este ou aquele ministério, autarquia ou estatal mas todo mundo que recebe por elas ou fica intacto, ou é promovido e aposentado.


A única maneira legalmente aceita de reduzir a velocidade da marcha-a-ré do Brasil dos 27 milhões de desempregados pelo desajuste paralisante da política e das contas publicas é desacelerar os aumentos do funcionalismo. E a única maneira de engatar a marcha adiante é reduzir os gastos com ele. Só que não. O STF e o Ministério Público, os funcionários mais bem pagos e mais bem aposentados da nação, decretaram para si mesmos um aumento de 16,38% com “repercussão geral” no funcionalismo do país inteiro. Como a inflação em 12 meses foi de 2,5% esse multiplicador, que encanta pela minucia decimal, não tem outra referencia palpável senão a necessidade dos ministros da colenda corte de sustentar suas casas de fim-de-semana na Europa e nos Estados Unidos. Mas eles alegam que o país sairá no lucro por recompensar assim “os maiores combatentes da corrupção”..,

A situação nos estados e municípios também é catastrófica. Considerados os “penduricalhos” que eles se concedem mas não consideram para efeito de imposto de renda ou do seu próprio enquadramento no teto constitucional, as despesas tanto com o Judiciário (6% da receita corrente liquida) quanto com os MP’s (pelo dobro dos 2% legais) estão acima do teto em todos os estados da federação. Assim como quase todos os 5570 municípios eles também já gastam mais com aposentados que com funcionários efetivamente servindo nas áreas criticas da educação, da saude e da segurança publica. E como mais de ⅓ do funcionalismo com direito a aposentadorias especiais – cerca de 2 milhões de pessoas – já completou 50 anos e está na bica de passar a receber sem trabalhar, na hipótese mais benigna logo, logo os nossos heróis nos matam de overdose…
O jornalismo vive sob o mesmo dictat de Brasilia: só concorre às tribunas de maior alcance quem não insiste muito em ver o que seus olhos enxergam
É uma numerália de assustar, mas não o bastante para fazer os brasileiros desistirem do Brasil. O que está empurrando o dólar para a estratosfera, os brasileiros para fora do Brasil e os assassinatos dos que ficam para níveis de selvageria é o fato de tudo isso continuar sendo solenemente ignorado na campanha eleitoral mais decisiva da nossa história, debate após debate, faltando menos de dois meses para o dia da votação. Do jeito que vai atravessaremos a campanha inteira sem extrair dos candidatos um compromisso claro a respeito do que, exatamente, cada um pretende fazer para nos tirar dessa enrascada e evitar essa explosão iminente ou, mesmo, como esperam fazer, todos os que nos prometem a remissão pela educação, que os ultimos habitantes da Terra dispensados de entregar resultados para não perder o emprego preparem a juventude brasileira para o mundo moderno se nem mesmo o medo de perder a eleição é maior que o medo que o Homo brasiliensis (de Brasilia, não de Brasil) aprendeu a ter das corporações que exaurem o estado a ponto de torná-lo ausente de tudo o mais, especialmente de onde ele mais faz falta.

A maioria que se recusa a escolher qualquer dos candidatos, especialmente se somada à parcela dos eleitores que declaram um voto hesitante nos que apenas não tomam posição aberta na defesa de privilégios, estava à espera de alguém que abraçasse francamente a luta contra eles para carregá-lo em triunfo até à cadeira presidencial. E é claro que todos os candidatos empacados na mesmice sabem disso. Mas sabem melhor ainda que faze-lo implica a certeza, ou de ser fuzilado com a própria lei que a “privilegiatura” usa como arma e não chegar vivo à eleição, ou de chegar “lá” mas só para ser condenado a uma paralisia excruciante.

Os presidentes ainda são eleitos pelo voto da maioria mas os políticos temem muito mais as corporações que a massa de eleitores que, assim que deposita o voto na urna, é emasculada e deixa de incomodar. E essa lógica só pode permanecer invertida porque, com as exceções que confirmam a regra, o jornalismo, que é o prumo que tudo deveria referir aos números e aos fatos e, assim, arrastar o debate para o tema do qual depende a sobrevivência dos empregos e da fé na democracia de todos os brasileiros sem condições de comprar uma dacha no exterior, vive sob o mesmo dictat de Brasilia: só concorre às tribunas de maior alcance quem não insiste muito em ver o que seus olhos enxergam. Daí, entre candidatos e jornalistas, para afirmá-lo ou para negá-lo, a parcela mais honesta não ousar mais que cobrar combate à corrupção por fora da lei mas fazendo vistas grossas à perversão desse combate em arma de corrupção e à roubalheira por dentro da lei, e a mais desonesta seguir fingindo que o maior problema do Brasil é saber o “gênero” dos assassinados de ontem e definir em que banheiro nossas crianças devem fazer seu xixi.

Nem sempre a novidade é avanço

No meio da correspondência, entre cartas, informes, contas e anúncios que encontro toda vez que vou olhar minha caixa de correspondência aqui no prédio, veio uma tripa de papel, de mais ou menos 30 cm X 10 cm, que por pouco não rasgo e jogo na lixeira, pensando que fosse apenas um anúncio de delivery de pizzas, o mais comum entre os que encontro na caixinha. Foi pura sorte meus olhos terem batido na palavra Light. Era, sim, a nova conta da Light em seu novo formato (e nova cor, passou do vermelho para o verde…). Esse papelinho nos é apresentado como mais praticidade, menos papel e maior transparência na leitura do nosso consumo de energia elétrica.

Entro em total desacordo com a Light. Para economizar papel, a Light teve que diminuir o tamanho das letras e números. O que, em vez de facilitar a leitura, faz é dificultar, pelo menos para quem não tem mais, digamos, quarenta anos. Para ler a nova conta e seu importantíssimo link que uso para o pagamento on line, tive que me valer dos óculos e de uma lupa!

Foi para o bem do consumidor de energia ou para o bem do bolso da pobre Light? O que é que você acha, leitor?


E quanto aos remédios? Quando a propaganda fala em novos formatos e novas embalagens, já me aproximo com imensa desconfiança. Nos remédios, a nova embalagem quase sempre significa aumento de preço. E o fato de que as caixas, uma vez abertas, não poderão mais ser bem fechadas, pois para abri-las temos que rasgar a tampa, não tem outro jeito. Infelizmente, uso muitos remédios, dos mais variados laboratórios e uma vez aberta uma caixa de um determinado remédio só o que consigo é encostar a antiga tampa na caixinha. Fechar, nunca mais.

Isso só acontece com os remédios? Não, imagine, também com biscoitos, sucrilhos, farinhas, e muitas outras coisas. Tenho um amigo que sempre disse que o progresso industrial de uma nação pode ser medido pelas embalagens fabricadas no país. Eu achava isso engraçado. Já não acho…

O fato é que ao comparar produtos feitos no exterior aos feitos aqui, mais uma vez confirmo que meu amigo está é muito certo. Tomo como exemplo os discos. As caixas de acrílico dos CDs ingleses, alemães ou americanos, mesmo que abertas e fechadas com muita regularidade, duram muitos anos. Já as nossas, coitadinhas… se você ao abri-las não tiver muito cuidado, logo, logo, as tampas vão desmontar e a caixinha ficará inutilizada. O mesmo com os LPs. Tenho ingleses comprados em Londres na década de 60 do século passado que parece que foram comprados ontem o que, para quem ama seus discos, é um prazer que os fabricados aqui no Brasil não permitem.

Mas isso são objetos. Vamos torcer para que os eleitos nas eleições de outubro cumpram melhor a propaganda que os acompanha e que, bem acabados e mais resistentes que nossas embalagens, sejam novidades que sirvam ao Brasil durante um bom tempo e, de preferência, que não nos custem muito caro…

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Gente fora do mapa


Um passado que teima em se manter presente

Mais uma vez o Brasil “dá de cara” com a parede de sua estrutura patrimonial a bloquear o avanço para a prosperidade prometida ao gigante adormecido. Mais uma vez repetimos nosso periódico retorno à situação em que nos encontrávamos antes. Mais uma vez somos chamados a encarar os mesmos impasses, os mesmos impedimentos, os mesmos problemas, só que maiores e mais graves. Reduzido ao essencial, nosso muro dos anos 80/90 é praticamente o mesmo em 2018. Os personagens não são os mesmos, mas no essencial não são diferentes.

Vivíamos então a época dos pacotes, dos planos econômicos que se propunham a pôr ordem na casa de uma vez por todas e adquiriam o nome de seus autores: depois do Plano Cruzado I e II, o Plano Bresser, Plano Verão (Sarney); o Plano Collor I e II, para chegar ao Plano Real (FHC). Naquela época discutia-se a modernização do País. Tínhamos um ministério para a desburocratização; havia a convicção de que era preciso atrair investimentos externos, privatizar empresas estatais, reduzir a intervenção do Estado na economia, modernizar as relações trabalhistas, investir em infraestrutura, reduzir gastos públicos, reformar a Previdência, controlar a inflação, extirpar a corrupção. Uma agenda semelhante à que temos hoje, a comprovar que as mudanças não foram feitas e, quando feitas, não passaram de remendos. Remendos como as reformas que com grande custo passaram no Congresso em 2017; remendos, pois, ontem como hoje, as intenções de reformar cediam com enorme facilidade às pressões políticas que as desaconselhavam.

No Brasil, quando se chega a um impasse no Legislativo, que sem pudor foge da responsabilidade de decidir matérias controvertidas, todo o talento dos governantes e políticos é usado para remover dos projetos seus aspectos mais onerosos politicamente, postergando sua votação, por mais urgentes, impreteríveis, inadiáveis que sejam, já que “assim como estão não passariam” e “não é prudente desafiar os eleitores” em ano de eleição. O que é difícil fica para mais tarde e para os outros.


Neste ciclo entrópico de “eterno retorno”, desperdiçamos repetidamente o grande recurso de que se dispõe para governar, o tempo – a capacidade de antecipação, o alerta de Nabuco em 1870: “O pouco serve hoje, o muito amanhã não basta”, como relembrou oportunamente editorial do Estado de 21/8, ao tratar do preço pago pela procrastinação das decisões inadiáveis.

Nesta nova reconstituição do ciclo entrópico, saudado com alegria patológica pelos que dançam à beira do abismo, há, contudo, alguns componentes novos, segregados pelo organismo enfermo da Pátria. Desde logo significa um grave agravamento de uma crise muito grave (é preciso ser pleonástico).

Esta crise não surgiu. Foi provocada por aqueles que nos governam. Ela resulta de uma deliberada decisão de apropriação partidária e pessoal dos recursos públicos pelo PT, então na titularidade do governo, e da aliança de partidos eufemisticamente referidos como membros de um “presidencialismo de coalizão”. As características estruturais básicas do governo neste período de 15 anos são as mesmas de três décadas atrás: nossa forma especial de patrimonialismo – o paradigma estrutural do Estado hegemônico – em que tudo o que governo, classe política e organizações sociais fazem emana ou se dirige ao Estado, que se constitui na própria lógica da política no Brasil.

A sobrevivência deste paradigma ao longo dos 500 anos da nossa História se deve ao fato de que os modelos políticos que se sucedem, em resposta às mudanças conjunturais, são com ele compatíveis e os não compatíveis jamais alcançam o poder. Em conformidade com essa realidade histórica, movimentos e partidos políticos de direita, esquerda e de centro podem divergir em tudo, menos na necessidade de se apropriar do Estado para comandar a economia e a política nacional.

O Estado brasileiro, na sua atual condição de funcionamento, preenche quase plenamente uma de suas principais funções, ainda que encoberta por farta retórica ilusionista: a criação de empregos para a classe média e negociatas para as grandes empresas.

Curiosa, mas compreensivelmente, da situação de hegemonia do Estado sempre em crescimento emerge sua dupla condição de força e fraqueza. Força porque chegamos a uma situação em que apenas e tão somente o Estado pode remover o Estado da economia. E debilidade porque, apesar de todo esse poder, será forçado a abrir espaços que hoje ocupa na economia e na administração, por absoluta incapacidade de exercer as funções que acumulou.

Nossos verdadeiros problemas ciclicamente reincidentes não conseguem ser resolvidos porque integram a órbita das atribuições do Estado patrimonialista que ainda mantemos e são consequência inevitável desse paradigma estrutural. A mera menção de alguns deles explica por que não só não são enfrentados, como são agravados pela sua periódica reiteração: 1) Burocracia partidarizada, enorme, excessivamente cara, de baixa competência; 2) déficits permanentes e crescentes sem possibilidade de correção. Cortar despesas é anátema, mas sem cortá-las não há como recuperar a saúde econômica; 3) indicadores de saúde, segurança e educação em angustiante decadência; 4) federalismo inviabilizado, financeiramente quebrado, pela centralização, corrupção e despesas de pessoal; 5) infraestrutura insuficiente, danificada e em grande parte obsoleta; 6) sentimentos de decepção, desesperança e desconfiança da população em relação a classe política, governo, instituições e promessas; 7) centralização da decisão, do financiamento e da execução.

Com esse reduzido, ainda que gravíssimo, rosário de problemas o País se prepara para entregar a responsabilidade para enfrentá-los à nova administração, que, a julgar pelos precedentes, dependerá da mesma ineficiente estrutura política e estatal responsável pela crise em que estamos jogados.

Começo do bom caminho

A conquista das liberdades humanas não se pode realizar no desentendimento ou "guerra" dos sexos, nem no preconceito da superioridade total de um sobre o outro, mas na lealdade, na aceitação das responsabilidades em comum, no sofrimento alegremente compartilhado
José Rodrigues Miguéis," É proibido apontar"

Assim é um líder

O líder é um canalha. Dirá alguém que estou generalizando. Exato: estou generalizando. Vejam, por exemplo, Stalin. Ninguém mais líder. Lênin pode ser esquecido, Stalin, não. Um dia, os camponeses insinuaram uma resistência. Stalin não teve nem dúvida, nem pena. Matou, de fome punitiva, 12 milhões de camponeses. Nem mais, nem menos: — 12 milhões. Era um maravilhoso canalha e, portanto, o líder puro. E não foi traído. Aí está o mistério que, realmente, não é mistério. É uma verdade historicamente demonstrada: — o canalha, quando investido de liderança, faz, inventa, aglutina e dinamiza massas de canalhas. Façam a seguinte experiência: — ponham um santo na primeira esquina. Trepado num caixote, ele fala ao povo. Mas não convencerá ninguém, e repito: — ninguém o seguirá. Invertam a experiência e coloquem na mesma esquina, e em cima do mesmo caixote, um pulha indubitável. Instantaneamente, outros pulhas, legiões de pulhas, sairão atrás do chefe abjeto.

Mas dizia eu que Stalin não foi traído, nem Hitler. O Führer, para morrer, teve de se matar. (Nem me falem do atentado dos generais grã-finos. Há uma só verdade: — nem o soldado alemão, nem o operário, nem o jovem, nem o velho, traíram Hitler.) E, quanto a Stalin, ninguém mais amado. Só Hitler foi tão amado. Aqui mesmo, no Brasil. Bem me lembro, durante a guerra, dos nossos stalinistas. Na queda de Paris, um deles veio-me dizer, de olho rútilo e lábio trêmulo: - "Hitler é muito mais revolucionário do que a Inglaterra."

Sim, o que se sentia, aqui, por Stalin, era uma dessas admirações hediondas. Eu via homens de voz grossa, barba cerrada, ênfase viril. Em cada um dos seus gestos, a masculinidade explodia. E, quando falavam de Stalin, eles se tornavam melífluos, como qualquer «travesti» do João Caetano ou do Teatro República. O que se sentia, por trás desse arrebatamento stalinista, era um amor quase físico, uma espécie de pederastia idealizada, utópica, sagrada. Com as mandíbulas trémulas, uma salivação efervescente, os fanáticos chamavam o Guia de «o Velho». E essa paixão era de um sublime ignóbil.

Já o Czar foi o anti-líder. Há um quadro russo da matança da Família Imperial. (A pintura de lá, tanto a czarista, como a soviética, é puro Osvaldo Teixeira.) Eis o que nos mostra a tela: empilhados, numa bacanal de defuntos, o Czar, a Czarina, as princesinhas, etc., etc. Uns por cima dos outros, e cravejados de balas. Os soldados receberam a ordem e estouraram a cara dos velhos, das mocinhas, dos meninos. Mas não vamos assumir, aqui, nenhuma postura sentimental. Eis o que importa dizer.

Na véspera de morrer, o nosso Nicolau entretinha-se na redação do seu diário. Fazia diário como qualquer heroína da Coleção das Moças. Reparem no anti-líder, no anti-rei no anti-tudo. No dia seguinte estariam à mostra os intestinos dele mesmo, as tripas da mulher, dos filhos, dos sobrinhos, dos netos. Mas ele não teve nenhum sentimento da morte. No jardim havia um «lago azul» como o da nossa canção naval. E, lá, dois ou três cisnes deslizavam mansamente. Um mundo já morria e outro ia nascer. E o Czar estava fascinado pelos cisnes, e a última página do diário era a eles dedicada. Um homem assim teria de ser exterminado a bala ou a punhaladas, como uma ratazana.

Alguém lembrará a figura e o nome de Kennedy. Era um líder que preservava um mínimo de humanidade. Mas não era líder. Lembro-me da babá portuguesa da minha garotinha. Ao ver o retrato de Kennedy gemeu com sotaque: - «Bonito como uma virgem.» Era um líder de luxo, isto é, o anti-líder. Ao entrar na política, o pai, outro aristocrata, deu-lhe um cheque de um milhão de dólares. E mais: - Johnny casou-se com Jacqueline. E a mulher bonita é própria do falso líder. Nem Stalin, nem Hitler, fariam essa dupla concessão ao sentimento e ao sexo. Reexaminem toda a vida de Kennedy: - não foi, em momento nenhum da sua história e da sua lenda, um canalha. E não soube fazer pulhas para juntá-los em torno de sua liderança.

Pensem no pacto germano-soviético. Todos os que o aceitaram ou que ainda hoje o justificam eram e são perfeitos, irretocáveis canalhas. De um só lance, Stalin e Hitler degradaram toda uma época. Eis o que desejo ressaltar: - faltava a Kennedy essa capacidade de aviltar um povo. Ao passo que Stalin fez seu povo à imagem e semelhança da própria abjecção. Mas foi na morte que Kennedy demonstrou a ineficácia e falsidade da sua liderança.

O líder não morre antes, nem depois. O derrame escolheu a hora certa para matar Stalin. Hitler meteu uma bala na cabeça no momento justo em que precisava estourar os miolos. Waterloo aconteceu quando se esgotou a vitalidade histórica da era napoleónica. Se Lênin vivesse mais 15 dias, seria outro Trotski. E Kennedy caiu antes do tempo, morreu quando não tinha que morrer. Imaginem um Cristo morto de coqueluche aos três anos. Não seria Cristo, não seria nada. Kennedy morreu ao lado da mulher bonita. E, de repente, veio a bala e arrancou-lhe o queixo, forte, crispado, vital.
Restava tudo por fazer; o horizonte da reeleição abria-se diante dele. Essa morte antes do tempo mostrou que Kennedy não era Kennedy. O amor que lhe consagramos é um equívoco.

Falo, falo, e não sei bem por que estou dizendo tudo isso. Agora me lembro. Eu disse algo parecido, ontem, num sarau de grã-finos. Não achem graça. Aprende-se muito no grã-finismo, e repito: — certos grã-finos têm um sutil faro histórico, diria melhor, profético. Sentem, por vezes, antes dos outros, o que eu chamaria "odor da História". E um desses estava-me dizendo, num canto, com uma convicção forte: — "Vai haver o diabo neste País." O que era pouco para a minha fome. O grã-fino punha mais gelo no copo. Insinuou: — "Há muita insatisfação." Ainda era pouco. E eu queria saber, concretamente, o que vinha por aí. Perguntei: — "Sangue?" E o outro, cara a cara comigo e um ar de quem promete uma hemorragia nacional inédita: disse e fez um "suspense". Instiguei-o: — "O diabo, como?" E ele, misterioso: — "Você não sente que vem por aí não sei o quê?" Esse "não sei o quê"— "Sangue." 

Todavia, o "suspense" continuava. "Sangue", dissera ele. Mas, quem ia derramar o sangue, e que sangue? Ainda olhei para os lados, como a procurar, entre os convidados, um possível Drácula. Quando, porém, o grã-fino falou em «esquerda», a minha perplexidade não teve mais tamanho. Recuei dois passos, avancei outros tantos e perguntei: - "Você acredita na nossa esquerda? Nessa que está aí?" 

Ele acreditava. Então perdi a paciência e falei sem parar. Quem ia mudar alguma coisa neste País? A esquerda tem um canalha para exercer uma liderança concreta e proveitosa? Senhoras entraram no debate. Fez-se, ali, uma alegre pesquisa de pulhas.

Mas os canalhas lembrados eram, ao mesmo tempo, imbecis. E o que a História pedia era um crápula com seu toque de gênio. Em suma: não ocorria aos presentes um nome válido. A última palavra foi minha. Disse eu mais ou menos o seguinte: — enquanto a esquerda que aí está não for substituída até seu último idiota, não vai acontecer nada, rigorosamente nada.
Nelson Rodrigues, "O Homem Fatal"

Campanha não prenuncia solução para o Brasil

A instabilidade institucional, a incerteza econômica e uma profunda crise política marcam a campanha que começou no Brasil e que terminará, em outubro, com a eleição do novo presidente do gigante sul-americano. Não se trata de uma boa notícia para o país mais importante da região que até poucos anos atrás era visto como exemplo para o mundo de sucesso político, crescimento econômico e combate à pobreza.

As eleições porão fim a um mandato turbulento caracterizado por casos de corrupção em grande escala que comprometeram profundamente tanto o setor político como o econômico, protestos maciços de uma classe média prejudicada e insatisfeita com a atitude dos políticos e uma convulsão institucional quase suicida que, entre outros efeitos, teve o polêmico impeachment, em 2016, da presidente eleita Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT).


Mas é necessário alertar que as eleições não são necessariamente o bálsamo que resolverá uma situação complicadíssima. De fato, os sinais observados na pré-campanha não convidam ao otimismo. Primeiro, porque o desencanto do eleitorado com a situação criada deixou um número expressivo de brasileiros sem saber em quem votar, e nem mesmo se vai votar. E não fica atrás o fato de o favorito ser Jair Bolsonaro, um ex-militar que defende posições nacionalistas de extrema-direita e escolheu como companheiro de chapa um general na reserva, defensor da ditadura militar que o país sofreu entre 1964 e 1985. Bolsonaro usa uma estratégia de comunicação – os institutos de pesquisa o consideram o político mais eficaz nas redes sociais – com a qual tem conseguido chegar às pessoas. Os outros candidatos, ancorados em outras fórmulas, têm uma dificuldade adicional quando se trata de divulgar suas mensagens.

A outra circunstância que marca a campanha é a situação do ex-presidente – e por enquanto candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto 12 dos 13 candidatos vão viajar milhares de quilômetros tentando ganhar eleitores e participar de inúmeros debates televisivos, Lula transformou sua cela na sede da Polícia Federal em Curitiba em um escritório onde recebe dezenas de visitas e dá instruções. A estratégia do PT, apoiada no prestígio de um presidente que ganhou duas eleições e colocou o Brasil como modelo de democracia e economia pujante – é fazer seu candidato ficar o mais presente possível mediante imagens de arquivo e distribuição de máscaras nos comícios. A ver até que ponto, numa sociedade marcada pela imagem e pelo imediato, a figura de um candidato ausente será eficaz na hora de ganhar votos. E isso acontecerá pelo menos até que o Tribunal Eleitoral decida sobre a legalidade ou não de sua candidatura. Em qualquer caso, dentro do poderoso partido de esquerda, há vozes que acreditam que a tática do líder veterano está fazendo seu possível substituto, Fernando Haddad, perder um tempo precioso na candidatura.

Imagem do Dia

Irlanda

Por que o PT ainda define o jogo político

A candidatura ilegal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso por corrupção, reúne quase 40% da preferência dos eleitores, segundo as últimas pesquisas. É provável que o substituto eventual de Lula, Fernando Haddad, tenha menos votos. Mas nenhum analista político sério despreza suas chances. O PT manifesta força no Nordeste, entre os mais pobres e menos instruídos. Como entender tal resistência depois do mensalão, do petrolão e de tudo o mais? Será resultado apenas da figura messiânica de Lula, da inclinação atávica do brasileiro pelo sebastianismo? Ou há algo no petismo que transcende Lula e está enraizado na sociedade? Como, num país de partidos fracos, o PT se distingue a ponto de manter a popularidade, apesar de todos os escândalos e do naufrágio econômico sob Dilma Rousseff? “A ascensão do PT é o fator mais importante a moldar o comportamento político das massas no Brasil desde a redemocratização”, escrevem os cientistas políticos David Samuels e Cesar Zucco em "Partisans, antipartisans, and nonpartisans" ("Partidários, antipartidários e não partidários").

As conclusões deles, embasadas em análises estatísticas, são surpreendentes. Num país que despreza partidos como motivação do eleitor, constataram que mais de 40% dos brasileiros (até 60%) votam segundo simpatias ou antipatias partidárias. “Se quisermos prever como um brasileiro votará na corrida presidencial, basta perguntar de que partido gosta ou não gosta”, dizem. “Sejam quais forem as condições ‘objetivas’, como estado da economia.” Eles classificam os eleitores em três tipos: os que não manifestam preferência partidária (não partidários), os que preferem um partido aos demais (partidários positivos — petistas, peessedebistas ou emedebistas) e os que, mesmo sem preferir nenhum, manifestam rejeição a um em particular (antipartidários, ou partidários negativos). “Os contornos do partidarismo positivo ou negativo no Brasil são moldados sobretudo pelo modo como as pessoas se sentem em relação ao PT”, afirmam. Dois terços dos eleitores partidários são petistas; três quartos dos antipartidários são antipetistas. O partidarismo afeta a psicologia de ambos. Entre petistas, o apoio a um aumento inferior para o salário mínimo subiu de 10% para 60%, ao saber que a proposta era do PT. Partidários do PSDB também manifestam tal viés em suas opiniões. No MDB, não.

O que distingue petistas de antipetistas não é divisão entre “povo” e “elite”, nem diferença de nível econômico, social ou cultural, alto para ambos.

“Petistas e antipetistas têm mais em comum um com o outro que com o não partidário”, escrevem Zucco e Samuels.

Mesmo em questões que separam liberais de conservadores noutros países — como aborto, direitos dos gays ou papel do Estado na economia —, as atitudes dos dois se aproximam. “Não diferem significativamente em posição ideológica numa escala da esquerda à direita.” A diferença, afirmam, está na “visão sobre valor e propósito da democracia, sobre como cidadãos devem se engajar na política e sobre o desejo por mudança social”. O antipetismo, no entender deles, não é movido pela corrupção ou pela incompetência do PT, embora ambas contribuam para alimentá-lo. “Repousa na oposição à transformação política, econômica e social.” Afirmam ainda que o petista tem maior apreço pela democracia como método de mudança, embora não apresentem evidência empírica disso (nem discutam o apoio do PT às ditaduras de Cuba ou Venezuela).

Duas conclusões do livro são notáveis. Primeira: o lulismo representa um problema para o PT. O partido precisa demonstrar que sobrevive sem Lula para convencer o cidadão de que ainda pode mudar a vida dele para melhor. Segunda: ao mesmo tempo que partidos são essenciais à democracia, o partidarismo exagerado pode prejudicá-la. “Sem um sistema partidário forte, representatividade e prestação de contas sofrem. Mas o partidarismo forte traz maior polarização.” E maior risco de rupturas.

Helio Gurovitz

O capital que nunca chega

Para o trabalhador, a sociedade capitalista é um pesadelo sinistro.

Ele a constrói com sangue, suor e lágrimas, para vê-la voltar-se, com implacável brutalidade, contra tudo aquilo que constitui a essência de seus direitos da pessoa
Hélio Pellegrino

O fundo do inferno

Há um ano, quando se discutiam as normas da eleição, agora em curso, escrevi nesta coluna opiniões que soavam como profecias. Creio que acertei quase tudo.

As regras em vigor agora foram inspiradas pela pedra lascada, aprovadas pelo Congresso em seu favor, permitindo que aqui, em Minas, uma candidatura de um forte candidato, autorizado por seu partido a empreender uma longa campanha de quase dois anos, fosse incinerada por uma decisão exarada pela cúpula do próprio partido.

Marcio Lacerda é a vítima mais injustiçada do Brasil contemporâneo. No momento em que adquiriu consistência, com o apoio de oito partidos, dispostos a fugir em Minas da alternância de PSDB e PT, que deu na falência do Estado, foi tirado do páreo, justamente por se mostrar como ameaça à velha política, aquela dos mensalões e petrolão. Ser uma alternativa foi o bastante para ser expulso.

Em seguida, Jaime Martins, recém-filiado ao PROS na tentativa de fugir de um apoio de seu antigo partido, PSD, ao PSDB, teve o mesmo fim. Mesmo autorizado abertamente a conduzir os interesses “majoritários” da legenda em Minas, no exato momento de herdar a coligação de Lacerda, teve o ilustre Eurípides, presidente de seu partido, surgindo da sombra e vetando sua candidatura. O que ganhou?

Nesse jogo de mata-mata, quem morreu foi a liberdade, tão cara ao eleitor mineiro.

Parece que o motivo do PROS seria não atrapalhar um desconhecido candidato a deputado federal que poderia perder possibilidade de se eleger com 45 mil votos, meta minimalista projetada pelo presidente do PROS. Dá para acreditar?! Difícil, mas oficiosamente o candidato a governador Jaime Martins, com apoio de oito partidos e 50% do tempo de propaganda, dificultaria uma maior participação no bilionário Fundo Partidário, regido pelos votos de deputado federal!

O episódio faz enxergar nos porões das regras a possível locupletação de figuras incrustadas nos nanicos, no baixo clero, que nada faz sem ter algo a faturar. Estamos revivendo em versão moderna o mercado de escravos do século XVIII na orla do porto de Paraty. Foge ao eleitor que um deputado federal eleito rende ao partido verbas de fundos de R$ 13/14 milhões em quatro anos.


Vivemos há décadas a tirania de partidos “ad delinquerem”, sem qualquer pudor
Entre o “aparentemente inexplicável” absurdo, ocorre que um grande partido com fundo de R$ 500 milhões possa comprar 15 segundos de propaganda de um partidinho. As verbas são repassadas à conta da legenda “comprada”, e daí pela rota de notas frias até chegar ao bolso dos donos do nanico montado para enriquecimento de uma fauna de predadores.

Ainda, com os fartos recursos tirados dos contribuintes, se fornece verba para microcandidatos de “dobradinha”. Veja-se em Betim, com seus 260 mil eleitores, foram registradas 51 candidaturas a deputado federal e estadual. Como? Distribuindo para quase todos de R$ 10 mil até R$ 200 mil para serem kamicazes que transfiram alguns valiosos votos para os donos de partidos.

Falta dinheiro para saúde, mas sobra para os eleitos garantirem essa pouca-vergonha.

O efeito direto é a distorção abrupta dos rumos da democracia, e mais o crescimento de uma nova forma de surrupiar os cofres públicos. Constituem-se, como sempre, privilégios, castas e esquemas de assaltos aos bens do país. Perpetua-se nesse ambiente sórdido a corrupção dos picaretas, ora cúmplices na tentativa de aniquilar as cinzas da decência no Brasil.

Provavelmente, se chegará à conclusão de que esta eleição, antidemocrática, construída nos bastidores da velha política, deverá ser considerada a mais suja da fase republicana. Evidencia-se que não vem para garantir um futuro de prosperidade. Acentua cinicamente os erros do passado e castiga o Brasil ao fundo do inferno.

Chamei, em agosto de 2017, a atenção para a necessidade de candidaturas avulsas, expressão máxima da liberdade e da democracia, adotadas como antídoto aos mecanismos políticos nos países mais civilizados. Possibilitariam escantear quem abomina figuras de valor universal e oxigenar o poder. Mas o Congresso preferiu manter o sistema de acorrentados ao interesse dos corruptos. Os partidos são birutas que se enchem no sentido da corrupção e, por isso, precisam centralizar o controle do assalto ao país.

As regras são tão podres, restritivas de um lado e escancaradas de outro, que será nesta eleição a vez de o PCC montar sua bancada, de traficantes possivelmente disfarçados de religiosos de Estados carimbados pela pobreza. Lá o voto é mais fácil.

A catástrofe produzida pelo Congresso estava entre as profecias de 12 meses atrás, quando defendi a via do distritão misto, as candidaturas avulsas e a abolição do financiamento público, instalando-se, assim, limitações e tetos austeros aos gastos de propaganda. A velha política atribui-se uma montanha de recursos públicos para fazer a diferença.

Vivemos há décadas a tirania de partidos “ad delinquerem”, sem qualquer pudor. Apesar de o público não conseguir enxergar a perversidade do fundo partidário eleitoral – alguns bilhões subtraídos da saúde e educação do povo –, contam-se já as vítimas do “mecanismo” criminoso.

Excluindo-se ou limitando-se outras fontes de financiamento e aumentando a dos políticos atuais, gerou-se uma reserva de mercado eleitoral. Figuras de porão, marcadas por um passado desabonador, e outras, vivendo um presente que acumula carga explosiva, entraram em cena nos últimos dias usando as regras sombrias aprovadas um ano atrás, quando esta coluna alertava:

É preciso retirar poder dos caciques e coronéis dos maiores partidos que atuam para matar as propostas de abandalhar as eleições e que mantêm o país como o mais corrupto do planeta.

Fosse o distritão misto apenas para se livrar dos caciques bandidos, ou diminuir sua força, sobrariam vantagens para a nação.

Figuras que chafurdam nas regras obscenas teriam perdas significativas em sua capacidade destrutiva.

O sufrágio se alinharia à vontade popular sem canalizar a manada para o curral. Os eleitos teriam o peso e a legitimidade dos votos recolhidos e não seriam peças nas prateleiras de um dono “mensaleiro” de partido, como Valdemar da Costa Neto, o mais inflamado inimigo do distritão. Voltaria a embaralhar as cartas marcadas de um jogo perdido pelos eleitores. Cartas viciadas para trapacear. Seriam serrados, ainda, os saltos de nanicos que traficam na politicagem como demolidores.

Não permitiria que se chegasse ao Legislativo pela esperteza e capacidade de aglutinar um conjunto de candidatos que, somados, garantem o passaporte de um desqualificado.

Teremos mais dois sofridos meses de enjoo, suor e sofrimento para saber se o Brasil sobreviverá à velha política que o transformou num horror.