A candidatura ilegal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso por corrupção, reúne quase 40% da preferência dos eleitores, segundo as últimas pesquisas. É provável que o substituto eventual de Lula, Fernando Haddad, tenha menos votos. Mas nenhum analista político sério despreza suas chances. O PT manifesta força no Nordeste, entre os mais pobres e menos instruídos. Como entender tal resistência depois do mensalão, do petrolão e de tudo o mais? Será resultado apenas da figura messiânica de Lula, da inclinação atávica do brasileiro pelo sebastianismo? Ou há algo no petismo que transcende Lula e está enraizado na sociedade? Como, num país de partidos fracos, o PT se distingue a ponto de manter a popularidade, apesar de todos os escândalos e do naufrágio econômico sob Dilma Rousseff? “A ascensão do PT é o fator mais importante a moldar o comportamento político das massas no Brasil desde a redemocratização”, escrevem os cientistas políticos David Samuels e Cesar Zucco em "Partisans, antipartisans, and nonpartisans" ("Partidários, antipartidários e não partidários").
As conclusões deles, embasadas em análises estatísticas, são surpreendentes. Num país que despreza partidos como motivação do eleitor, constataram que mais de 40% dos brasileiros (até 60%) votam segundo simpatias ou antipatias partidárias. “Se quisermos prever como um brasileiro votará na corrida presidencial, basta perguntar de que partido gosta ou não gosta”, dizem. “Sejam quais forem as condições ‘objetivas’, como estado da economia.” Eles classificam os eleitores em três tipos: os que não manifestam preferência partidária (não partidários), os que preferem um partido aos demais (partidários positivos — petistas, peessedebistas ou emedebistas) e os que, mesmo sem preferir nenhum, manifestam rejeição a um em particular (antipartidários, ou partidários negativos). “Os contornos do partidarismo positivo ou negativo no Brasil são moldados sobretudo pelo modo como as pessoas se sentem em relação ao PT”, afirmam. Dois terços dos eleitores partidários são petistas; três quartos dos antipartidários são antipetistas. O partidarismo afeta a psicologia de ambos. Entre petistas, o apoio a um aumento inferior para o salário mínimo subiu de 10% para 60%, ao saber que a proposta era do PT. Partidários do PSDB também manifestam tal viés em suas opiniões. No MDB, não.
O que distingue petistas de antipetistas não é divisão entre “povo” e “elite”, nem diferença de nível econômico, social ou cultural, alto para ambos.
“Petistas e antipetistas têm mais em comum um com o outro que com o não partidário”, escrevem Zucco e Samuels.
Mesmo em questões que separam liberais de conservadores noutros países — como aborto, direitos dos gays ou papel do Estado na economia —, as atitudes dos dois se aproximam. “Não diferem significativamente em posição ideológica numa escala da esquerda à direita.” A diferença, afirmam, está na “visão sobre valor e propósito da democracia, sobre como cidadãos devem se engajar na política e sobre o desejo por mudança social”. O antipetismo, no entender deles, não é movido pela corrupção ou pela incompetência do PT, embora ambas contribuam para alimentá-lo. “Repousa na oposição à transformação política, econômica e social.” Afirmam ainda que o petista tem maior apreço pela democracia como método de mudança, embora não apresentem evidência empírica disso (nem discutam o apoio do PT às ditaduras de Cuba ou Venezuela).
Duas conclusões do livro são notáveis. Primeira: o lulismo representa um problema para o PT. O partido precisa demonstrar que sobrevive sem Lula para convencer o cidadão de que ainda pode mudar a vida dele para melhor. Segunda: ao mesmo tempo que partidos são essenciais à democracia, o partidarismo exagerado pode prejudicá-la. “Sem um sistema partidário forte, representatividade e prestação de contas sofrem. Mas o partidarismo forte traz maior polarização.” E maior risco de rupturas.
Helio Gurovitz
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