domingo, 26 de agosto de 2018

Nossos heróis e a overdose

A Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê que as despesas primárias do governo federal de 2019 serão de 1,416 trilhão. Desse total 1 trilhão e 175,2 bilhões (83,5%) são aposentadorias e gastos com pessoal e outros 134,5 bilhões (9,5%) são gastos operacionais que não podem ser comprimidos. Só 7% do orçamento federal, que nesta edição montam a R$ 98,3 bilhões, 23,6% menos que neste 2018 da desolação, é o que sobrará no ano que vem depois que o funcionalismo se servir para investir em melhorias ou na mera manutenção da infraestrutura em que se apoiam todos os empregos do Brasil real.

É, em resumo, a cova rasa com palmos medida que nos cabe no latifúndio do orçamento federal. Não obstante é ela a única fatia que o governo tem permissão legal para tornar menor quando os “ajustes” se fazem necessários. O Leviatã brasileiro só tem boca. Tudo que entra só sai de lá depois de morto, se e quando a graça recebida não for daquelas que podem ser transmitidas hereditariamente. Só o que a lei permite fazer com os empregados do estado em plena era da disrrupção é trocar as placas por debaixo das quais eles permanecem (literalmente) lotados. Extingue-se este ou aquele ministério, autarquia ou estatal mas todo mundo que recebe por elas ou fica intacto, ou é promovido e aposentado.


A única maneira legalmente aceita de reduzir a velocidade da marcha-a-ré do Brasil dos 27 milhões de desempregados pelo desajuste paralisante da política e das contas publicas é desacelerar os aumentos do funcionalismo. E a única maneira de engatar a marcha adiante é reduzir os gastos com ele. Só que não. O STF e o Ministério Público, os funcionários mais bem pagos e mais bem aposentados da nação, decretaram para si mesmos um aumento de 16,38% com “repercussão geral” no funcionalismo do país inteiro. Como a inflação em 12 meses foi de 2,5% esse multiplicador, que encanta pela minucia decimal, não tem outra referencia palpável senão a necessidade dos ministros da colenda corte de sustentar suas casas de fim-de-semana na Europa e nos Estados Unidos. Mas eles alegam que o país sairá no lucro por recompensar assim “os maiores combatentes da corrupção”..,

A situação nos estados e municípios também é catastrófica. Considerados os “penduricalhos” que eles se concedem mas não consideram para efeito de imposto de renda ou do seu próprio enquadramento no teto constitucional, as despesas tanto com o Judiciário (6% da receita corrente liquida) quanto com os MP’s (pelo dobro dos 2% legais) estão acima do teto em todos os estados da federação. Assim como quase todos os 5570 municípios eles também já gastam mais com aposentados que com funcionários efetivamente servindo nas áreas criticas da educação, da saude e da segurança publica. E como mais de ⅓ do funcionalismo com direito a aposentadorias especiais – cerca de 2 milhões de pessoas – já completou 50 anos e está na bica de passar a receber sem trabalhar, na hipótese mais benigna logo, logo os nossos heróis nos matam de overdose…
O jornalismo vive sob o mesmo dictat de Brasilia: só concorre às tribunas de maior alcance quem não insiste muito em ver o que seus olhos enxergam
É uma numerália de assustar, mas não o bastante para fazer os brasileiros desistirem do Brasil. O que está empurrando o dólar para a estratosfera, os brasileiros para fora do Brasil e os assassinatos dos que ficam para níveis de selvageria é o fato de tudo isso continuar sendo solenemente ignorado na campanha eleitoral mais decisiva da nossa história, debate após debate, faltando menos de dois meses para o dia da votação. Do jeito que vai atravessaremos a campanha inteira sem extrair dos candidatos um compromisso claro a respeito do que, exatamente, cada um pretende fazer para nos tirar dessa enrascada e evitar essa explosão iminente ou, mesmo, como esperam fazer, todos os que nos prometem a remissão pela educação, que os ultimos habitantes da Terra dispensados de entregar resultados para não perder o emprego preparem a juventude brasileira para o mundo moderno se nem mesmo o medo de perder a eleição é maior que o medo que o Homo brasiliensis (de Brasilia, não de Brasil) aprendeu a ter das corporações que exaurem o estado a ponto de torná-lo ausente de tudo o mais, especialmente de onde ele mais faz falta.

A maioria que se recusa a escolher qualquer dos candidatos, especialmente se somada à parcela dos eleitores que declaram um voto hesitante nos que apenas não tomam posição aberta na defesa de privilégios, estava à espera de alguém que abraçasse francamente a luta contra eles para carregá-lo em triunfo até à cadeira presidencial. E é claro que todos os candidatos empacados na mesmice sabem disso. Mas sabem melhor ainda que faze-lo implica a certeza, ou de ser fuzilado com a própria lei que a “privilegiatura” usa como arma e não chegar vivo à eleição, ou de chegar “lá” mas só para ser condenado a uma paralisia excruciante.

Os presidentes ainda são eleitos pelo voto da maioria mas os políticos temem muito mais as corporações que a massa de eleitores que, assim que deposita o voto na urna, é emasculada e deixa de incomodar. E essa lógica só pode permanecer invertida porque, com as exceções que confirmam a regra, o jornalismo, que é o prumo que tudo deveria referir aos números e aos fatos e, assim, arrastar o debate para o tema do qual depende a sobrevivência dos empregos e da fé na democracia de todos os brasileiros sem condições de comprar uma dacha no exterior, vive sob o mesmo dictat de Brasilia: só concorre às tribunas de maior alcance quem não insiste muito em ver o que seus olhos enxergam. Daí, entre candidatos e jornalistas, para afirmá-lo ou para negá-lo, a parcela mais honesta não ousar mais que cobrar combate à corrupção por fora da lei mas fazendo vistas grossas à perversão desse combate em arma de corrupção e à roubalheira por dentro da lei, e a mais desonesta seguir fingindo que o maior problema do Brasil é saber o “gênero” dos assassinados de ontem e definir em que banheiro nossas crianças devem fazer seu xixi.

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