domingo, 26 de agosto de 2018

Um passado que teima em se manter presente

Mais uma vez o Brasil “dá de cara” com a parede de sua estrutura patrimonial a bloquear o avanço para a prosperidade prometida ao gigante adormecido. Mais uma vez repetimos nosso periódico retorno à situação em que nos encontrávamos antes. Mais uma vez somos chamados a encarar os mesmos impasses, os mesmos impedimentos, os mesmos problemas, só que maiores e mais graves. Reduzido ao essencial, nosso muro dos anos 80/90 é praticamente o mesmo em 2018. Os personagens não são os mesmos, mas no essencial não são diferentes.

Vivíamos então a época dos pacotes, dos planos econômicos que se propunham a pôr ordem na casa de uma vez por todas e adquiriam o nome de seus autores: depois do Plano Cruzado I e II, o Plano Bresser, Plano Verão (Sarney); o Plano Collor I e II, para chegar ao Plano Real (FHC). Naquela época discutia-se a modernização do País. Tínhamos um ministério para a desburocratização; havia a convicção de que era preciso atrair investimentos externos, privatizar empresas estatais, reduzir a intervenção do Estado na economia, modernizar as relações trabalhistas, investir em infraestrutura, reduzir gastos públicos, reformar a Previdência, controlar a inflação, extirpar a corrupção. Uma agenda semelhante à que temos hoje, a comprovar que as mudanças não foram feitas e, quando feitas, não passaram de remendos. Remendos como as reformas que com grande custo passaram no Congresso em 2017; remendos, pois, ontem como hoje, as intenções de reformar cediam com enorme facilidade às pressões políticas que as desaconselhavam.

No Brasil, quando se chega a um impasse no Legislativo, que sem pudor foge da responsabilidade de decidir matérias controvertidas, todo o talento dos governantes e políticos é usado para remover dos projetos seus aspectos mais onerosos politicamente, postergando sua votação, por mais urgentes, impreteríveis, inadiáveis que sejam, já que “assim como estão não passariam” e “não é prudente desafiar os eleitores” em ano de eleição. O que é difícil fica para mais tarde e para os outros.


Neste ciclo entrópico de “eterno retorno”, desperdiçamos repetidamente o grande recurso de que se dispõe para governar, o tempo – a capacidade de antecipação, o alerta de Nabuco em 1870: “O pouco serve hoje, o muito amanhã não basta”, como relembrou oportunamente editorial do Estado de 21/8, ao tratar do preço pago pela procrastinação das decisões inadiáveis.

Nesta nova reconstituição do ciclo entrópico, saudado com alegria patológica pelos que dançam à beira do abismo, há, contudo, alguns componentes novos, segregados pelo organismo enfermo da Pátria. Desde logo significa um grave agravamento de uma crise muito grave (é preciso ser pleonástico).

Esta crise não surgiu. Foi provocada por aqueles que nos governam. Ela resulta de uma deliberada decisão de apropriação partidária e pessoal dos recursos públicos pelo PT, então na titularidade do governo, e da aliança de partidos eufemisticamente referidos como membros de um “presidencialismo de coalizão”. As características estruturais básicas do governo neste período de 15 anos são as mesmas de três décadas atrás: nossa forma especial de patrimonialismo – o paradigma estrutural do Estado hegemônico – em que tudo o que governo, classe política e organizações sociais fazem emana ou se dirige ao Estado, que se constitui na própria lógica da política no Brasil.

A sobrevivência deste paradigma ao longo dos 500 anos da nossa História se deve ao fato de que os modelos políticos que se sucedem, em resposta às mudanças conjunturais, são com ele compatíveis e os não compatíveis jamais alcançam o poder. Em conformidade com essa realidade histórica, movimentos e partidos políticos de direita, esquerda e de centro podem divergir em tudo, menos na necessidade de se apropriar do Estado para comandar a economia e a política nacional.

O Estado brasileiro, na sua atual condição de funcionamento, preenche quase plenamente uma de suas principais funções, ainda que encoberta por farta retórica ilusionista: a criação de empregos para a classe média e negociatas para as grandes empresas.

Curiosa, mas compreensivelmente, da situação de hegemonia do Estado sempre em crescimento emerge sua dupla condição de força e fraqueza. Força porque chegamos a uma situação em que apenas e tão somente o Estado pode remover o Estado da economia. E debilidade porque, apesar de todo esse poder, será forçado a abrir espaços que hoje ocupa na economia e na administração, por absoluta incapacidade de exercer as funções que acumulou.

Nossos verdadeiros problemas ciclicamente reincidentes não conseguem ser resolvidos porque integram a órbita das atribuições do Estado patrimonialista que ainda mantemos e são consequência inevitável desse paradigma estrutural. A mera menção de alguns deles explica por que não só não são enfrentados, como são agravados pela sua periódica reiteração: 1) Burocracia partidarizada, enorme, excessivamente cara, de baixa competência; 2) déficits permanentes e crescentes sem possibilidade de correção. Cortar despesas é anátema, mas sem cortá-las não há como recuperar a saúde econômica; 3) indicadores de saúde, segurança e educação em angustiante decadência; 4) federalismo inviabilizado, financeiramente quebrado, pela centralização, corrupção e despesas de pessoal; 5) infraestrutura insuficiente, danificada e em grande parte obsoleta; 6) sentimentos de decepção, desesperança e desconfiança da população em relação a classe política, governo, instituições e promessas; 7) centralização da decisão, do financiamento e da execução.

Com esse reduzido, ainda que gravíssimo, rosário de problemas o País se prepara para entregar a responsabilidade para enfrentá-los à nova administração, que, a julgar pelos precedentes, dependerá da mesma ineficiente estrutura política e estatal responsável pela crise em que estamos jogados.

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