quarta-feira, 21 de julho de 2021
Bom Dia, Coreia do Norte: A TV Brasil nas mãos do bolsonarismo
A TV Brasil foi criada com a promessa de se tornar uma BBC brasileira. Nunca chegou perto disso — e agora virou um arremedo da emissora estatal da Coreia do Norte.
O canal prepara o lançamento de um telejornal só com “boas notícias”. O programa convidará o telespectador a passear num país imaginário, onde não existe fome, pandemia, inflação ou desemprego.
A nova atração ainda não foi ao ar, mas a TV Brasil já opera como um veículo de propaganda do bolsonarismo. Até o Sem Censura, herança da antiga TVE, foi rebaixado à categoria de programa chapa-branca. Deixou de promover debates para amplificar as vozes do regime.
Na segunda-feira, o canal promoveu mais um espetáculo de governismo. Anunciou uma “entrevista exclusiva” com Bolsonaro, mas transmitiu uma peça de campanha paga com dinheiro dos impostos.
Se havia alguma dúvida sobre o programa, ela desapareceu logo na segunda “pergunta”. A apresentadora exaltou as viagens do presidente e emendou: “Eu queria que o senhor falasse um pouco desse contato direto com a população...”.
Bolsonaro teve 35 minutos para fazer proselitismo em rede nacional. Prometeu aumentar o Bolsa Família, asfaltar estradas, distribuir terras e levar internet aos pobres. Ele também usou o palanque eletrônico para mentir sobre a Covid. “A vacina tem dado mostras de que ela não te protege”, disse. Todos os imunizantes aplicados no país foram aprovados pela Anvisa, que atestou sua segurança e eficácia.
Em outra passagem, o presidente voltou a destilar preconceito contra povos indígenas. “Tem índio que quando você conversa ele já está tão evoluído quanto um de nós”, afirmou. Os índios não foram procurados para se defender da comparação.
Numa frase, Bolsonaro escancarou que vê o canal público como instrumento de promoção pessoal: “Eu podia falar todo dia aqui”. No fim da “entrevista”, foi encorajado a deixar “um recado para o pessoal da Amazônia”. Falou sem interrupções durante 14 minutos, uma eternidade para os padrões televisivos.
O canal prepara o lançamento de um telejornal só com “boas notícias”. O programa convidará o telespectador a passear num país imaginário, onde não existe fome, pandemia, inflação ou desemprego.
A nova atração ainda não foi ao ar, mas a TV Brasil já opera como um veículo de propaganda do bolsonarismo. Até o Sem Censura, herança da antiga TVE, foi rebaixado à categoria de programa chapa-branca. Deixou de promover debates para amplificar as vozes do regime.
Na segunda-feira, o canal promoveu mais um espetáculo de governismo. Anunciou uma “entrevista exclusiva” com Bolsonaro, mas transmitiu uma peça de campanha paga com dinheiro dos impostos.
Se havia alguma dúvida sobre o programa, ela desapareceu logo na segunda “pergunta”. A apresentadora exaltou as viagens do presidente e emendou: “Eu queria que o senhor falasse um pouco desse contato direto com a população...”.
Bolsonaro teve 35 minutos para fazer proselitismo em rede nacional. Prometeu aumentar o Bolsa Família, asfaltar estradas, distribuir terras e levar internet aos pobres. Ele também usou o palanque eletrônico para mentir sobre a Covid. “A vacina tem dado mostras de que ela não te protege”, disse. Todos os imunizantes aplicados no país foram aprovados pela Anvisa, que atestou sua segurança e eficácia.
Em outra passagem, o presidente voltou a destilar preconceito contra povos indígenas. “Tem índio que quando você conversa ele já está tão evoluído quanto um de nós”, afirmou. Os índios não foram procurados para se defender da comparação.
Numa frase, Bolsonaro escancarou que vê o canal público como instrumento de promoção pessoal: “Eu podia falar todo dia aqui”. No fim da “entrevista”, foi encorajado a deixar “um recado para o pessoal da Amazônia”. Falou sem interrupções durante 14 minutos, uma eternidade para os padrões televisivos.
O capitão ficou tão à vontade que convidou os telespectadores para sua próxima “motociata”. Se assistisse à TV Brasil, o camarada Kim Jong-un morreria de inveja.
Quem mandou patrocinar?
Uma parte dessa classe (política) tem-nos enxergado como peões — sacrificáveis — no tabuleiro de um jogo de interesses. Não o somos! Sempre estivemos prontos para participar do processo de construção do país, desde que nossos movimentos se alinhassem com o regramento constitucionalOtávio do Rêgo Barros, general da reserva ex-porta-voz da Presidência
No altar da politicagem
O vice-presidente Hamilton Mourão foi a Angola para participar da reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, mas, “por orientação do presidente” Jair Bolsonaro, aproveitou a viagem para tentar intervir num escândalo envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus. Ou seja, usou recursos públicos e sua posição institucional de Estado para cuidar de assuntos exclusivamente privados. Tudo isso a mando do chefe do Executivo.
E não foram assuntos quaisquer. A Universal passa por uma crise em Angola desde 2019, quando integrantes angolanos da igreja se rebelaram contra a direção brasileira da seita naquele país. Eles divulgaram um manifesto em que acusam o comando da Universal de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, associação criminosa e racismo. Em seguida, os angolanos tomaram parte dos templos e assumiram o controle da Universal no país.
Além disso, a TV Record, emissora ligada à Universal, foi forçada a sair do ar em Angola porque, segundo o governo, violou normas que proíbem estrangeiros no comando de TVs locais.
Como consequência do escândalo, o governo angolano começou a deportar missionários brasileiros da Universal, e corre processo na Justiça local contra os antigos comandantes da igreja em Angola.
Os problemas da Universal em Angola só dizem respeito à igreja. O máximo que o governo brasileiro deveria fazer no caso é se assegurar de que os compatriotas sejam bem tratados e que tenham toda a assistência jurídica de que necessitam – o que qualquer diplomata pode fazer.
Mas a Igreja Universal recebe do presidente Bolsonaro um tratamento vip. A iniciativa de enviar o vice-presidente Mourão para conversar com o governo angolano sobre o assunto foi apenas o mais recente de uma série de gestos de Bolsonaro para interceder em favor da Universal.
No final de 2019, o então chanceler, Ernesto Araújo, em visita a Angola, declarou que a Igreja Universal é uma “entidade extremamente importante para o Brasil”. Em julho de 2020, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente de Angola, João Lourenço, na qual pediu “proteção” aos integrantes brasileiros da Universal no país. Em maio passado, o chanceler Carlos França convocou o embaixador de Angola, Florêncio Almeida, para pedir-lhe explicações sobre as deportações.
No mesmo mês, em encontro com a bancada evangélica no Itamaraty, o chanceler informou que intercederia junto ao governo angolano para que recebesse uma comitiva de parlamentares e de líderes da Universal.
Em junho, Bolsonaro indicou Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal e sobrinho do dono da igreja, Edir Macedo, para a Embaixada do Brasil na África do Sul, num movimento visto entre diplomatas como destinado a ajudar a igreja. Crivella ainda não pôde assumir o posto porque, como acusado de corrupção durante sua gestão como prefeito do Rio, teve seu passaporte retido.
Todo esse esforço do governo para socorrer a Universal chegou ao ápice agora com a visita do vice-presidente Mourão. Em Angola, ele declarou à agência Lusa que “essa questão da Universal aqui afeta o governo e a sociedade brasileiros, pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui”.
Quando o governo brasileiro dá à Universal uma importância que a seita não tem, diz menos sobre as agruras da igreja do que sobre as aflições de Bolsonaro. Com a popularidade em baixa e acossado por denúncias de corrupção e de inépcia na condução do combate à pandemia, Bolsonaro tenta manter a todo custo o apoio que tem entre evangélicos.
Ou seja, nada sobre esse imbróglio tem a ver com o interesse público. Além dos negócios da Universal, estão em jogo os interesses particulares de Bolsonaro, explorados pelos “aliados” que hoje o mantêm como refém no Congresso – isto é, os partidos do Centrão, entre os quais está o Republicanos, “que representa o pessoal da Igreja Universal”, como bem disse o vice Mourão. Essa genuflexão de Bolsonaro ante a Universal mostra que o presidente não hesita em sacrificar o Estado brasileiro no altar da politicagem em troca de uma vaga promessa de salvação pessoal.
E não foram assuntos quaisquer. A Universal passa por uma crise em Angola desde 2019, quando integrantes angolanos da igreja se rebelaram contra a direção brasileira da seita naquele país. Eles divulgaram um manifesto em que acusam o comando da Universal de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, associação criminosa e racismo. Em seguida, os angolanos tomaram parte dos templos e assumiram o controle da Universal no país.
Além disso, a TV Record, emissora ligada à Universal, foi forçada a sair do ar em Angola porque, segundo o governo, violou normas que proíbem estrangeiros no comando de TVs locais.
Como consequência do escândalo, o governo angolano começou a deportar missionários brasileiros da Universal, e corre processo na Justiça local contra os antigos comandantes da igreja em Angola.
Os problemas da Universal em Angola só dizem respeito à igreja. O máximo que o governo brasileiro deveria fazer no caso é se assegurar de que os compatriotas sejam bem tratados e que tenham toda a assistência jurídica de que necessitam – o que qualquer diplomata pode fazer.
Mas a Igreja Universal recebe do presidente Bolsonaro um tratamento vip. A iniciativa de enviar o vice-presidente Mourão para conversar com o governo angolano sobre o assunto foi apenas o mais recente de uma série de gestos de Bolsonaro para interceder em favor da Universal.
No final de 2019, o então chanceler, Ernesto Araújo, em visita a Angola, declarou que a Igreja Universal é uma “entidade extremamente importante para o Brasil”. Em julho de 2020, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente de Angola, João Lourenço, na qual pediu “proteção” aos integrantes brasileiros da Universal no país. Em maio passado, o chanceler Carlos França convocou o embaixador de Angola, Florêncio Almeida, para pedir-lhe explicações sobre as deportações.
No mesmo mês, em encontro com a bancada evangélica no Itamaraty, o chanceler informou que intercederia junto ao governo angolano para que recebesse uma comitiva de parlamentares e de líderes da Universal.
Em junho, Bolsonaro indicou Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal e sobrinho do dono da igreja, Edir Macedo, para a Embaixada do Brasil na África do Sul, num movimento visto entre diplomatas como destinado a ajudar a igreja. Crivella ainda não pôde assumir o posto porque, como acusado de corrupção durante sua gestão como prefeito do Rio, teve seu passaporte retido.
Todo esse esforço do governo para socorrer a Universal chegou ao ápice agora com a visita do vice-presidente Mourão. Em Angola, ele declarou à agência Lusa que “essa questão da Universal aqui afeta o governo e a sociedade brasileiros, pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui”.
Quando o governo brasileiro dá à Universal uma importância que a seita não tem, diz menos sobre as agruras da igreja do que sobre as aflições de Bolsonaro. Com a popularidade em baixa e acossado por denúncias de corrupção e de inépcia na condução do combate à pandemia, Bolsonaro tenta manter a todo custo o apoio que tem entre evangélicos.
Ou seja, nada sobre esse imbróglio tem a ver com o interesse público. Além dos negócios da Universal, estão em jogo os interesses particulares de Bolsonaro, explorados pelos “aliados” que hoje o mantêm como refém no Congresso – isto é, os partidos do Centrão, entre os quais está o Republicanos, “que representa o pessoal da Igreja Universal”, como bem disse o vice Mourão. Essa genuflexão de Bolsonaro ante a Universal mostra que o presidente não hesita em sacrificar o Estado brasileiro no altar da politicagem em troca de uma vaga promessa de salvação pessoal.
Jair Bolsonaro é Centrão; Jair Bolsonaro é Cifrão
A ida de Ciro Nogueira para o Ministério da Casa Civil e a criação do Ministério do Trabalho (esse é o nome verdadeiro da joça, não importa como a chamem), renascido de uma costela da pasta da Economia e chefiado por Onyx Lorenzoni, não é reforma ministerial, mas dique contra a abertura do processo de impeachment de Jair Bolsonaro. O Centrão vem cobrando um preço cada vez mais alto para manter o presidente no cargo, desde que estouraram os escândalos das vacinas e expoentes seus, como o próprio Ciro Nogueira, Arthur Lira e Ricardo Barros viram-se enredados nas negociações nebulosas em torno da compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.
Além de citar Ricardo Barros, líder do governo, na conversa em que o deputado Luis Miranda e o seu irmão, Luis Ricardo, denunciaram o esquema em andamento na compra da Covaxin, o presidente da República teria citado Ciro Nogueira e Arthur Lira como supostos envolvidos na maracutaia. Isso tem um preço, e ele agora pode ser verificado com o que vem sendo chamado impropriamente de reforma ministerial.
Com Ciro Nogueira na Casa Civil e a criação de uma nova pasta na área econômica, que até então procurava (não muito) resistir à insaciabilidade do Centrão, abrem-se ainda mais as comportas para o fisiologismo que Jair Bolsonaro prometeu exterminar durante a sua campanha. O estelionato eleitoral perpetrado em 2018 fica ainda mais evidente. Para além de ceder ao fisiologismo que lhe garantirá o atual mandato, o presidente da República torna-se ainda mais refém do Centrão para tentar reeleger-se em 2022. Tudo ficará mais fácil com a Casa Civil comandada por Ciro Nogueira e o Ministério do Trabalho chefiado por Onyx Lorenzoni: as articulações com o objetivo de comprar votos por meio do assistencialismo, que é prática sistemática dessa vanguarda do atraso que domina a vida nacional, e a aquisição (o termo é perfeito) dos sindicalistas de resultados, que querem ver as suas mamatas restabelecidas, em troca de apoio político.
Jair Bolsonaro é Centrão. Jair Bolsonaro é Cifrão.
Além de citar Ricardo Barros, líder do governo, na conversa em que o deputado Luis Miranda e o seu irmão, Luis Ricardo, denunciaram o esquema em andamento na compra da Covaxin, o presidente da República teria citado Ciro Nogueira e Arthur Lira como supostos envolvidos na maracutaia. Isso tem um preço, e ele agora pode ser verificado com o que vem sendo chamado impropriamente de reforma ministerial.
Com Ciro Nogueira na Casa Civil e a criação de uma nova pasta na área econômica, que até então procurava (não muito) resistir à insaciabilidade do Centrão, abrem-se ainda mais as comportas para o fisiologismo que Jair Bolsonaro prometeu exterminar durante a sua campanha. O estelionato eleitoral perpetrado em 2018 fica ainda mais evidente. Para além de ceder ao fisiologismo que lhe garantirá o atual mandato, o presidente da República torna-se ainda mais refém do Centrão para tentar reeleger-se em 2022. Tudo ficará mais fácil com a Casa Civil comandada por Ciro Nogueira e o Ministério do Trabalho chefiado por Onyx Lorenzoni: as articulações com o objetivo de comprar votos por meio do assistencialismo, que é prática sistemática dessa vanguarda do atraso que domina a vida nacional, e a aquisição (o termo é perfeito) dos sindicalistas de resultados, que querem ver as suas mamatas restabelecidas, em troca de apoio político.
Jair Bolsonaro é Centrão. Jair Bolsonaro é Cifrão.
Precisamos de proteção climática, e não de turismo espacial
Eu me importo com o futuro, portanto me importo com o clima. Pertenço à vasta maioria dos cidadãos globais que, como demonstram tantas enquetes, está apreensiva com a direção para onde está indo o planeta, e entende a urgência e a natureza existencial da emergência climática iminente. As recentes inundações catastróficas na Europa Central e as temperaturas extremamente elevadas na América do Norte são apenas dois sintomas dessa ameaça.
Então, na minha família, nós fazemos algo a respeito, economizando e apertando o nosso orçamento carbônico: andamos a pé ou de bicicleta, em vez de de carro; comemos drasticamente menos carne do que a família média nos países industrializados; dispensamos aquela viagem transatlântica, mesmo querendo muito; cuidamos para não desperdiçar comida, além de compostarmos nossas sobras.
E aí, um ricaço dá uma volta pelo espaço, só para se divertir. Uma coisa incrivelmente egoísta, ou não? E que realmente desvaloriza, tanto do ponto de vista moral como material, os nossos esforços para proteger o clima.
A motivação para se agir contra a mudança climática definha quando se vê outros fazendo o que lhes dá na telha, sem atentar para as consequências. Para além dessa desmoralização, há a pegada carbônica concreta do turismo espacial.
1 hora e meia no espaço = quase 5 mil km de carro
Vejam só, eu não sou contra viagens espaciais, em princípio. Na verdade, sou até meio nerd da ficção científica, e fico super animada com as possibilidades de explorar o espaço. E sabe-se que todo turismo, mesmo na Terra, resulta em emissões de CO2. Não pretendo dizer que o turismo não deveria existir; mas o problema do turismo espacial é a proporção.
Tomemos como exemplo o voo da Virgin Galactic, de Richard Branson, em 11 de julho. A companhia afirma que as emissões carbônicas dessa volta suborbital de 160 quilômetros correspondem, mais ou menos, às de um passageiro numa viagem transatlântica de jato de ida e volta.
Segundo as informações disponíveis ao público, um voo de Londres a Nova York libera cerca de 1,24 tonelada métrica de CO2. Dito de outra maneira, uma voltinha de uma hora e meia pelo espaço foi o equivalente a dirigir 4.800 quilômetros num automóvel comum.
Se a Virgin Galactic está adicionando toda essa quilometragem de emissões carbônicas por um simples passeio para seis pessoas, isso desvaloriza os esforços de proteção ao clima – tanto do ponto de vista pessoal como da política. O problema pode se tornar especialmente agudo se o turismo espacial disparar, como tudo indica que em breve acontecerá: já foram feitas mais de 200 reservas com a Virgin Galactic, por preços que vão de 200 mil a 250 mil dólares por cabeça.
A empresa de Branson diz que atenta para a sustentabilidade ambiental – embora sem especificar o que isso envolve. Acho essa alegação muito duvidosa, sobretudo perante a pegada carbônica de seus voos.
Pelo menos bilionário Jeff Bezos, da Amazon, não tem só belas palavras para o meio ambiente: os foguetes de sua firma de viagem aeroespacial, a Blue Origin, são movidos a hidrogênio, que não emite dióxido de carbono. Mas não ignoremos o fato de que, embora possa ser produzido usando-se energia renovável, no momento o hidrogênio é gerado basicamente através da queima de – isso mesmo – combustíveis fósseis.
Uma proposta para os cowboys do espaço
É irônico: a imagem do planeta Terra visto a partir de sua órbita – uma joia de vida em meio ao vazio negro do espaço – tem a fama de inspirar o movimento ambiental contemporâneo. E agora a Blue Origin diz que sua visão é fazer o bem à Terra.
Com toda certeza foi essa a motivação para leiloar por 28 milhões de dólares uma passagem em seu voo atual a um super-rico arrematador secreto (o qual depois adiou sua participação para uma viagem futura). É para lá de irônico: eu diria que é cinismo.
Se as companhias de turismo espacial desejam realmente fazer jus às suas alegações verdes, sugiro o seguinte: para cada voo aeroespacial com turistas, que elas invistam uma quantia igual na proteção do clima. Desse modo, ricaços podem ter o barato deles, enquanto nós também tentamos consertar o clima.
O turismo espacial só deveria ser possível em troca de uma megacompensação, que garantisse um futuro nesta cintilante joia azul, verde e marrom. Afinal de contas, ela é a fonte das nossas vidas, e o único planeta capaz de nos manter.
Sonya Diehn
Então, na minha família, nós fazemos algo a respeito, economizando e apertando o nosso orçamento carbônico: andamos a pé ou de bicicleta, em vez de de carro; comemos drasticamente menos carne do que a família média nos países industrializados; dispensamos aquela viagem transatlântica, mesmo querendo muito; cuidamos para não desperdiçar comida, além de compostarmos nossas sobras.
E aí, um ricaço dá uma volta pelo espaço, só para se divertir. Uma coisa incrivelmente egoísta, ou não? E que realmente desvaloriza, tanto do ponto de vista moral como material, os nossos esforços para proteger o clima.
A motivação para se agir contra a mudança climática definha quando se vê outros fazendo o que lhes dá na telha, sem atentar para as consequências. Para além dessa desmoralização, há a pegada carbônica concreta do turismo espacial.
1 hora e meia no espaço = quase 5 mil km de carro
Vejam só, eu não sou contra viagens espaciais, em princípio. Na verdade, sou até meio nerd da ficção científica, e fico super animada com as possibilidades de explorar o espaço. E sabe-se que todo turismo, mesmo na Terra, resulta em emissões de CO2. Não pretendo dizer que o turismo não deveria existir; mas o problema do turismo espacial é a proporção.
Tomemos como exemplo o voo da Virgin Galactic, de Richard Branson, em 11 de julho. A companhia afirma que as emissões carbônicas dessa volta suborbital de 160 quilômetros correspondem, mais ou menos, às de um passageiro numa viagem transatlântica de jato de ida e volta.
Segundo as informações disponíveis ao público, um voo de Londres a Nova York libera cerca de 1,24 tonelada métrica de CO2. Dito de outra maneira, uma voltinha de uma hora e meia pelo espaço foi o equivalente a dirigir 4.800 quilômetros num automóvel comum.
Se a Virgin Galactic está adicionando toda essa quilometragem de emissões carbônicas por um simples passeio para seis pessoas, isso desvaloriza os esforços de proteção ao clima – tanto do ponto de vista pessoal como da política. O problema pode se tornar especialmente agudo se o turismo espacial disparar, como tudo indica que em breve acontecerá: já foram feitas mais de 200 reservas com a Virgin Galactic, por preços que vão de 200 mil a 250 mil dólares por cabeça.
A empresa de Branson diz que atenta para a sustentabilidade ambiental – embora sem especificar o que isso envolve. Acho essa alegação muito duvidosa, sobretudo perante a pegada carbônica de seus voos.
Pelo menos bilionário Jeff Bezos, da Amazon, não tem só belas palavras para o meio ambiente: os foguetes de sua firma de viagem aeroespacial, a Blue Origin, são movidos a hidrogênio, que não emite dióxido de carbono. Mas não ignoremos o fato de que, embora possa ser produzido usando-se energia renovável, no momento o hidrogênio é gerado basicamente através da queima de – isso mesmo – combustíveis fósseis.
Uma proposta para os cowboys do espaço
É irônico: a imagem do planeta Terra visto a partir de sua órbita – uma joia de vida em meio ao vazio negro do espaço – tem a fama de inspirar o movimento ambiental contemporâneo. E agora a Blue Origin diz que sua visão é fazer o bem à Terra.
Com toda certeza foi essa a motivação para leiloar por 28 milhões de dólares uma passagem em seu voo atual a um super-rico arrematador secreto (o qual depois adiou sua participação para uma viagem futura). É para lá de irônico: eu diria que é cinismo.
Se as companhias de turismo espacial desejam realmente fazer jus às suas alegações verdes, sugiro o seguinte: para cada voo aeroespacial com turistas, que elas invistam uma quantia igual na proteção do clima. Desse modo, ricaços podem ter o barato deles, enquanto nós também tentamos consertar o clima.
O turismo espacial só deveria ser possível em troca de uma megacompensação, que garantisse um futuro nesta cintilante joia azul, verde e marrom. Afinal de contas, ela é a fonte das nossas vidas, e o único planeta capaz de nos manter.
Sonya Diehn
Sem pé nem cabeça
A obstrução intestinal do Capitão chama-se Luís Inácio Lula da Silva, CPI da Covid e roubalheira no Ministério da Saúde. Sucessivas pesquisas eleitorais dão vitória a Lula em 2022 e tiram o pouco equilíbrio que um dia restou a Bolsonaro. Lula acua o PR. Juntado à CPI e ao inacreditável fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, aprovado pelo Congresso, semana passada.
Num país de miseráveis e desempregados, inflação em alta, não há como justificar essa grana para campanhas eleitorais. Não há desculpa. Bolsonaro quis jogar a bomba no colo do Parlamento. Ora, sua base e os filhos Eduardo e Flávio estavam de acordo e votaram a favor do fundo bilionário. Será difícil vetar sem criar nova crise política.
Cada vez mais complicada a vida do PR. Mais uma vez, desencavou a facada de 2018, desfechada durante campanha eleitoral, por um sujeito desequilibrado, em Juiz de Fora (MG). O Capitão e seus filhos cibernéticos não perderam a oportunidade da obstrução intestinal (razão alegada da internação de Bolsonaro, semana passada), para acusar a oposição.
Os Bolsonaro só convencem os seguidores, que mugiram muito na semana passada. Assombrados por Lula, apostam em Adélio Bispo de Oliveira para 2022. Misturam nos twitters PSOL (Adélio foi filiado ao partido, e daí?) e PT para tirar proveito político da facada de 2018. Naquele ano, o gesto insano de Adélio levou o Capitão para o segundo turno. Em 2022, será diferente.
Adélio agiu sozinha, diz a PF. Tem transtorno mental delirante persistente, diz a Justiça. É considerado inimputável. e está internado por tempo indeterminado em instituição psiquiátrica. Acabou aí. O resto é história da carochinha que Bolsonaro bateu e rebateu na sua discutível internação da última semana.
No dia seguinte às “fortes dores” que o levaram ao hospital das Forças Armadas, em Brasilia, e, em seguida, ao Vila Nova Star, em SP, Bolsonaro literalmente passeou pelos corredores do hospital, sem máscara, fazendo selfies e lives, expondo pacientes e profissionais ao coronavírus.
O Vila Nova Star, com seus lençóis de 400 fios, camas inteligentes, serviço de hotel de luxo, fez nada para impedir as andanças do Capitão, incluindo visitas a pacientes, sempre sem máscara. De propriedade do bilionário amigo Jorge Moll, o hospital serviu de cenário para mais um escarcéu de Bolsonaro e a facada de Adélio. Restaram dúvidas.
De mal a pior, Bolsonaro vai perdendo a razão e a eleição futura. Quase impossível uma reeleição. Duro será esperar até janeiro de 2023 para comemorarmos um novo governo com pé, cabeça e rumo.
Num país de miseráveis e desempregados, inflação em alta, não há como justificar essa grana para campanhas eleitorais. Não há desculpa. Bolsonaro quis jogar a bomba no colo do Parlamento. Ora, sua base e os filhos Eduardo e Flávio estavam de acordo e votaram a favor do fundo bilionário. Será difícil vetar sem criar nova crise política.
Cada vez mais complicada a vida do PR. Mais uma vez, desencavou a facada de 2018, desfechada durante campanha eleitoral, por um sujeito desequilibrado, em Juiz de Fora (MG). O Capitão e seus filhos cibernéticos não perderam a oportunidade da obstrução intestinal (razão alegada da internação de Bolsonaro, semana passada), para acusar a oposição.
Os Bolsonaro só convencem os seguidores, que mugiram muito na semana passada. Assombrados por Lula, apostam em Adélio Bispo de Oliveira para 2022. Misturam nos twitters PSOL (Adélio foi filiado ao partido, e daí?) e PT para tirar proveito político da facada de 2018. Naquele ano, o gesto insano de Adélio levou o Capitão para o segundo turno. Em 2022, será diferente.
Adélio agiu sozinha, diz a PF. Tem transtorno mental delirante persistente, diz a Justiça. É considerado inimputável. e está internado por tempo indeterminado em instituição psiquiátrica. Acabou aí. O resto é história da carochinha que Bolsonaro bateu e rebateu na sua discutível internação da última semana.
No dia seguinte às “fortes dores” que o levaram ao hospital das Forças Armadas, em Brasilia, e, em seguida, ao Vila Nova Star, em SP, Bolsonaro literalmente passeou pelos corredores do hospital, sem máscara, fazendo selfies e lives, expondo pacientes e profissionais ao coronavírus.
O Vila Nova Star, com seus lençóis de 400 fios, camas inteligentes, serviço de hotel de luxo, fez nada para impedir as andanças do Capitão, incluindo visitas a pacientes, sempre sem máscara. De propriedade do bilionário amigo Jorge Moll, o hospital serviu de cenário para mais um escarcéu de Bolsonaro e a facada de Adélio. Restaram dúvidas.
De mal a pior, Bolsonaro vai perdendo a razão e a eleição futura. Quase impossível uma reeleição. Duro será esperar até janeiro de 2023 para comemorarmos um novo governo com pé, cabeça e rumo.
Semipresidencialismo é um velho golpe
O tucanato, responsável pelo envenenamento do regime presidencialista brasileiro ao patrocinar o instituto da reeleição, voltou a namorar com o parlamentarismo. Chamam-no de semipresidencialismo por uma questão de pudor.
De 1989 para cá, o regime democrático brasileiro elegeu cinco presidentes e defenestrou dois: Fernando Collor e Dilma Rousseff. Contudo Dilma 2.0 foi produzida pelo mecanismo da reeleição e pela tibieza de Lula, que não lhe pediu a vaga na chapa no pleito de 2010.
Uma experiência fracassada no século passado e rejeitada em dois plebiscitos não bastou para que um pedaço do andar de cima nacional desistisse da ideia.
Nesse namoro, juntam-se dois blocos. Num, estão os parlamentaristas sinceros; no outro, aqueles que temem uma vitória eleitoral de Lula. Em 1994, quando ele parecia ser uma ameaça, a revisão constitucional encurtou o mandato do presidente de cinco para quatro anos. Numa trapaça da História, Lula acabou beneficiado pelo dispositivo da reeleição que garantiu um segundo mandato a Fernando Henrique Cardoso e, em vez de cinco anos, acabou governando por oito, de 2003 a 2011, sem abalar as instituições ou balançar o coreto do andar de cima. Beneficiado pela mágica tucana, o PT reelegeu não só Lula, mas também Dilma Rousseff.
A ideia de que o semipresidencialismo limitaria os poderes de Jair Bolsonaro num eventual segundo mandato é golpista e pobre. É golpista porque cheira ao truque de 1961, quando foi instituído o parlamentarismo para permitir a posse do vice-presidente João Goulart. É pobre porque um Bolsonaro, uma vez reeleito, mastigaria o regime, como Goulart mastigou-o.
Os defensores do semipresidencialismo dizem que ele amenizaria as crises: em vez de cair o presidente, cairia o primeiro-ministro. Vira e mexe, apresenta-se a matriz do regime francês, criado pelo general Charles de Gaulle. Trata-se de uma falsidade histórica. O que De Gaulle fez na França foi o contrário, reciclou um parlamentarismo que ia de crise em crise, fortalecendo a figura do presidente. Ganha um fim de semana em Brasília quem souber o nome dos três últimos primeiros-ministros franceses. (Jean Castex, Édouard Philippe e Bernard Cazeneuve.)
A maior demonstração de que a proposta é apenas um truque está no fato de o ex-presidente Michel Temer defendê-la, argumentando que a praticou enquanto esteve no cargo. Ele governou olhando para o Congresso, respeitando os adversários e amortecendo crises. Se Jair Bolsonaro faz o contrário, o problema não está no regime, mas nele. Quem não quer vê-lo na cadeira poderá votar noutro candidato no ano que vem. Quem não quer ver Bolsonaro nem Lula terá tempo para achar um terceiro nome. Ciro Gomes e João Doria estão na pista.
De 1989 para cá, o regime democrático brasileiro elegeu cinco presidentes e defenestrou dois: Fernando Collor e Dilma Rousseff. Contudo Dilma 2.0 foi produzida pelo mecanismo da reeleição e pela tibieza de Lula, que não lhe pediu a vaga na chapa no pleito de 2010.
A máquina da política brasileira não rateia por causa do presidencialismo, mas pela possibilidade da reeleição. Ela transforma presidentes, governadores e prefeitos em mandatários que assumem as funções obcecados pela recondução.
Fernando Henrique Cardoso já reconheceu que, historicamente, cometeu um erro. Ele dizia não querê-la e, querendo-a, criou-a. Tanto Lula como Bolsonaro combateram a ideia da reeleição. Sentindo o quentinho da faixa, mudaram de ideia.
A pena de morte política para Bolsonaro
Nos últimos dias, quando o presidente Jair Bolsonaro foi internado com urgência por problemas intestinais, logo houve quem desejasse sua morte, lembrando que hoje ele é acusado de ser responsável por muitas vidas perdidas com sua política negacionista e desastrosa da pandemia.
É uma questão delicada e pessoal desejar a morte de um semelhante, por muitos que sejam os crimes que pesem sobre sua consciência. A pena de morte foi abolida na maior parte dos países civilizados, entre eles o Brasil, porque se considera que a vida deve prevalecer sobre a morte.
A Igreja Católica manteve a pena de morte no pequeno Estado do Vaticano até 1929. Foi abolida pelo papa Paulo VI em 1971, depois do Concílio Vaticano II, e só em 2001 foi excluída definitivamente das leis do Vaticano.
Estima-se que durante a Idade Média, principalmente durante a Inquisição, foram condenadas à morte pela Igreja 1.250 pessoas, segundo o historiador Andrea Del Col. São Tomás de Aquino, Doutor Universal da Igreja, defendia que se pudesse assassinar o tirano, pelo bem da comunidade.
Que Bolsonaro é a favor da tortura e da pena morte, é evidente para todos. Ainda hoje ele lamenta que a ditadura militar não tenha assassinado pelo menos mais 30.000 pessoas. Sua política está impregnada de destruição e morte.
Se hoje a abolição da pena de morte é considerada uma conquista civilizatória, o que não deve ser proibido é o desejo da morte política dos tiranos e ditadores que ameaçam a democracia e os valores fundamentais nos quais se baseia nossa civilização moderna. Eles devem ser condenados nas urnas, essas que o presidente tanto teme.
No Brasil, está claro que o presidente Bolsonaro atenta contra os valores da liberdade e da democracia, como bem revelou o trabalho investigativo “O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta”, realizado por sete jornalistas deste jornal e publicado no domingo. O estudo revela como o presidente vai minando dia a dia os fundamentos da democracia conquistada com tanto esforço após a ditadura militar.
Nestes casos em que um político coloca em perigo os valores da liberdade e ameaça todos os dias com um golpe militar, desejar sua morte política está mais do que justificado e é até um dever para aqueles que não renunciam a viver em liberdade.
O cenário montado em torno da hospitalização de Bolsonaro em São Paulo por seus problemas de soluço acabou se voltando contra ele. Ficou evidente que se destinou a fortalecer a campanha eleitoral, repetindo a instrumentalização feita com o atentado contra ele durante a campanha que o levou a poder em 2018. Desta vez, a campanha de mau gosto foi um tiro no pé, porque não só não despertou um movimento de compaixão, como também foi objeto de zombarias e piadas de todos os tons.
Segundo as primeiras sondagens, essa instrumentalização serviu, na verdade, para piorar seu declínio político. As redes sociais se divertiram muito produzindo memes e comentários jocosos sobre a montagem armada no hospital de luxo que o acolheu. Houve até comentários sangrentos lembrando que o presidente não só não se comoveu durante a pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, como também chegou a imitar o estertor dos doentes que estavam morrendo asfixiados em Manaus por falta de oxigênio, enquanto hoje está sendo descoberta uma suposta rede de corrupção dentro do Ministério da Saúde, à custa dos falecidos.
Desta vez, esse cenário no hospital de luxo de São Paulo foi visto e vivido pela maioria das pessoas mais como um espetáculo de marketing eleitoral do que com compaixão. Nem a entrevista que o presidente concedeu no hospital a uma TV amiga emocionou, obtendo pouca audiência.
Se sua operação após o atentado sofrido durante a campanha presidencial chegou a comover muitas pessoas, que acabaram votando nele por compaixão, e até o transformou em mito, desta vez o espetáculo, além de não convencer, foi objeto de comédia.
Aqueles que aconselham o presidente a fazer esses shows com suas doenças para despertar compaixão e empatia se equivocaram desta vez. Se o objetivo era criar uma vitimização para recuperar o consenso que está se perdendo, eles se enganaram. E o problema é que a partir de agora esse tipo de marketing eleitoral que apela para os sentimentos de compaixão das pessoas começou a se desfazer.
Hoje Bolsonaro é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. O presidente ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral, movendo sentimentos de compaixão, poderia se tornar um bumerangue contra ele.
O que fizeram, efetivamente, foi transformar seu mal-estar em chacota. Todos sabemos que a publicidade é hoje a alma do comércio, e até na política os bons marqueteiros são pagos a preço de ouro. Mas quando se tenta fazer essa publicidade explorando a dor e o sofrimento, ela acaba sendo contraproducente.
As pessoas, até as mais simples e sem cultura, podem ser enganadas uma vez, mas não duas. Essa publicidade fracassada das dores abdominais do presidente demonstraram isso. Que seus conselheiros publicitários estejam atentos, sejam seus filhos ou profissionais, porque as pessoas são mais inteligente do que imaginamos e sabem distinguir muito bem um drama verdadeiro de uma pura manobra para tentar ressuscitar o consenso político perdido.
Os brasileiros que sofreram e continuam sofrendo na pandemia as perdas de seus entes queridos dificilmente poderiam, neste momento, comover-se e chorar por ver o presidente padecer uma dor intestinal. E, como se sabe, quando a opinião pública se vê enganada e ludibriada uma vez, é difícil recuperar a confiança perdida.
As próximas manifestações nacionais marcadas para sábado poderão ser um termômetro para medir se roda essa montagem publicitária em torno da nova doença do presidente, que ele disse e repetiu até o cansaço que era consequência da facada recebida de um suposto “filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT”, serviu para aumentar ou diminuir o já clássico “Fora Bolsonaro”, que equivale a lhe desejar a pena de morte “política” para que o Brasil possa recuperar sua normalidade democrática, cada dia mais ameaçada por um presidente que insiste em aparecer como um mito e um messias enviado por Deus.
Os mitos, porém, acabam, as mentiras são descobertas, os valores triunfam no final sobre as farsas, e os instintos de vida e anseios de liberdade acabam prevalecendo, cedo ou tarde, contra as fúrias assassinas dos tiranos.
É uma questão delicada e pessoal desejar a morte de um semelhante, por muitos que sejam os crimes que pesem sobre sua consciência. A pena de morte foi abolida na maior parte dos países civilizados, entre eles o Brasil, porque se considera que a vida deve prevalecer sobre a morte.
A Igreja Católica manteve a pena de morte no pequeno Estado do Vaticano até 1929. Foi abolida pelo papa Paulo VI em 1971, depois do Concílio Vaticano II, e só em 2001 foi excluída definitivamente das leis do Vaticano.
Estima-se que durante a Idade Média, principalmente durante a Inquisição, foram condenadas à morte pela Igreja 1.250 pessoas, segundo o historiador Andrea Del Col. São Tomás de Aquino, Doutor Universal da Igreja, defendia que se pudesse assassinar o tirano, pelo bem da comunidade.
Que Bolsonaro é a favor da tortura e da pena morte, é evidente para todos. Ainda hoje ele lamenta que a ditadura militar não tenha assassinado pelo menos mais 30.000 pessoas. Sua política está impregnada de destruição e morte.
Se hoje a abolição da pena de morte é considerada uma conquista civilizatória, o que não deve ser proibido é o desejo da morte política dos tiranos e ditadores que ameaçam a democracia e os valores fundamentais nos quais se baseia nossa civilização moderna. Eles devem ser condenados nas urnas, essas que o presidente tanto teme.
No Brasil, está claro que o presidente Bolsonaro atenta contra os valores da liberdade e da democracia, como bem revelou o trabalho investigativo “O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta”, realizado por sete jornalistas deste jornal e publicado no domingo. O estudo revela como o presidente vai minando dia a dia os fundamentos da democracia conquistada com tanto esforço após a ditadura militar.
Nestes casos em que um político coloca em perigo os valores da liberdade e ameaça todos os dias com um golpe militar, desejar sua morte política está mais do que justificado e é até um dever para aqueles que não renunciam a viver em liberdade.
O cenário montado em torno da hospitalização de Bolsonaro em São Paulo por seus problemas de soluço acabou se voltando contra ele. Ficou evidente que se destinou a fortalecer a campanha eleitoral, repetindo a instrumentalização feita com o atentado contra ele durante a campanha que o levou a poder em 2018. Desta vez, a campanha de mau gosto foi um tiro no pé, porque não só não despertou um movimento de compaixão, como também foi objeto de zombarias e piadas de todos os tons.
Segundo as primeiras sondagens, essa instrumentalização serviu, na verdade, para piorar seu declínio político. As redes sociais se divertiram muito produzindo memes e comentários jocosos sobre a montagem armada no hospital de luxo que o acolheu. Houve até comentários sangrentos lembrando que o presidente não só não se comoveu durante a pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, como também chegou a imitar o estertor dos doentes que estavam morrendo asfixiados em Manaus por falta de oxigênio, enquanto hoje está sendo descoberta uma suposta rede de corrupção dentro do Ministério da Saúde, à custa dos falecidos.
Desta vez, esse cenário no hospital de luxo de São Paulo foi visto e vivido pela maioria das pessoas mais como um espetáculo de marketing eleitoral do que com compaixão. Nem a entrevista que o presidente concedeu no hospital a uma TV amiga emocionou, obtendo pouca audiência.
Se sua operação após o atentado sofrido durante a campanha presidencial chegou a comover muitas pessoas, que acabaram votando nele por compaixão, e até o transformou em mito, desta vez o espetáculo, além de não convencer, foi objeto de comédia.
Aqueles que aconselham o presidente a fazer esses shows com suas doenças para despertar compaixão e empatia se equivocaram desta vez. Se o objetivo era criar uma vitimização para recuperar o consenso que está se perdendo, eles se enganaram. E o problema é que a partir de agora esse tipo de marketing eleitoral que apela para os sentimentos de compaixão das pessoas começou a se desfazer.
Hoje Bolsonaro é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. O presidente ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral, movendo sentimentos de compaixão, poderia se tornar um bumerangue contra ele.
O que fizeram, efetivamente, foi transformar seu mal-estar em chacota. Todos sabemos que a publicidade é hoje a alma do comércio, e até na política os bons marqueteiros são pagos a preço de ouro. Mas quando se tenta fazer essa publicidade explorando a dor e o sofrimento, ela acaba sendo contraproducente.
As pessoas, até as mais simples e sem cultura, podem ser enganadas uma vez, mas não duas. Essa publicidade fracassada das dores abdominais do presidente demonstraram isso. Que seus conselheiros publicitários estejam atentos, sejam seus filhos ou profissionais, porque as pessoas são mais inteligente do que imaginamos e sabem distinguir muito bem um drama verdadeiro de uma pura manobra para tentar ressuscitar o consenso político perdido.
Os brasileiros que sofreram e continuam sofrendo na pandemia as perdas de seus entes queridos dificilmente poderiam, neste momento, comover-se e chorar por ver o presidente padecer uma dor intestinal. E, como se sabe, quando a opinião pública se vê enganada e ludibriada uma vez, é difícil recuperar a confiança perdida.
As próximas manifestações nacionais marcadas para sábado poderão ser um termômetro para medir se roda essa montagem publicitária em torno da nova doença do presidente, que ele disse e repetiu até o cansaço que era consequência da facada recebida de um suposto “filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT”, serviu para aumentar ou diminuir o já clássico “Fora Bolsonaro”, que equivale a lhe desejar a pena de morte “política” para que o Brasil possa recuperar sua normalidade democrática, cada dia mais ameaçada por um presidente que insiste em aparecer como um mito e um messias enviado por Deus.
Os mitos, porém, acabam, as mentiras são descobertas, os valores triunfam no final sobre as farsas, e os instintos de vida e anseios de liberdade acabam prevalecendo, cedo ou tarde, contra as fúrias assassinas dos tiranos.
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