quarta-feira, 21 de julho de 2021

Semipresidencialismo é um velho golpe

O tucanato, responsável pelo envenenamento do regime presidencialista brasileiro ao patrocinar o instituto da reeleição, voltou a namorar com o parlamentarismo. Chamam-no de semipresidencialismo por uma questão de pudor.

Uma experiência fracassada no século passado e rejeitada em dois plebiscitos não bastou para que um pedaço do andar de cima nacional desistisse da ideia.

Nesse namoro, juntam-se dois blocos. Num, estão os parlamentaristas sinceros; no outro, aqueles que temem uma vitória eleitoral de Lula. Em 1994, quando ele parecia ser uma ameaça, a revisão constitucional encurtou o mandato do presidente de cinco para quatro anos. Numa trapaça da História, Lula acabou beneficiado pelo dispositivo da reeleição que garantiu um segundo mandato a Fernando Henrique Cardoso e, em vez de cinco anos, acabou governando por oito, de 2003 a 2011, sem abalar as instituições ou balançar o coreto do andar de cima. Beneficiado pela mágica tucana, o PT reelegeu não só Lula, mas também Dilma Rousseff.


A ideia de que o semipresidencialismo limitaria os poderes de Jair Bolsonaro num eventual segundo mandato é golpista e pobre. É golpista porque cheira ao truque de 1961, quando foi instituído o parlamentarismo para permitir a posse do vice-presidente João Goulart. É pobre porque um Bolsonaro, uma vez reeleito, mastigaria o regime, como Goulart mastigou-o.

Os defensores do semipresidencialismo dizem que ele amenizaria as crises: em vez de cair o presidente, cairia o primeiro-ministro. Vira e mexe, apresenta-se a matriz do regime francês, criado pelo general Charles de Gaulle. Trata-se de uma falsidade histórica. O que De Gaulle fez na França foi o contrário, reciclou um parlamentarismo que ia de crise em crise, fortalecendo a figura do presidente. Ganha um fim de semana em Brasília quem souber o nome dos três últimos primeiros-ministros franceses. (Jean Castex, Édouard Philippe e Bernard Cazeneuve.)

A maior demonstração de que a proposta é apenas um truque está no fato de o ex-presidente Michel Temer defendê-la, argumentando que a praticou enquanto esteve no cargo. Ele governou olhando para o Congresso, respeitando os adversários e amortecendo crises. Se Jair Bolsonaro faz o contrário, o problema não está no regime, mas nele. Quem não quer vê-lo na cadeira poderá votar noutro candidato no ano que vem. Quem não quer ver Bolsonaro nem Lula terá tempo para achar um terceiro nome. Ciro Gomes e João Doria estão na pista.

De 1989 para cá, o regime democrático brasileiro elegeu cinco presidentes e defenestrou dois: Fernando Collor e Dilma Rousseff. Contudo Dilma 2.0 foi produzida pelo mecanismo da reeleição e pela tibieza de Lula, que não lhe pediu a vaga na chapa no pleito de 2010.

A máquina da política brasileira não rateia por causa do presidencialismo, mas pela possibilidade da reeleição. Ela transforma presidentes, governadores e prefeitos em mandatários que assumem as funções obcecados pela recondução.

Fernando Henrique Cardoso já reconheceu que, historicamente, cometeu um erro. Ele dizia não querê-la e, querendo-a, criou-a. Tanto Lula como Bolsonaro combateram a ideia da reeleição. Sentindo o quentinho da faixa, mudaram de ideia.

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