O vice-presidente Hamilton Mourão foi a Angola para participar da reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, mas, “por orientação do presidente” Jair Bolsonaro, aproveitou a viagem para tentar intervir num escândalo envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus. Ou seja, usou recursos públicos e sua posição institucional de Estado para cuidar de assuntos exclusivamente privados. Tudo isso a mando do chefe do Executivo.
E não foram assuntos quaisquer. A Universal passa por uma crise em Angola desde 2019, quando integrantes angolanos da igreja se rebelaram contra a direção brasileira da seita naquele país. Eles divulgaram um manifesto em que acusam o comando da Universal de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, associação criminosa e racismo. Em seguida, os angolanos tomaram parte dos templos e assumiram o controle da Universal no país.
Além disso, a TV Record, emissora ligada à Universal, foi forçada a sair do ar em Angola porque, segundo o governo, violou normas que proíbem estrangeiros no comando de TVs locais.
Como consequência do escândalo, o governo angolano começou a deportar missionários brasileiros da Universal, e corre processo na Justiça local contra os antigos comandantes da igreja em Angola.
Os problemas da Universal em Angola só dizem respeito à igreja. O máximo que o governo brasileiro deveria fazer no caso é se assegurar de que os compatriotas sejam bem tratados e que tenham toda a assistência jurídica de que necessitam – o que qualquer diplomata pode fazer.
Mas a Igreja Universal recebe do presidente Bolsonaro um tratamento vip. A iniciativa de enviar o vice-presidente Mourão para conversar com o governo angolano sobre o assunto foi apenas o mais recente de uma série de gestos de Bolsonaro para interceder em favor da Universal.
No final de 2019, o então chanceler, Ernesto Araújo, em visita a Angola, declarou que a Igreja Universal é uma “entidade extremamente importante para o Brasil”. Em julho de 2020, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente de Angola, João Lourenço, na qual pediu “proteção” aos integrantes brasileiros da Universal no país. Em maio passado, o chanceler Carlos França convocou o embaixador de Angola, Florêncio Almeida, para pedir-lhe explicações sobre as deportações.
No mesmo mês, em encontro com a bancada evangélica no Itamaraty, o chanceler informou que intercederia junto ao governo angolano para que recebesse uma comitiva de parlamentares e de líderes da Universal.
Em junho, Bolsonaro indicou Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal e sobrinho do dono da igreja, Edir Macedo, para a Embaixada do Brasil na África do Sul, num movimento visto entre diplomatas como destinado a ajudar a igreja. Crivella ainda não pôde assumir o posto porque, como acusado de corrupção durante sua gestão como prefeito do Rio, teve seu passaporte retido.
Todo esse esforço do governo para socorrer a Universal chegou ao ápice agora com a visita do vice-presidente Mourão. Em Angola, ele declarou à agência Lusa que “essa questão da Universal aqui afeta o governo e a sociedade brasileiros, pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui”.
Quando o governo brasileiro dá à Universal uma importância que a seita não tem, diz menos sobre as agruras da igreja do que sobre as aflições de Bolsonaro. Com a popularidade em baixa e acossado por denúncias de corrupção e de inépcia na condução do combate à pandemia, Bolsonaro tenta manter a todo custo o apoio que tem entre evangélicos.
Ou seja, nada sobre esse imbróglio tem a ver com o interesse público. Além dos negócios da Universal, estão em jogo os interesses particulares de Bolsonaro, explorados pelos “aliados” que hoje o mantêm como refém no Congresso – isto é, os partidos do Centrão, entre os quais está o Republicanos, “que representa o pessoal da Igreja Universal”, como bem disse o vice Mourão. Essa genuflexão de Bolsonaro ante a Universal mostra que o presidente não hesita em sacrificar o Estado brasileiro no altar da politicagem em troca de uma vaga promessa de salvação pessoal.
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