João Miguel Tavares, colunista do jornal português “Público”, conhecido pelas suas posições conservadoras, defendeu há poucos dias que o crescimento destes movimentos de extrema direita talvez não constitua um ataque à democracia e sim “uma válvula de escape dos próprios sistemas democráticos, que vai permitindo integrar na sua dinâmica o cada vez mais elevado número de
O otimismo é tão raro no discurso da direita que só por isso Tavares merece ser escutado. Além disso, o que aconteceu com uma certa esquerda europeia não democrática, ao longo das últimas décadas, parece dar-lhe razão. Partidos e movimentos assumidamente contrários à “democracia burguesa” foram forçados a participar no jogo democrático, e, com o tempo, alguns acabaram por acreditar nele.
O caso português pode servir de exemplo. A seguir ao 25 de abril de 1974, a força política que representava a extrema esquerda no parlamento português era um pequeno partido, a União Democrática Popular, UDP, de inspiração albanesa. Das cinzas da UDP emergiu o Bloco de Esquerda, hoje com 19 deputados e que é uma das forças mais aguerridas, progressistas e inovadoras do atual cenário político. O Bloco de Esquerda foi o único partido português a apoiar os 15 jovens democratas angolanos presos no tempo do anterior presidente, José Eduardo dos Santos. Também se colocou sempre contra a deriva totalitária de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Já o Partido Comunista Português, PCP, não foi capaz de se renovar, alimentando a nostalgia de uma era anterior à queda do Muro de Berlim, e apoiando a ditadura cubana, Nicolás Maduro e até a Coreia do Norte. Os comunistas portugueses mantêm a descrença na “democracia burguesa”, mas estão demasiado enfraquecidos (o partido vem perdendo deputados a cada eleição) para a enfrentarem.
O que concluo, a partir destes exemplos, é que, como sugere João Miguel Tavares, haverá movimentos de extrema direita que talvez possam ser absorvidos pelas modernas democracias. Uns não serão outra coisa senão um efêmero protesto de cidadãos confusos e desesperados. Depressa se extinguirão. Outros poderão até servir para, de alguma forma, revitalizar o sistema democrático. Suspeito, contudo, que a maioria dos novos partidos europeus de extrema direita são exatamente aquilo que parecem: cavalos de troia do fascismo. Não estão interessados em participar no jogo democrático; servem-se dele com o objetivo de o destruir.
Para impedir que estes movimentos infectem e enfraqueçam os organismos democráticos bastaria, provavelmente, aplicar as leis já existentes. A maioria dos países europeus aprovou legislação contra a apologia e a promoção do nazismo, do fascismo, do racismo, da homofobia e dos discursos de ódio — mas raramente a usa. Espero que comecem a usar.