sábado, 4 de maio de 2019

Envenenando a democracia

As recentes eleições em Espanha assinalam um importante triunfo da esquerda, mas também da extrema direita, que, de um único salto, consegue colocar 24 deputados no parlamento. Agora há apenas quatro países europeus nos quais partidos abertamente fascistas, racistas ou neonazis, não têm representação parlamentar: Portugal, Irlanda, Malta e Luxemburgo.

João Miguel Tavares, colunista do jornal português “Público”, conhecido pelas suas posições conservadoras, defendeu há poucos dias que o crescimento destes movimentos de extrema direita talvez não constitua um ataque à democracia e sim “uma válvula de escape dos próprios sistemas democráticos, que vai permitindo integrar na sua dinâmica o cada vez mais elevado número de

O otimismo é tão raro no discurso da direita que só por isso Tavares merece ser escutado. Além disso, o que aconteceu com uma certa esquerda europeia não democrática, ao longo das últimas décadas, parece dar-lhe razão. Partidos e movimentos assumidamente contrários à “democracia burguesa” foram forçados a participar no jogo democrático, e, com o tempo, alguns acabaram por acreditar nele.


O caso português pode servir de exemplo. A seguir ao 25 de abril de 1974, a força política que representava a extrema esquerda no parlamento português era um pequeno partido, a União Democrática Popular, UDP, de inspiração albanesa. Das cinzas da UDP emergiu o Bloco de Esquerda, hoje com 19 deputados e que é uma das forças mais aguerridas, progressistas e inovadoras do atual cenário político. O Bloco de Esquerda foi o único partido português a apoiar os 15 jovens democratas angolanos presos no tempo do anterior presidente, José Eduardo dos Santos. Também se colocou sempre contra a deriva totalitária de Nicolás Maduro, na Venezuela.

Já o Partido Comunista Português, PCP, não foi capaz de se renovar, alimentando a nostalgia de uma era anterior à queda do Muro de Berlim, e apoiando a ditadura cubana, Nicolás Maduro e até a Coreia do Norte. Os comunistas portugueses mantêm a descrença na “democracia burguesa”, mas estão demasiado enfraquecidos (o partido vem perdendo deputados a cada eleição) para a enfrentarem.

O que concluo, a partir destes exemplos, é que, como sugere João Miguel Tavares, haverá movimentos de extrema direita que talvez possam ser absorvidos pelas modernas democracias. Uns não serão outra coisa senão um efêmero protesto de cidadãos confusos e desesperados. Depressa se extinguirão. Outros poderão até servir para, de alguma forma, revitalizar o sistema democrático. Suspeito, contudo, que a maioria dos novos partidos europeus de extrema direita são exatamente aquilo que parecem: cavalos de troia do fascismo. Não estão interessados em participar no jogo democrático; servem-se dele com o objetivo de o destruir.

Para impedir que estes movimentos infectem e enfraqueçam os organismos democráticos bastaria, provavelmente, aplicar as leis já existentes. A maioria dos países europeus aprovou legislação contra a apologia e a promoção do nazismo, do fascismo, do racismo, da homofobia e dos discursos de ódio — mas raramente a usa. Espero que comecem a usar.

Bolsonaro tem muito a aprender com a Argentina

A mais nova obsessão de Jair Bolsonaro se chama Cristina Kirchner. Nos últimos dias, o capitão derrama baldes de saliva num esforço para ensinar os eleitores da Argentina a votar direito. Explica que é melhor ter paciência com o presidente liberal Mauricio Macri e seus desacertos do que devolver a antecessora esquerdista ao poder nas eleições marcadas para o próximo mês de outubro.

A volta de Cristina à Presidência transformaria a Argentina numa nova Venezuela, ensina Bolsonaro ao eleitorado portenho. O presidente brasileiro faria um bem inestimável a si mesmo se começasse a olhar para o quintal do vizinho com olhos de aluno, não de professor. Convém observar o que há de concreto —a administração de Macri— não o que é apenas hipotético —a volta de Cristina.

A Presidência de Macri não é um bom exemplo para Bolsonaro. Mas tornou-se um fantástico aviso. Os dois têm muito em comum. Assim como Bolsonaro, Macri chegou à Presidência surfando a raiva da maioria do eleitorado com a velha política e o esquerdismo sem resultados. Assim como o capitão, Macri encostou sua administração na figura do presidente americano Donald Trump.

A esperança de prosperidade embutida no discurso liberal de Macri resultou em decepção. Nada levanta mais os percentuais de Cristina Kirchner nas pesquisas do que a queda dos indicadores econômicos. As reformas prometidas por Macri viraram suco. Seu discurso liberal virou pó. Em desespero, já recorreu até ao congelamento de preços contra a inflação.

Em quatro meses de governo, Bolsonaro produziu apenas polêmicas. A falta de resultados já se reflete nas pesquisas. Ou seja: Bolsonaro deveria extrair ensinamentos da Argentina, não dar lições ao vizinho.

Um governo sem dinheiro e sem razão

A primeira grande ofensiva do governo contra as universidades foi contida por alguma reação social, embora tímida. Reitores, professores, alguns parlamentares e a OAB não tiveram muita companhia na resistência à arbitrariedade.

A intimidação por meio de ameaça de asfixia financeira foi sustada até segunda ordem. Mas outras ordens virão e, menos discutido, a falta de dinheiro nua e crua de qualquer ideologia vai continuar por ainda muito tempo e afetar muito mais do que o ensino superior.

A gente razoável restante na administração federal contribuiu também para sustar a ameaça obscurantista, antes de mais nada discriminação inconstitucional, assim como tem agido para atenuar outros atropelamentos das leis e da mínima razão.

Por exemplo, houve panos quentes nos casos da Petrobras, do Banco do Brasil ou do desatino belicista em relação à Venezuela, para ficar em escândalos maiores.

Mas “a luta continua” para o bolsonarismo de inspiração revolucionária, motivo de convulsão e conflito permanentes, o que irrita até o Clube Militar.

Em nota publicada no site dessa associação de militares fora da ativa, o coronel Sérgio Paulo Muniz Costa reagiu com profunda revolta aos ataques da ala antiestablishment do governo às Forças Armadas, ao “assalto de aventureiros ignorantes mancomunados em uma nova internacional extremista”.

“É inadmissível que expoentes dessa linha exótica de pensamento, independentemente de onde estejam, continuem a exibir suas preferências ideológicas sem serem reprovados pela sociedade brasileira, usando saudações fascistas na conclusão de seus discursos...”, escreveu o coronel Muniz.

A impaciência se espalha por outros setores, mesmo entre empresários. No entanto, esperam calados o arrefecimento da baderna, em nome da aprovação de alguma “reforma” que tire o país da depressão.

Mesmo entre executivos do mercado financeiro, que na maioria colaboraram com a ascensão de Jair Bolsonaro, o prestígio presidencial despencou mais que entre o povo mais pobre.

Um governo pragmático procuraria evitar conflitos nesta situação em que o reparo da ruína econômica será muito difícil e em que a penúria terminal do governo vai provocar cortes letais de despesa, com efeitos políticos e econômicos relevantes.

Talvez gente do governo se divirta com a ideia de trucidar as universidades ou a ciência, projeto facilitado pela falta de dinheiro, situação que, de um fato da vida, se torna pretexto para pervertidos e ressentidos no poder. Mesmo nesse caso, haverá milhões de prejudicados na classe média-alta e na elite do país. Pode ser pior.

A falta de recursos para o Minha Casa Minha Vida afeta um programa que possibilita o lançamento de quase 80% dos imóveis residenciais. A miséria degrada ainda mais as estradas. Os recursos para investimentos (obras, equipamentos) do governo devem cair a um terço do que era gasto entre 2010 e 2014.

Técnicos do Ministério da Economia dizem que, se a arrecadação não melhorar, vai faltar verba para o pagamento de serviços essenciais para o funcionamento do governo.

São afetados os interesses de empresários, prefeitos, de quem quer que utilize algum serviço público, de rodovias a escolas, talvez hospitais, quase todo o mundo.

O sofrimento com a estagnação econômica tende a ser agravado pelo esgotamento orçamentário. O risco de difusão de conflitos aumenta, agravado pelas falanges extremistas do governismo.

Brasil na boca do povo


Lampião em vez de eletricidade?

O que diríamos se agora, neste século 21, em vez de eletricidade nos fizessem usar candeeiro ou lampião para iluminar as noites e, assim, não ofuscar os nossos olhos cansados por suportarem a claridade do sol? E se a decisão viesse da autoridade a quem cabe assegurar luzes ao presente e ao futuro?

É exatamente isso que ouvimos nos últimos dias do ministro da Educação, por um lado, e do presidente da República, por outro. Num perigoso campeonato de disparates, parece até que cada qual tenta triunfar na exteriorização do absurdo. O ministro decidiu punir a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) cortando 30% do seu orçamento, sob a alegação de que se dedicam “à balburdia e a eventos ridículos”. Alegou até que há casos de “gente pelada” desfilando pelo campus...




A reação unânime dos setores universitários fez o ministro “recuar”. Mas no recuo apenas tomou fôlego para contra-atacar com mais força: em nome de “isonomia”, ou igualdade perante a lei, cortou 30% das verbas de todas as universidades federais no segundo semestre... Logo, queixou-se dos gastos do ensino superior e (cumprindo promessa de Jair Bolsonaro na campanha de candidato presidencial) mencionou a importância de implantar creches, já que uma criança custa dez vezes menos do que um aluno universitário.

A comparação é simplista, pois se trata de situações diferentes. O custo não define as necessidades por si só. Atender a recém-nascidos e ao ensino básico nada tem que ver com as universidades. Nem é suprimir ou diminuir a pesquisa e castrar a missão das universidades, fazendo delas entes amorfos (e mortos) que apenas expedem diplomas que pouco – ou nada – vão significar.

Falta verba? Mas, e o orçamento previsto, no qual estão calculados receita e despesa, já não vale?

Essa tal de “balbúrdia” ou “bagunça” que faria das universidades um antro de “gente pelada” seria a regra? Ou foi caso isolado, típico da vulgaridade que a televisão ajuda a semear e a reproduzir? Ou alguém crê que ensinar e educar se limitam à sala de aula?

Hoje, o fundamento da educação e do ensino não está na escola, mas na televisão e nas tais de “redes sociais”, em que não se sabe sequer quem informa ou deforma. A TV entra em nossas casas como assaltante. As “redes sociais” nos acompanham até na rua e no trânsito. A TV cultiva o horror. Os ininterruptos casos de constantes crimes se apresentam quase como se fossem regra da sociedade, não como exceção a combater. Soa até como se o crime fosse uma sina a que estivéssemos condenados. Algo como o “pecado original”, do qual não nos podemos livrar eternamente.

As “redes” dedicam-se à “fofoca”, esse monstro vestido de santo ou de palhaço, exímio em inventar qualquer coisa e propagar como verdade absoluta. A invencionice ou a mentira se alastram mais facilmente do que as verdades, pois se amoldam como água num recipiente. A verdade é dura, porém, imutável em si mesma.

Enquanto não atentarmos para isso, a educação formal da escola ficará sempre em segundo plano, relegada quase que apenas a uma obrigação para subir financeiramente na vida... E “subir” para se sobrepor ao outro, nunca para compartilhar.

A visão do “amor ao próximo”, de que falam os Evangelhos, tornou-se piegas ou desprezível até. A sociedade de consumo iguala bens essenciais a quinquilharias e, assim, abre a porta para confundir a noção do que seja educar.

O presidente Bolsonaro, por exemplo, atirou-se agora contra as ciências sociais, vendo antropologia, sociologia ou filosofia como um estorvo. Quer que as universidades se dediquem a veterinária, medicina e engenharia, desconhecendo que os Estados Unidos são o país com mais antropólogos e sociólogos no mundo. Em professores de filosofia são superados só pela França e pela Alemanha...

Deu a entender o presidente da República, até, que basta aprender a escrever e saber as operações fundamentais da aritmética – somar, diminuir, multiplicar e dividir. No século 18, ou até mesmo no início do século 20, quem conhecesse isso era sábio. Quem soubesse a “regra de três” era gênio!

Bolsonaro supera até as confusões e os disparates típicos de Lula. Agora, prometeu “uma limpa” no Ibama e nos demais órgãos ambientais. Desconhece que a defesa e a proteção da natureza estão ligadas à vida e quer facilitar o desmatamento e a perigosa adubação química. Não escuta as advertências da ciência sobre o aquecimento global causado pela poluição.

Em Ribeirão Preto, reunido com empresários do agronegócio, o disparate tomou forma perigosa. Prometeu isentar de punição os proprietários rurais que dispararem e matarem para repelir a ocupação de suas terras. A invasão de terras produtivas é crime, mas não pode abrir caminho a um crime maior. A propriedade não está acima do direito à vida.

No Dia do Trabalho (ou Dia do Trabalhador), em rede de TV e ignorando a data, Bolsonaro comprometeu-se a implantar “a plena liberdade econômica” prevista em recente “medida provisória”. Dito assim, simplificadamente na ganância dominante, isso significa até “a liberdade” de cobrar preços abusivos, sem que nos possamos defender da cobiça. E de explorar o trabalho. Nossos 13 milhões de desempregados estão à beira de suportar a humilhação em troca de um salário mínimo...

Exibicionismo e jactância em palavras ou gestos nunca deram segurança a ninguém. Nem às pessoas nem às coisas, menos ainda às instituições. Exibição e gabolice são sinais de egoísmo. Quando desafiam a realidade de milhões de pessoas são um sacrilégio, até.

Podemos admitir o triunfo do atraso e da catástrofe? Ou o lampião deve substituir a eletricidade?
Flávio Tavares

Bilhete a Jair

Jânio Quadros implicava com o biquíni e Jair Bolsonaro, com os gays. Jânio distribuía bilhetinhos e Jair, tuí­tes. Jânio não gostava de negociar com o Congresso e Jair, idem. Jânio se incomodava com os constrangimentos institucionais. Certa vez lançou uma provocação a seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco: “Creio que a maioria dos ingleses pegaria em armas para defender o seu Parlamento. E o senhor, ministro, pegaria em armas para defender o Congresso brasileiro?”. Bolsonaro, em evento organizado por VEJA na pré-­cam­panha em 2017, disse: “Se o Kim Jong-­un lançasse uma bomba H que só atingisse o Parlamento (brasileiro), você acha que alguém ia chorar aqui?”. Os paralelos entre o efêmero presidente de 1961 e o atual são numerosos. Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar a política do país.

Entenda-se por “fantasma de Jânio” a herança de despreparo, aventureirismo e pouco-caso com as instituições que com indesejável fre­quên­cia se tem reencarnado nos ocupantes da cadeira presidencial. Fernando Collor foi o primeiro a vestir o modelo. Ao despreparo e ao aventureirismo juntava-se, nele, a mistificação de apresentar-se como “o caçador de marajás”, tal qual o outro empunhava a vassoura que varreria a corrupção. Faltava a Collor, no entanto, o vezo de fiscal de costumes que aproxima o atual presidente de seu remoto antecessor. Bolsonaro proibiu anúncio do Banco do Brasil que apresentava jovens de cores da pele, penteados, trajes e trejeitos diversos, e ainda comentou: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay”. Antes, havia proibido livro didático que expunha desenho da genitália feminina e feito circular, a título de alerta, vídeo com aberração sexual. Jânio, em sete meses de governo, proibiu, ou tentou proibir: biquínis nas praias; maiôs mais atrevidos nos desfiles de miss; anúncios na TV de maiôs e peças íntimas femininas; corridas de cavalo nos dias de semana; brigas de galo; lança-perfume; e — para culminar — espetáculos “de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio e de televisão”.

Jânio de outrora e o Jair de hoje partilham as tendências: (1) de ocupar-se de coisas pequenas, mais próprias de delegados de polícia, juízes ou, no máximo, prefeitos; e (2) de acreditar que uma canetada muda tendências comportamentais. O biquíni, a despeito de Jânio, prosseguiu sua gloriosa carreira até o fio-dental, e promete ir além. O turismo de homossexuais, consolidado graças ao Carnaval e às paradas gay, não há de ser estancado pela bronca do chefe de governo. Diga-se a favor de Jânio que nunca foi desatinado como Bolsonaro ao acrescentar, quando falou sobre o turismo gay: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”. Na constrangedora afirmação, o machismo mais tóxico se punha a serviço do mais predador dos turismos sexuais. Em outro plano, Jânio nunca cometeu o despautério de assacar contra o ensino da filosofia e da sociologia, nem a barbaridade de prometer aos fazendeiros licença para matar os invasores (uma inspirada reação na internet perguntou: “Índio também vai poder matar o invasor de suas terras?”).

Jornalistas do período e historiadores registraram as insuficiências do presidente de 1961. “Era evidente a má vontade de Jânio para com o Le­gislativo. Elegera-se sempre ‘contra os políticos’, ainda que fosse um dos maiores”, escreveu o jornalista Carlos Chagas. O historiador Thomas Skidmore, no conhecido "Brasil: de Getúlio a Castelo", afirma que faltavam a Jânio “discernimento e tenacidade para governar”, e, ao comentar suas dificuldades no dia a dia da administração, acrescenta: “Talvez estivesse agindo como alguém que sobe muito depressa e muito alto para sua capacidade”. Um autor de hoje, encarregado de analisar Bolsonaro, pode aplicar a semelhantes considerações um simples “copia e cola”. E com mais razão ainda pode fazê-lo socorrendo-se das brincadeiras que o jornalista Pompeu de Sousa estampava nas páginas do Diário Carioca. Assim como Jânio expedia seus bilhetinhos aos assessores, Pompeu (infelizmente sem parentesco com este que vos fala) publicava bilhetinhos ao presidente. O do dia 18 de março de 1961 vale para o Jair sem tirar nem pôr:

“Assim é seu governo, Excelência. Cada dia uma decisão, uma orientação, uma revogação do dia anterior. Uma revogação de si mesmo. Governo, Excelência, é exatamente o contrário disso. Por isso é que continuamos à espera de que Vossa Excelência comece a governar”.

Brasil pintado pra guerra

Quando os senhores falham, entramos nós das Forças Armadas. Quando acaba a saliva, entra a pólvora
Jair Bolsonaro, em cerimônia a novos diplomatas no Itamaraty

Equipe econômica demonstra não ter condições de tirar o país da grave crise

Vivemos tempos sombrios, mas a eleição de Jair Bolsonaro encheu o país de esperanças, sinal de um novo tempo. Era de se esperar que desde a época da campanha eleitoral o atual ministro Paulo Guedes e sua equipe já viessem estudando soluções para a crise econômica e social. Praticamente um ano se passou após Guedes surgir na política brasileira como futuro condutor da economia, e até agora, nada. As medidas mais importantes do governo, além do pacote anticrime, foram a extinção do imposto sindical obrigatório e o fim dos quase 700 conselhos federais, pois quase todos não têm a menor utilidade, salvo as exceções de praxe.

Quanto à crise econômica propriamente dita, até agora a única proposta é a reforma da Previdência Social, que não pode ser levada a sério, pois seus dados estão mantidos sob sigilo e o projeto não engloba os militares, um dos setores de maior déficit.


Todos sabem que o maior problema brasileiro é a dívida pública, que engessa os três níveis da República – federal, estadual e municipal. O ministro Paulo Guedes não dá uma só palavra a respeito, a numerosa equipe econômica também está fechada em copas, como dizem os jogadores de carteado.

O ministro garante que vai economizar R$ 1,1 trilhão em dez anos com a reforma, mas não explica como nem exibe os números. Outro dia, deixou passar a informação de que pretende faturar mais R$ 1 trilhão com as vendas dos ativos da Petrobras e os leilões do pré-sal, mas isso no prazo de 30 anos, e até lá Inês é morta, Bolsonaro e Guedes, também. E seu plano econômico consiste nisso. O resto é silêncio, como diria Érico Veríssimo.

De antemão, é claro que isso não vai dar certo. No caso da Previdência, não há movimentos para aumentar a receita evitado a chamada elisão tributária, como se denomina a redução do pagamento de impostos dentro da “legalidade”.

Na campanha, Bolsonaro por duas vezes citou o problema da pejotização, julgou-se que tomaria providências a esse respeito, mas foi ilusão. Hoje, no Brasil, não existem mais trabalhadores nem artistas bem sucedidos. Todos os executivos de empresas, atores, jornalistas, diretores de bancos e de qualquer tipo de empreendimento empresarial– todos esses enriquecidos empregados se tornaram falsas pessoas jurídicas aqui na filial Brazil, embora na matriz USA isso não ocorra, porque lá sonegação de impostos dá cadeia, perguntem ao grande ator Wesley Snipes.

Com a pejotização, a empresa deixa de pagar ao INSS 20% sobre o salário do empregado, mais 8% de FGTS, perfazendo 28% de elisão. Além disso, a empresa reduz seu Imposto de Renda, porque lança o salário do empregado integralmente na rubrica “Despesas Operacionais”, diminuindo o lucro real.

O empregado deixa de pagar 11% ao INSS e seu Imposto de Renda cai de 27,5% para até 10%, perfazendo elisão de 28,5%. Além disso, ele diminui ainda mais o IR ao embutir na contabilidade da falsa empresa todos os seus gastos pessoais com imóveis, veículos, empregados, viagens, compras, restaurantes, hotéis, o que você possa imaginar.

O mais impressionante é que não há discussão. Parece que as elisões fiscais não existem; a dívida pública, também. O grande debate econômico jamais é travado, até porque o Brasil vive uma era de radicalismos ideológicos. Não se procura simplesmente raciocinar sobre o que é certo e o que está errado. Hoje o que interessa é se posicionar contra ou a favor de Bolsonaro, num embate ridículo entre esquerdopatas e olavetes.

Pensamento do Dia


Brasil ainda dorme no banco da praça

O Brasil não se reconhece nem na chamada América Latina, algo que é estranho para nós, porque a África vive a si própria como uma entidade. Os africanos cantam a África como se fosse uma espécie de grande nação. Quando o Brasil fizer isso, vai se abrir para o continente 
Mia Couto 

Quando as inundações fazem parte da vida

O que fazer se, durante uma chuva, a água começar a entrar em casa? Essa pergunta atormenta milhares de pessoas, especialmente nos bairros mais pobres, a cada vez que o céu escurece nas metrópoles da América Latina.

E assim foi em Porto Alegre, em outubro de 2015, quando inundações e alagamentos entraram para a história como o segundo pior desastre relacionado a água ocorrido desde 1941. Cerca de 9.500 pessoas foram impactadas pelos fenômenos, que causaram danos materiais (públicos e privados) de 73 milhões de reais.


A dona de casa Rosimeri Faleiro tinha apenas um objetivo: conseguir que o único filho, com distrofia muscular de Duchenne, fosse resgatado. Matheus — que se locomove em cadeira de rodas elétrica e respira por aparelhos — precisou ser carregado em meio às águas pelo pai e um vizinho até a rua onde a ambulância do SAMU pôde parar. Entrou em coma a caminho do hospital e passou quatro meses internado.

“Minha preocupação era com os equipamentos dele, que são muito caros. Falei para o meu marido: vamos salvar o Matheus; todo o resto a gente recupera depois”, lembra Rosimeri.

Essa é apenas uma das muitas histórias registradas durante a pesquisa Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de Porto Alegre, realizada pelo Banco Mundial e a Prefeitura. Pela primeira vez no país, um relatório analisa em detalhes como as inundações e os alagamentos afetam a renda, a vida familiar, a saúde, o trabalho, os estudos e o acesso a serviços públicos.

O trabalho incluiu um levantamento feito em 1.500 domicílios nas regiões do Orçamento Participativo de Humaitá-Navegantes (que conta com cinco bairros) e das Ilhas (quatro áreas habitadas que ajudam a formar o bairro Arquipélago). Ambas têm em comum a vulnerabilidade social e aos desastres causados pelo excesso de água.

Esses foram alguns dados encontrados pela equipe:

57% dos entrevistados tiveram suas casas ou prédios inundados.
56% dos entrevistados não sabiam que a água chegaria à sua moradia.
70% do total dos entrevistados acreditam que provavelmente a sua residência será inundada ou alagada nos próximos 10 anos.

Metade das famílias declarando viver com uma renda mensal inferior a 1.000 reais teve que gastar mais de uma vez este valor para se recuperar; desse total, 19% gastaram mais de 5 vezes sua renda mensal.

Em um terço (34%) dos domicílios, pelo menos uma pessoa sofreu lesões, doenças, danos físicos ou psicológicos em decorrência do evento.

Os resultados fortalecem algumas noções discutidas em estudos anteriores, como o Relatório de Desenvolvimento Global 2014 e Choques Agregados na América Latina e Caribe. A primeira é a de que os desastres afetam desproporcionalmente os mais pobres, pois muitas vezes eles não têm informações suficientes para se prevenir, moradias seguras nem condições de se recuperar. A segunda é de que inundações e outros fenômenos podem levar à extrema pobreza: isso ocorre com 26 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano, segundo o Banco Mundial.

Ainda de acordo com a instituição, que realizou análise baseada em dados de 117 países, as perdas médias de bem-estar devido a inundações, tempestades, terremotos e maremotos totalizam 520 bilhões de dólares por ano, valor 60% maior que o causado por perdas econômicas.

Esses dados se tornam ainda mais preocupantes quando se leva em conta que a incidência de fenômenos causadores de desastres triplicou na América Latina e no mundo entre 1970 e 2014, e deve continuar aumentando com as mudanças climáticas.

O relatório traz recomendações com o objetivo de amenizar os impactos sociais de futuros desastres em Porto Alegre. Entre elas:

- Implementar uma legislação municipal específica para a gestão de riscos de desastres, com enfoque na prevenção

- Reforçar a atuação da Defesa Civil

- Adequar a capacidade de drenagem

- Aperfeiçoar o sistema de previsão, monitoramento e alerta

Para continuar as discussões iniciadas no âmbito do estudo e implementar soluções — que passam por prevenção, resposta pós-desastre e recuperação de longo prazo —, formou-se em Porto Alegre o Grupo de Ação sobre Inundações e Alagamentos (GAIA), que une membros da Prefeitura e moradores das áreas impactadas.

A cogerente do estudo Pauline Cazaubon festeja esse avanço: “Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o trabalho de gestão de riscos de desastres ainda se concentra na fase de resposta pós-desastre. É importante investir mais em prevenção e recuperação de longo prazo porque está comprovado que isso traz melhores resultados”. E isso requer não apenas recursos, mas também boas políticas públicas e diálogo intenso entre governo e cidadãos.
Mariana Kaipper Ceratti

Conspiração interna

Em um excelente ensaio, que deveria ser lido por todos, publicado na Veja, o Professor Claudio de Moura Castro descreve de uma forma raramente vista, a importância da educação para o desenvolvimento de cada país. Como se fizéssemos uma conspiração contra o Brasil, a mente brasileira impede o salto na educação brasileira.

Mesmo aqueles que se dedicam e defendem a educação, lutam para sair da tragédia, não para o Brasil dar o Salto na educação: ficarmos entre os melhores do mundo e oferecermos a mesma qualidade independente da renda e do endereço da criança, desCEPlizar e DesCFPlizar a educação.


Na última terça feira, na Assembléia do movimento Todos pela Educação foi dito que uma das nossas tarefas é convencer a população brasileira, a Mente do Brasil”, de que: Nesta Era do Conhecimento, educação não é apenas um direito de cada pessoa, mais ainda, educação é o motor do Progresso.

É possível, em um prazo de anos, o Brasil ter uma educação tão boa quanto as melhores do mundo, ficarmos e entre as primeiras classificações no PISA.

Que negar educação de qualidade para uma criança por causa de sua renda ou endereço impede o progresso econômico e social, impede aumentar a renda nacional e de distribui-la com justiça, conforme o talento da pessoa.

A maior tarefa dos que desejam fazer do Brasil um país educado é convencer o Brasil de que é preciso e é possível fazer isto, apesar de que em “nossa mente” estão entranhadas quatro ideias: a) nossa vocação é para o futebol, não para a inteligência, para as quadras, não para as escolas; b) escola com qualidade não é possível para todos, como antes não era para os escravos agora não seria para os pobres; c) que o motor do progresso está na economia e não na base da economia que é a educação; d) que a distribuição de renda passa antes pela distribuição do conhecimento, pelo cérebro antes do bolso, pela escola antes do banco, e pelo boletim escolar antes do contracheque.