E assim foi em Porto Alegre, em outubro de 2015, quando inundações e alagamentos entraram para a história como o segundo pior desastre relacionado a água ocorrido desde 1941. Cerca de 9.500 pessoas foram impactadas pelos fenômenos, que causaram danos materiais (públicos e privados) de 73 milhões de reais.
A dona de casa Rosimeri Faleiro tinha apenas um objetivo: conseguir que o único filho, com distrofia muscular de Duchenne, fosse resgatado. Matheus — que se locomove em cadeira de rodas elétrica e respira por aparelhos — precisou ser carregado em meio às águas pelo pai e um vizinho até a rua onde a ambulância do SAMU pôde parar. Entrou em coma a caminho do hospital e passou quatro meses internado.
“Minha preocupação era com os equipamentos dele, que são muito caros. Falei para o meu marido: vamos salvar o Matheus; todo o resto a gente recupera depois”, lembra Rosimeri.
Essa é apenas uma das muitas histórias registradas durante a pesquisa Convivendo com as inundações: um estudo para construir resiliência com as comunidades de Porto Alegre, realizada pelo Banco Mundial e a Prefeitura. Pela primeira vez no país, um relatório analisa em detalhes como as inundações e os alagamentos afetam a renda, a vida familiar, a saúde, o trabalho, os estudos e o acesso a serviços públicos.
O trabalho incluiu um levantamento feito em 1.500 domicílios nas regiões do Orçamento Participativo de Humaitá-Navegantes (que conta com cinco bairros) e das Ilhas (quatro áreas habitadas que ajudam a formar o bairro Arquipélago). Ambas têm em comum a vulnerabilidade social e aos desastres causados pelo excesso de água.
Esses foram alguns dados encontrados pela equipe:
57% dos entrevistados tiveram suas casas ou prédios inundados.
56% dos entrevistados não sabiam que a água chegaria à sua moradia.
70% do total dos entrevistados acreditam que provavelmente a sua residência será inundada ou alagada nos próximos 10 anos.
Metade das famílias declarando viver com uma renda mensal inferior a 1.000 reais teve que gastar mais de uma vez este valor para se recuperar; desse total, 19% gastaram mais de 5 vezes sua renda mensal.
Em um terço (34%) dos domicílios, pelo menos uma pessoa sofreu lesões, doenças, danos físicos ou psicológicos em decorrência do evento.
Os resultados fortalecem algumas noções discutidas em estudos anteriores, como o Relatório de Desenvolvimento Global 2014 e Choques Agregados na América Latina e Caribe. A primeira é a de que os desastres afetam desproporcionalmente os mais pobres, pois muitas vezes eles não têm informações suficientes para se prevenir, moradias seguras nem condições de se recuperar. A segunda é de que inundações e outros fenômenos podem levar à extrema pobreza: isso ocorre com 26 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano, segundo o Banco Mundial.
Ainda de acordo com a instituição, que realizou análise baseada em dados de 117 países, as perdas médias de bem-estar devido a inundações, tempestades, terremotos e maremotos totalizam 520 bilhões de dólares por ano, valor 60% maior que o causado por perdas econômicas.
Esses dados se tornam ainda mais preocupantes quando se leva em conta que a incidência de fenômenos causadores de desastres triplicou na América Latina e no mundo entre 1970 e 2014, e deve continuar aumentando com as mudanças climáticas.
O relatório traz recomendações com o objetivo de amenizar os impactos sociais de futuros desastres em Porto Alegre. Entre elas:
- Implementar uma legislação municipal específica para a gestão de riscos de desastres, com enfoque na prevenção
- Reforçar a atuação da Defesa Civil
- Adequar a capacidade de drenagem
- Aperfeiçoar o sistema de previsão, monitoramento e alerta
Para continuar as discussões iniciadas no âmbito do estudo e implementar soluções — que passam por prevenção, resposta pós-desastre e recuperação de longo prazo —, formou-se em Porto Alegre o Grupo de Ação sobre Inundações e Alagamentos (GAIA), que une membros da Prefeitura e moradores das áreas impactadas.
A cogerente do estudo Pauline Cazaubon festeja esse avanço: “Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o trabalho de gestão de riscos de desastres ainda se concentra na fase de resposta pós-desastre. É importante investir mais em prevenção e recuperação de longo prazo porque está comprovado que isso traz melhores resultados”. E isso requer não apenas recursos, mas também boas políticas públicas e diálogo intenso entre governo e cidadãos.
Mariana Kaipper Ceratti
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