sábado, 4 de maio de 2019

Envenenando a democracia

As recentes eleições em Espanha assinalam um importante triunfo da esquerda, mas também da extrema direita, que, de um único salto, consegue colocar 24 deputados no parlamento. Agora há apenas quatro países europeus nos quais partidos abertamente fascistas, racistas ou neonazis, não têm representação parlamentar: Portugal, Irlanda, Malta e Luxemburgo.

João Miguel Tavares, colunista do jornal português “Público”, conhecido pelas suas posições conservadoras, defendeu há poucos dias que o crescimento destes movimentos de extrema direita talvez não constitua um ataque à democracia e sim “uma válvula de escape dos próprios sistemas democráticos, que vai permitindo integrar na sua dinâmica o cada vez mais elevado número de

O otimismo é tão raro no discurso da direita que só por isso Tavares merece ser escutado. Além disso, o que aconteceu com uma certa esquerda europeia não democrática, ao longo das últimas décadas, parece dar-lhe razão. Partidos e movimentos assumidamente contrários à “democracia burguesa” foram forçados a participar no jogo democrático, e, com o tempo, alguns acabaram por acreditar nele.


O caso português pode servir de exemplo. A seguir ao 25 de abril de 1974, a força política que representava a extrema esquerda no parlamento português era um pequeno partido, a União Democrática Popular, UDP, de inspiração albanesa. Das cinzas da UDP emergiu o Bloco de Esquerda, hoje com 19 deputados e que é uma das forças mais aguerridas, progressistas e inovadoras do atual cenário político. O Bloco de Esquerda foi o único partido português a apoiar os 15 jovens democratas angolanos presos no tempo do anterior presidente, José Eduardo dos Santos. Também se colocou sempre contra a deriva totalitária de Nicolás Maduro, na Venezuela.

Já o Partido Comunista Português, PCP, não foi capaz de se renovar, alimentando a nostalgia de uma era anterior à queda do Muro de Berlim, e apoiando a ditadura cubana, Nicolás Maduro e até a Coreia do Norte. Os comunistas portugueses mantêm a descrença na “democracia burguesa”, mas estão demasiado enfraquecidos (o partido vem perdendo deputados a cada eleição) para a enfrentarem.

O que concluo, a partir destes exemplos, é que, como sugere João Miguel Tavares, haverá movimentos de extrema direita que talvez possam ser absorvidos pelas modernas democracias. Uns não serão outra coisa senão um efêmero protesto de cidadãos confusos e desesperados. Depressa se extinguirão. Outros poderão até servir para, de alguma forma, revitalizar o sistema democrático. Suspeito, contudo, que a maioria dos novos partidos europeus de extrema direita são exatamente aquilo que parecem: cavalos de troia do fascismo. Não estão interessados em participar no jogo democrático; servem-se dele com o objetivo de o destruir.

Para impedir que estes movimentos infectem e enfraqueçam os organismos democráticos bastaria, provavelmente, aplicar as leis já existentes. A maioria dos países europeus aprovou legislação contra a apologia e a promoção do nazismo, do fascismo, do racismo, da homofobia e dos discursos de ódio — mas raramente a usa. Espero que comecem a usar.

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