O que diríamos se agora, neste século 21, em vez de eletricidade nos fizessem usar candeeiro ou lampião para iluminar as noites e, assim, não ofuscar os nossos olhos cansados por suportarem a claridade do sol? E se a decisão viesse da autoridade a quem cabe assegurar luzes ao presente e ao futuro?
É exatamente isso que ouvimos nos últimos dias do ministro da Educação, por um lado, e do presidente da República, por outro. Num perigoso campeonato de disparates, parece até que cada qual tenta triunfar na exteriorização do absurdo. O ministro decidiu punir a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) cortando 30% do seu orçamento, sob a alegação de que se dedicam “à balburdia e a eventos ridículos”. Alegou até que há casos de “gente pelada” desfilando pelo campus...
A reação unânime dos setores universitários fez o ministro “recuar”. Mas no recuo apenas tomou fôlego para contra-atacar com mais força: em nome de “isonomia”, ou igualdade perante a lei, cortou 30% das verbas de todas as universidades federais no segundo semestre... Logo, queixou-se dos gastos do ensino superior e (cumprindo promessa de Jair Bolsonaro na campanha de candidato presidencial) mencionou a importância de implantar creches, já que uma criança custa dez vezes menos do que um aluno universitário.
A comparação é simplista, pois se trata de situações diferentes. O custo não define as necessidades por si só. Atender a recém-nascidos e ao ensino básico nada tem que ver com as universidades. Nem é suprimir ou diminuir a pesquisa e castrar a missão das universidades, fazendo delas entes amorfos (e mortos) que apenas expedem diplomas que pouco – ou nada – vão significar.
Falta verba? Mas, e o orçamento previsto, no qual estão calculados receita e despesa, já não vale?
Essa tal de “balbúrdia” ou “bagunça” que faria das universidades um antro de “gente pelada” seria a regra? Ou foi caso isolado, típico da vulgaridade que a televisão ajuda a semear e a reproduzir? Ou alguém crê que ensinar e educar se limitam à sala de aula?
Hoje, o fundamento da educação e do ensino não está na escola, mas na televisão e nas tais de “redes sociais”, em que não se sabe sequer quem informa ou deforma. A TV entra em nossas casas como assaltante. As “redes sociais” nos acompanham até na rua e no trânsito. A TV cultiva o horror. Os ininterruptos casos de constantes crimes se apresentam quase como se fossem regra da sociedade, não como exceção a combater. Soa até como se o crime fosse uma sina a que estivéssemos condenados. Algo como o “pecado original”, do qual não nos podemos livrar eternamente.
As “redes” dedicam-se à “fofoca”, esse monstro vestido de santo ou de palhaço, exímio em inventar qualquer coisa e propagar como verdade absoluta. A invencionice ou a mentira se alastram mais facilmente do que as verdades, pois se amoldam como água num recipiente. A verdade é dura, porém, imutável em si mesma.
Enquanto não atentarmos para isso, a educação formal da escola ficará sempre em segundo plano, relegada quase que apenas a uma obrigação para subir financeiramente na vida... E “subir” para se sobrepor ao outro, nunca para compartilhar.
A visão do “amor ao próximo”, de que falam os Evangelhos, tornou-se piegas ou desprezível até. A sociedade de consumo iguala bens essenciais a quinquilharias e, assim, abre a porta para confundir a noção do que seja educar.
O presidente Bolsonaro, por exemplo, atirou-se agora contra as ciências sociais, vendo antropologia, sociologia ou filosofia como um estorvo. Quer que as universidades se dediquem a veterinária, medicina e engenharia, desconhecendo que os Estados Unidos são o país com mais antropólogos e sociólogos no mundo. Em professores de filosofia são superados só pela França e pela Alemanha...
Deu a entender o presidente da República, até, que basta aprender a escrever e saber as operações fundamentais da aritmética – somar, diminuir, multiplicar e dividir. No século 18, ou até mesmo no início do século 20, quem conhecesse isso era sábio. Quem soubesse a “regra de três” era gênio!
Bolsonaro supera até as confusões e os disparates típicos de Lula. Agora, prometeu “uma limpa” no Ibama e nos demais órgãos ambientais. Desconhece que a defesa e a proteção da natureza estão ligadas à vida e quer facilitar o desmatamento e a perigosa adubação química. Não escuta as advertências da ciência sobre o aquecimento global causado pela poluição.
Em Ribeirão Preto, reunido com empresários do agronegócio, o disparate tomou forma perigosa. Prometeu isentar de punição os proprietários rurais que dispararem e matarem para repelir a ocupação de suas terras. A invasão de terras produtivas é crime, mas não pode abrir caminho a um crime maior. A propriedade não está acima do direito à vida.
No Dia do Trabalho (ou Dia do Trabalhador), em rede de TV e ignorando a data, Bolsonaro comprometeu-se a implantar “a plena liberdade econômica” prevista em recente “medida provisória”. Dito assim, simplificadamente na ganância dominante, isso significa até “a liberdade” de cobrar preços abusivos, sem que nos possamos defender da cobiça. E de explorar o trabalho. Nossos 13 milhões de desempregados estão à beira de suportar a humilhação em troca de um salário mínimo...
Exibicionismo e jactância em palavras ou gestos nunca deram segurança a ninguém. Nem às pessoas nem às coisas, menos ainda às instituições. Exibição e gabolice são sinais de egoísmo. Quando desafiam a realidade de milhões de pessoas são um sacrilégio, até.
Podemos admitir o triunfo do atraso e da catástrofe? Ou o lampião deve substituir a eletricidade?
Flávio Tavares
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