segunda-feira, 16 de maio de 2016

Irrelevante, enfim

Por motivos insondáveis, decidiu vestir branco naquele dia. Isto é certo. Tudo o mais, depende de interpretação. Muita interpretação. Afinal, faz muito tempo que ela se auto dispensou de fazer qualquer sentido. Não começaria agora, em suas ultimas palavras. Mas não se furtou a repreender colegas e plateia. Velhos hábitos são difíceis de abandonar.

A cena era enigmática. Enquanto torturava o idioma e expunha logica, quando inteligível, mas sempre duvidosa, não entusiasmava nem mesmo a plateia amistosa. Minguaram aplausos, faltavam emoções.

Sobre o palco improvisado, o fim de festa. Atrás da oradora, o drama transcorria, tornando irrelevantes suas palavras. Três companheiras vestidas em vermelho, xadrez e branco conversavam. Por motivos somente por elas conhecidos, sorriam, possivelmente constrangidas pela situação. Temiam o futuro. Contemplavam o momento. Quando festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou.

Do lado oposto, o criador. Entediado, cocava a barba. Olhava o infinito. Esforçava-se para passar despercebido pelo momento. Ignorou a audiência. Nenhuma solidariedade. Nem sequer um aplauso. Solidão é o primeiro sintoma da perda de poder.

Terminou seu discurso. Talvez o tenha encurtado ao sentir a irrelevância de seus pensamentos confusos entregues sem carisma ou clareza que talvez pudessem redimi-los. É possível, mas improvável. Sensibilidade nunca foi seu forte.

Atravessou o gramado para se tornar a pária do destino que fez por merecer. Saboreava o amargor de seus últimos momentos de notoriedade. Ao fundo, apenas gritos histéricos de claque adestrada. Protestavam contra tudo. Contra a mídia. Contra o congresso. Contra a justiça. Contra a tomada de três pinos e, havendo oportunidade e conveniência, até mesmo contra o pastel de carne.

Os poucos metros provavelmente pareceram eternos. Muita coisa deve ter lhe passado pela cabeça. E assim ela se foi. A bordo de um carro preto, claro. Talvez tenha sido esta a travessia sobre a qual tanto falou. Difícil dizer. De certo, apenas que rolava costa abaixo. A gravidade é impiedosa.

Seu nome, a esta altura já havia percebido, escorregava das manchetes para o rodapé e dali, possivelmente para o nada. Estava condenada a arrastar por esse mundo a vergonha de ter sido, e a dor de já não ser. Em direção ao esquecimento. Sem amigos. Sem carinho. Sem discurso. Irrelevante, enfim. Felizmente.

Navegantes seriam petistas?

Enfraquecimento da esquerda no Brasil ecoará pela América Latina

Dilma Rousseff estava desafiadora. “Eu vou resistir com todos os meios legais”, disse depois de o Senado votar a favor de abertura do processo de impeachment e de seu afastamento da Presidência. Apesar do tom, a decisão do Senado deve marcar uma virada na sétima maior economia do mundo. Michel temer, o vice, assumiu o cargo de presidente interino. Se Dilma for condenada, como parece provável, ele vai ficar no cargo até dezembro de 2018. Isso terá repercussões para além do Brasil.


Em primeiro lugar, a saída de Dilma marca o fim dos 13 anos do PT na Presidência. Desde que foi fundado, em 1980, o partido tornou-se no maior partido social-democrata da região e o “principal movimento de esquerda do mundo democrático”, segundo Matias Spektor, professor de relações internacionais da FGV e colunista da Folha.

Ao longo da última década, muitos governos de esquerda da América do Sul recorreram ao PT. O Brasil demonstrou “paciência estratégica” com vizinhos como a Bolívia e a socialista Venezuela. Com Havana, também, o Brasil teve visão de longo prazo sobre a transição cubana. Mas boa parte da América do Sul está pendendo para o centro do espectro político.

Em 2015, a Argentina elegeu um presidente pró-mercado, Mauricio Macri. Os dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições peruanas em junho estão à direita do centro. E Temer é um centrista. Isso deixará o resto dos governos de esquerda da região sem a coberta diplomática que aproveitavam.

O impeachment de Dilma, formalmente em razão de orçamento — mas, na verdade, decorrente de frustração com a má gestão da economia e um escândalo de US$ 3 bilhões na Petrobras— também marca outra tendência regional: latino-americanos não tolerarão mais corrupção.

Escândalos levaram a protestos e a investigação de executivos e autoridades do governo. No ano passado, um escândalo de sonegação fiscal levou àrenúncia do presidente da Guatemala.

De acordo com Kevin Casas Zamora, do think thank Diálogo Inter-Americano, essa revolta não é porque a região está mais corrupta. Pesquisas feitas por grupos como a Transparência Internacional sugerem que há menos corrupção, não mais.

Em vez disso, as mídias sociais, com uma classe média ativa e melhores garantias institucionais, promoveram uma reviravolta. Cada vez mais, os ricos e poderosos estão sendo responsabilizados. O Brasil é o exemplo mais recente. Temer pode até ser ser denunciado. Isso mostra vigor institucional, não fraqueza.

A turbulência no Brasil também levantou um debate sobre as limitações do presidencialismo na região.

O problema é que tanto o Executivo quanto o Legislativo são diretamente eleitos, o que confere a ambos legitimidade democrática.

Isso cria problemas quando há um conflito entre os dois, como no caso de Dilma, que não tinha habilidade política para formar alianças entre os mais de 30 partidos. No parlamentarismo, esse tipo de conflito é resolvido por meio de um voto de desconfiança e novas eleições.

Em contraste, nos sistemas presidencialistas com mandatos fixos, conflitos geralmente são resolvidos ou pelo Congresso tirando o presidente, como o Brasil fez, ou por um presidente autocrático dissolvendo o Congresso — resultado autoritário mais perigoso.

Isso está acontecendo na Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro orquestrou um “golpe constitucional para enfraquecer o Congresso”. Maduro juntou-se animadamente ao PT ao descrever o possível impeachment como um “golpe”; isso fortalece sua posição doméstica.

O Judiciário brasileiro, porém, já declarou que o processo de impeachment seguiu os procedimentos corretos. Na Venezuela, hoje sinônimo de corrupção e instituições problemáticas, o devido processo legal foi distorcido pela suprema corte local.

O impeachment no Brasil não é a única crise constitucional na América Latina, nem a mais grave. Esse triste primeiro lugar vai para a Venezuela, fato frequentemente ignorado por aqueles, incluindo Dilma, que têm o impeachment como “golpe”.
John Paul Rathbone - Financial Times

Ilusões medíocres

Cada povo tem seus problemas, aos quais se apega até o esgotamento; em seguida, livra-se deles, procura outros e, quando não os encontra, acomoda-se no seio de seu próprio vazio. É natural que esses problemas sejam ilusões; a questão é determinar se são de qualidade ou não. Os povos de segunda ordem cultivam ilusões medíocres que não têm condição de suscitar a reflexão, apenas desprezo ou amargor
 Emil Cioran

PT festejou queda de Dilma!

Nem todos os petistas se entristeceram pelo afastamento de Dilma Rousseff. Na "indústria" do PT, instalada no governo de Quaquá, soltram fogos.
Washington Quaquá, presidente do PT fluminense, gastou uma fortuna do dinheiro público para comemorar. Lulopetista à raiz dos cabelos, e declarado adversário dilmista, o também prefeito promoveu 22 minutos de foguetório para saudar ainda o lançamento da candidatura de Fabiano Horta à prefeitura. 


O deputado, que à noite comemorou no município a indicação de seu nome, de manhã estava entre os que lamentavam o afastamento da presidente, em Brasília. Fazia mesmo parte da patotinha ladeando Dilma no melhor jeito de ser PT.

A festa pela queda de Dilma e indicação do candidato, que cedeu vaga a Wadih Damous na Câmara, contou com tropa contratada de outros municípios, transportada em ônibus alugados, e os mercenários da CUT e MST, segundo os jornais da região.

Se o PT está em frangalhos e seus principais dirigentes um pouco desnorteados, Quaquá reina no melhor estilo dos coronéis do cangaço. Gasta a rodo no interesse político do continuísmo, afronta as necessidades básicas do município e, como não poderia deixar de ser petista, mente de envergonhar Pinóquio. A começar pelo número de participantes do festão, engrossados pela multidão contratada, segundo eles, de 20 mil pessoas, numa população de 140 mil habitantes.

Se o PT, como partido, precisa se refazer e adotar práticas de administração mais condignas com o bem-estar da população, tem no presidente regional fluminense um desses escolhos, que deslustram qualquer entidade.

Por que tanta gente?

Vamos avaliar o programa, aumentar sua eficiência e responder a uma pergunta: por que um país que a presidente diz que tem menos de 10% de pobres, tem 50 milhões de pessoas precisando do Bolsa Família? Temos de explicar por que tem tanta gente
Osmar Terra, ministro do Desenvolvimento Social

'O Brasil quer'

O presidente em exercício, Michel Temer, não imaginava o exercício que o esperava para chegar à Presidência da República, substituindo a “impichada” Dilma Rousseff.

Reconhecido como o titular de um currículo de quem melhor conhece as entranhas do poder, em todos os níveis, Temer vive, desde a última quarta-feira, saltando cascas de banana. Reações ao seu ministério, as mais diversas, já partiram dos militares diante do nome do deputado federal Newton Cardoso Jr. para a Defesa; dos mineiros nem lembrados, com todos os nossos coestaduanos, eventuais pretendentes, barrados no baile; das mulheres, nem consideradas no grupo de ministros já indicados.


Charge do dia 16/05/2016

Temer costurou o apoio no Congresso com quem poderá contar nos embates que virão pela frente, com quem tem mando e voto, porque ninguém melhor do que ele sabe que não se governa sem apoio político, ainda que isso o exponha e reforce uma das mais sórdidas formas de compra de apoio, o tão combatido “toma lá, dá cá”.

O ministério de Temer, ninguém duvida, é uma troca de seis por meia dúzia. Os que cobravam do governo afastado medidas urgentes já dizem que as soluções não virão unicamente como a vontade e trabalho dos que entraram, mas que haverá de se produzir com ações duras, que poderão custar sacrifícios à sociedade. Temer sabia desde há muito tempo que ingressaria na Presidência, sabia com quem contaria, quem seriam seus aliados nessa empreitada.

Não há vice que não nutra essa esperança, a de um dia ser o dono da caneta e da cadeira. Mesmo assim, de tudo que disse até agora, não saiu das generalidades. Nada prometeu de concreto e substantivo, que levasse esperança a não ser aquela que toda mudança descortina.

O Brasil espera por decisões inadiáveis, por reformas que há muito se acham engessadas, não empreendidas porque contrariam interesses de grupos, especialmente nos demais poderes, Legislativo e Judiciário. Clama por melhor destinação das receitas orçamentárias, com a exclusão de privilégios, com a redução da inchadíssima folha de pagamentos dos servidores e dos detentores de cargos de confiança, das subvenções e subsídios concedidos em troca de favores e apoios.

Grita pela redução da carga tributária, injusta e opressora, mas defendida pelos governos como necessária ao custeio da máquina pública. Os servidores públicos querem, os empresários querem, os banqueiros querem, os militares querem, a Fiesp quer, o agronegócio quer, a sociedade quer. Como, quanto, quando e quem vai dar, eis a questão. Para responder, Temer terá pouco tempo. Que Deus seja por nós.

As cinzas do poder

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Foi um susto. Sabia-se que Luiz Inácio Lula da Silva se materializaria na despedida de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, após a mandatária assinar o ato de afastamento compulsório do cargo por até 180 dias. Ainda assim, foram necessários alguns nanossegundos para identificá-lo na figura apagada, esquiva, de olhar ausente e ar perdido captado por câmeras na retaguarda do palanque em que Dilma discursou para militantes na manhã de quinta feira.

Ele parecia ter encolhido de tamanho, aumentado de idade e cortado as amarras com o presente.

Embora a aprovação do processo de impeachment tenha sido contra sua criatura, Dilma, é Lula quem tem menos chance de tentar fazer as pazes com a história, com o Brasil e com sua biografia. Hoje quem diz “era petista” refere-se sobretudo a corrupção, mordomias, Estado aparelhado e saqueado. E cada vez menos ao que a marcha petista deu ao país pela primeira vez em 500 anos — uma identidade social e econômica menos humilhante para a maioria da população.

Como se sabe, quanto maior a biografia do político, maior a queda. “Líderes devem guiar enquanto são capazes. Depois, devem desaparecer”, escreveu H.G. Wells. “Suas cinzas não devem sufocar o fogo que geraram”.

Mais de quatro décadas atrás, o 37º presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon — para muitos historiadores o ocupante da Casa Branca que maior poder exerceu na função — tomou uma decisão que era anátema a tudo o que perseguiu em vida. “Nunca fui de desistir. Sair da Presidência antes do término do meu mandato é contrário a cada instinto do meu corpo”, anunciou em cadeia nacional de televisão na noite de 8 de agosto de 1974. “Mas decidi fazê-lo para colocar os interesses dos Estados Unidos em primeiro lugar”.

Menos de dois anos antes, ele havia sido reeleito com uma maioria estrondosa de 61% dos votos, pontuara 68% poucos meses depois ao encerrar o envolvimento militar americano na Guerra do Vietnã, mas despencara para perto de 20% por causa do chamado escândalo Watergate — a desastrada operação de espionagem contra a sede do Partido Democrata, ordenada e acobertada pelo presidente republicano.

Seguiram-se 17 meses de investigações, escândalos e atritos com o Congresso. Ao final de seu discurso de renúncia, sabendo que não teria os votos necessários para escapar ao impeachment na Câmara nem a uma condenação no Senado, Nixon acrescentou que “prolongar a luta por mais tempo para minha vindicação pessoal certamente haveria de absorver o tempo e a atenção do presidente e do Congresso num período em que nosso foco deve se concentrar na paz externa e na prosperidade interna. Comunico minha renúncia, efetiva a partir do meio-dia de amanhã, quando Gerald Ford prestará juramento neste mesmo Salão Oval”.

Com o anúncio, o país tratou de olhar para a frente, exaurido de tanto revirar fatos do passado. E Nixon, como percebeu o grande colunista James Reston, juntou-se quase aliviado a esse exercício através da renúncia: ignorando todos os crimes e mentiras que o obrigaram a abandonar o poder, despediu-se da nação falando generosamente do futuro, como se toda a tragédia de Watergate não passasse de um grande mal-entendido que minou sua autoridade e deveria ser esquecido. Também o país queria esquecer, virar a página, mesmo que de forma imperfeita.

Na essência, o caso de impeachment de Dilma Rousseff por crime de responsabilidade fiscal, e o que levou à renúncia de Richard Nixon nada têm em comum — a começar pela avaliação da legitimidade dos dois processos, que nos Estados Unidos jamais esteve em dúvida.

Ambos apenas mencionaram ter cometido erros em seus ato de despedida (temporária no caso de Dilma). “Fizemos coisas erradas na nossa Administraçao e a responsabilidade sempre recai sobre o cara de cima”, admitiu Nixon, emotivo e suarento, perante as filhas Julie e Tricia em lágrimas. “Posso ter cometido erros, mas não crimes”, discursou a presidente afastada, serena diante da plateia de aliados emocionados.

Quatro horas após o esvaziamento do Palácio do Planalto do último petista, na cerimônia de posse do novo Ministério, sinal dos novos tempos. Do gótico gabinete de Michel Temer, apenas um arriscou apresentar-se de gravata vermelha, adereço de regra dos donos do poder até a antevéspera. Gravatas prateadas, cinza chumbo e um ar mais sisudo compunham a coreografia desejada.

Mas a rua não é tola. O juiz Sérgio Moro também não. Nem Dilma nem Temer ou as Excelências da Câmara e do Senado que catapultaram o processo de impeachment teriam condições de pronunciar sem corar uma frase simples dita por Nixon ao se despedir de assessores, membros de gabinete aliados mais fiéis antes de decolar para o exílio do poder:

“Podemos nos orgulhar do fato de que, em cinco anos e meio, nenhum homem ou mulher que trabalhou para o meu governo dele saiu com mais bens materiais do que quando aqui entrou”. Referia-se, é claro, a vantagens e falcatruas. “Nenhum funcionário ou funcionária teve qualquer lucro às custas do bem comum. Isso diz muito sobre quem vocês são. Erros foram cometidos, sim, mas nunca em proveito próprio. Gostaria muito de ser rico para poder recompensá-los pelo serviço que prestaram à nação”.

Era verdade.

Menos da metade dos desenvolvidos têm Ministério da Cultura específico

Uma das grandes polêmicas do primeiro dia do governo Temer foi a fusão do Ministério da Educação com o de Cultura (e outras pastas). É impossível dizer o real impacto da decisão, mas o argumento de que tirar a Cultura de um ministério próprio vai na contramão da realidade do mundo não tem muita base.

Dos 34 países que fazem parte da OCDE, há um ministério da cultura específico em 15, entre eles França e México. A pasta divide espaço com outras grandes, como educação e esportes, em outros 12 países, como Reino Unido e Japão. O responsável pela cultura não está no primeiro escalão em sete governos, entre eles o progressista Canadá e o estado-quase-mínimo dos EUA.

Vale notar que a mudança em alguns países é recente. A Espanha e Grécia, por exemplo, fundiram o ministério da Cultura com outros após crises econômicas. Soa familiar?

Ter ou não um ministério específico pode ter um valor simbólico para muitas pessoas, e é natural que exista uma resistência a ideia de fazer o ministério voltar às asas da educação. É possível (necessário) ter uma discussão sobre os rumos da política governamental de cultura, já que muitas das bandeiras eram bastante associadas a ministros anteriores.

Por outro lado, os dados mostram que não há uma correlação clara entre um "ministério da cultura" e um país que favorece a cultura. Não é um prédio a mais ou a menos na Esplanada que decreta o sucesso de políticas públicas. Mas a discussão só está começando.