Ao longo da última década, muitos governos de esquerda da América do Sul recorreram ao PT. O Brasil demonstrou “paciência estratégica” com vizinhos como a Bolívia e a socialista Venezuela. Com Havana, também, o Brasil teve visão de longo prazo sobre a transição cubana. Mas boa parte da América do Sul está pendendo para o centro do espectro político.
Em 2015, a Argentina elegeu um presidente pró-mercado, Mauricio Macri. Os dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições peruanas em junho estão à direita do centro. E Temer é um centrista. Isso deixará o resto dos governos de esquerda da região sem a coberta diplomática que aproveitavam.
O impeachment de Dilma, formalmente em razão de orçamento — mas, na verdade, decorrente de frustração com a má gestão da economia e um escândalo de US$ 3 bilhões na Petrobras— também marca outra tendência regional: latino-americanos não tolerarão mais corrupção.
Escândalos levaram a protestos e a investigação de executivos e autoridades do governo. No ano passado, um escândalo de sonegação fiscal levou àrenúncia do presidente da Guatemala.
De acordo com Kevin Casas Zamora, do think thank Diálogo Inter-Americano, essa revolta não é porque a região está mais corrupta. Pesquisas feitas por grupos como a Transparência Internacional sugerem que há menos corrupção, não mais.
Em vez disso, as mídias sociais, com uma classe média ativa e melhores garantias institucionais, promoveram uma reviravolta. Cada vez mais, os ricos e poderosos estão sendo responsabilizados. O Brasil é o exemplo mais recente. Temer pode até ser ser denunciado. Isso mostra vigor institucional, não fraqueza.
A turbulência no Brasil também levantou um debate sobre as limitações do presidencialismo na região.
O problema é que tanto o Executivo quanto o Legislativo são diretamente eleitos, o que confere a ambos legitimidade democrática.
Isso cria problemas quando há um conflito entre os dois, como no caso de Dilma, que não tinha habilidade política para formar alianças entre os mais de 30 partidos. No parlamentarismo, esse tipo de conflito é resolvido por meio de um voto de desconfiança e novas eleições.
Em contraste, nos sistemas presidencialistas com mandatos fixos, conflitos geralmente são resolvidos ou pelo Congresso tirando o presidente, como o Brasil fez, ou por um presidente autocrático dissolvendo o Congresso — resultado autoritário mais perigoso.
Isso está acontecendo na Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro orquestrou um “golpe constitucional para enfraquecer o Congresso”. Maduro juntou-se animadamente ao PT ao descrever o possível impeachment como um “golpe”; isso fortalece sua posição doméstica.
O Judiciário brasileiro, porém, já declarou que o processo de impeachment seguiu os procedimentos corretos. Na Venezuela, hoje sinônimo de corrupção e instituições problemáticas, o devido processo legal foi distorcido pela suprema corte local.
O impeachment no Brasil não é a única crise constitucional na América Latina, nem a mais grave. Esse triste primeiro lugar vai para a Venezuela, fato frequentemente ignorado por aqueles, incluindo Dilma, que têm o impeachment como “golpe”.
John Paul Rathbone - Financial Times
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