sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Charge Super Notícia 1.2.2017

Tudo 'em casa'

O prefeito pastor Marcello Crivella, do Rio de Janeiro, está negociando a venda para “servidores públicos” dos apartamentos da Vila Olímpica construida pela Odebrecht. A CEF vai financiar, com juros reduzidos, claro, porque como “servidor” não perde o emprego mesmo que não sirva, mesmo que se sirva, não ha risco de inadimplência. As estatais também foram mobilizadas para que seus empregados não percam a oportunidade. Topa-se tudo, ate uma espécie de “leasing” em que cada “aluguel” pago vai sendo somado como se fosse uma prestação até que o felizardo fique dono da propriedade.

Beleza, né? Ah se todo locador fosse igual ao Estado brasileiro! Como não é, a favela paga a conta, como sempre…

O Globo, que deu a auspiciosa noticia e chamou-a na 1a pagina, lembrou em destaque as queixas de australianos e argentinos sobre a qualidade dos apartamentos na Olimpiada de modo que a favela que não estranhe se depois de pagar mais este mimo aos “funças” for cobrada pelas reformas que eles vão exigir, possivelmente fazendo greves onde elas são mais eficientes, ou seja, em “áreas sensiveis” como saude, transporte ou pagamento das aposentadorias miseráveis dos favelados, como de costume. Em caso de briga interna, governo x servidores ou servidores x servidores pelo melhor pedaço da presa, aí a greve se instala no setor de arrecadação de impostos, o único órgão de todo o vasto organismo da administração pública brasileira que ainda mostra algum tipo de “sensibilidade”.


A notícia sai um dia depois que o governo “festejou” o deficit primário de “apenas” R$ 156 bilhões, numero alcançado graças à repatriação de pouco mais de R$ 45 bilhões de dinheiro escondido no exterior, coisa que só acontece uma vez na vida. O deficit real foi, portanto, de R$ 201 bilhões, contra o que o “dream team” anunciou, energicamente, que vai “contingenciar” R$ 4,67 bi do orçamento…

As estatais, por sua vez, prosseguem no seu processo de “ajuste” de contas segundo as melhores práticas de “governança corporativa” transferindo impiedosamente grossas fatias do seu excesso mórbido de empregados para a Previdência via planos de aposentadorias incentivadas, isto é, precoces e aumentadas. É um expediente fulminante. O cara, normalmente enfiado lá dentro por algum político, sai da conta do governo e dos ricos acionistas da Petrobras, da Eletrobras e etc., e cai na conta dos “beneficiários” do desemprego, da deseducação, da insegurança, da insalubridade, do desatendimento na hora da doença e da miséria geral que resulta dos grandes deficits nacionais. E as ações sobem na Bolsa e todo mundo ainda aplaude o “ganho de eficiência” assim conquistado.

Por essas e outras, o IBGE registrou que a diferença média dos salários pagos no setor público e no setor privado subiu de 59% a mais para o setor público em 2015 para 64% a mais em 2016, e que o numero de desempregados bateu recorde com 12 milhões e 300 mil chefes de família na fila do desespero extremo.

Foi a primeira vez em tanto tempo que já não me lembro da anterior, que um jornal – a Folha de S. Paulo – deu manchete ao assunto que, se houvesse jornalismo honesto neste país empurrado à profundidade a que chegamos, não deveria sair das manchetes nem um único dia sequer. O jornal não chegou a mencionar explicitamente ou especular com “especialistas” a relação direta de causa e efeito entre a gordura mórbida do estado e a esqualidez de faquir da nação brasileira, o que seria pedir demais, mas ao menos deu-se uma manchete com o assunto do qual o leitor mais atento poderá eventualmente deduzi-la já que, na mesma edição, destaca que as Minas Gerais de Fernando Pimentel, do PT, que declarou estado de calamidade e pediu ao governo federal mais dinheiro dos miseráveis para sustentar o seu funcionalismo, continuou contratando a rodo neste ano da graça de 2017 que se inicia. Só neste mes de janeiro que acaba de acabar nomeou 1.867 funcionários novos. Também aumentou de 9 mil para 11 mil o salário dos funcionários do “poupatempo” mineiro e “promoveu” os da Secretaria da Fazenda (os encarregados da arrecadação de impostos que agora, no governo federal, têm “participação nos lucros” como na época de d. João VI) com um aumento de R$ 2,5 mil no salário. Já os 15 “conselheiros” da Cemig, tres dos quais são secretários de Pimentel, tiveram o terceiro aumento do “jeton” desde 2015. O mimo por reunião subiu de R$ 7,1 mil pra R$ 14,3 mil por enquanto. Pros barnabezinhos, tipo professor e outros servidores que realmente servem, Pimentel tem atrasado os salários de fome desde o inicio de 2016…

Não obstante, graças ao esforço ingente do jornalismo pátrio para bem informar, o Brasil inteiro ainda acredita que o que vai mudar ou não o seu destino é a escolha do herdeiro do trono de Teori Zavascki na relatoria dos feitos e acontecidos dos ladrões de casaca da Lava Jato, aquela operação que só “prende e arrebenta” do segundo escalão para baixo da “quadrilha” que assalta a riqueza da nação tambem por fora da apropriação indébita sistematica que está chancelado pela lei e garantida pela constituição…

Essa momentosa questão, como é adequado que aconteça numa “democracia representativa”, será decidida num quarto hermeticamente fechado do 2º andar do Anexo 2 do STF por um grupo altamente secreto de “servidores da Secretaria Judiciária” que, segundo eles próprios afirmam e dão fé – que é quanto basta neste nosso sistema inteiramente estruturado na boa fé e na confiança – que tudo será decidido aleatoriamente pelas artes de “um algoritmo”, que pinçará o nome do escolhido entre os quatro integrantes da 2a turma do STF à qual, incidentalmente, aderiu especialmente para a ocasião o ministro Edson Fachin.

Michel Temer dispõe de um latifúndio legislativo

A reeleição de Rodrigo Maia representa uma dupla vitória para o governo de Michel Temer. Além de manter no comando da Câmara um aliado que se revelou fiel, o Planalto consolidou o desmonte do centrão, grupo fisiológico que gravitava ao redor do ex-todo poderoso Eduardo Cunha.

Remanescente desse grupo, Jovair Arantes, membro da falange de Cunha que relatou impeachment de Dilma na Câmara, teve 105 votos, contra 293 obtidos por Rodrigo Maia. O centrão é como um elefante indiano. Precisa de um rajá para montá-lo. É um aglomerado fisiológico que, quando percebe que está dando com os burros n’água, se alia a burros mais secos.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Quando ainda não estava com água pelo nariz, Eduardo Cunha usava esse grupo para changear o Planalto. Com o auxílio involuntário de Sérgio Moro, que passou Cunha na chave, o Planalto eliminou o intermediário. E abriu o balc

ão para comprar os que ainda não foram comprados com cargos, verbas e favores. Com a oposição reduzida a alguma coisa ao redor dos 100 votos, Temer espera aprovar as suas reformas. Pelo menos a da Previdência. Talvez a trabalhista.

Não há ideologia nessa operação. Em tempos de Lava Jato, o Congresso foi reduzido ao fisiologismo na sua forma mais inumana, bestial e demoníaca. Dilma se rendeu ao fisiologismo. Mas não conhecia as artes do ofício. Caiu. Temer, ao contrário, é considerado um grande compositor. Compõe com todo mundo.

Nem com dor aprendem

A dor ensina a cada instante a natureza passageira da vida e o valor relativo das ambições.


Mas os fascinados pelo poder não aprendem a lição e desperdiçam oportunidades de exercê-lo melhor para o bem de todos
Ricardo Noblat

No país das regalias

Foro por prerrogativa de função ou mais comumente foro privilegiado é uma regalia gozada por quem ocupa altos cargos nos Governos, tais como Presidente da República, Vice-Presidente, Procurador-Geral da República e membros do Congresso Nacional.

Mas o que isso significa? É simples: a garantia de que essas pessoas terão um julgamento especial quando alvo de processos penais. Seriam julgadas pelo Supremo Tribunal Federal e não em Juizados de Primeira Instância.

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Parece que há cerca de 22 mil pessoas com foro privilegiado no Brasil, o que não acontece em nenhum outro país do mundo. Não é que não haja foro privilegiado em outros países, claro que há, mas essa instituição só alcança quem exerce as mais altas funções nos três poderes, justamente os que definem a Democracia: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Se não fossemos o país que herdou as regalias da Casa Grande, assim deveria ser: foro privilegiado apenas para o Presidente da República, seu Vice, o chefe do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, e os presidentes das duas casas do Congresso Nacional.

O foro privilegiado, e isso é inegável, fere o princípio de que todos devem ser tratados como iguais. Ou bem somos todos iguais, conforme o artigo 5º de nossa Constituição ou bem alguns de nós são mais iguais do que outros.

Fico em dúvida, sabe, leitor. Porque vejo em outros dados privilégios que fazem mais mal do que bem ao Brasil.

Pense bem: por que o sujeito que tem diploma universitário merece uma cadeia mais limpinha e confortável do que o infeliz que não tem diploma?

Isso me parece uma injustiça terrível: quem é mais culpado, o cidadão que teve todas as vantagens de uma instrução completa, desde o Jardim de Infância à Faculdade, ou o infeliz que não chegou nem a se alfabetizar?

Quem é mais culpado por crimes, sejam graves ou mais leves, qual dos dois? O moleque João que não teve as vantagens que o moleque José teve desde a mais tenra infância, que nunca passou fome, chuva ou frio e que estudou nos melhores colégios? Qual deles, ao matar, ou roubar, ou infringir uma lei é mais culpado? Qual dos dois merece um julgamento justo e detenção numa cadeia onde os direitos humanos sejam verdadeiramente respeitados?

Ambos merecem o privilégio de presídios decentes, com celas limpas, arejadas e bem iluminadas, com salas de aulas, bibliotecas, boas enfermarias, e, sobretudo, trabalho – onde aprendessem um ofício para, ao cumprir sua pena, sair e trabalhar para se sustentar e à sua família.

Esse é o único privilégio que o Brasil deveria exigir, aquele que transformaria nosso país na terra com a qual sonhamos. O privilégio de nossos detentos serem finalmente tratados como gente. Assim, creio eu, as novas gerações honrariam o Brasil.

Corra e Olhe o Céu

Quantas gerações serão perdidas?

Os jovens que concluíram o ensino médio no fim do ano passado e estão entrando agora no mercado de trabalho vão trabalhar até mais ou menos 2065. Até lá, quantas inovações tecnológicas, sociais e institucionais eles vão enfrentar? Não há como antecipar. Há 50 anos, não era possível imaginar que 80% dos brasileiros teriam em mãos um aparelho pelo qual poderiam trocar mensagens, tirar fotos, jogar, acessar uma rede mundial de informações, telefonar e muito mais. Mas o que dá para antecipar é que, sem educação de qualidade que assegure as aprendizagens básicas a esses jovens, eles não terão as ferramentas necessárias para navegar nesse século XXI.

Infelizmente, não estamos cumprindo essa missão. O monitoramento da Meta 3 do movimento Todos Pela Educação mostra que apenas 7% dos estudantes do fim do Ensino Médio tinham aprendido o mínimo adequado em Matemática em 2015. Apenas 7%!

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O pior que pode acontecer é nos acostumarmos com esses resultados. É engolir tão facilmente que a maioria dos alunos — principalmente os mais pobres, os que mais precisam — tem acesso à escola, mas não a uma educação de qualidade.

Está certo. Temos que valorizar avanços importantes, como os do ensino fundamental 1. Mas as vitórias nessa etapa não estão sendo transmitidas para as seguintes.

O sistema de gestão educacional num país como o nosso é gigantesco, e continuamos com a lógica da ampliação do acesso, com ênfase nos insumos — que são pressupostos importantes, mas não suficientes para garantir aos nossos jovens experiências e resultados de aprendizagem efetivos e sustentáveis. O sistema atual “de cima para baixo” e uniforme (tudo igual para todos) precisa dar lugar a outro mais flexível, específico, descentralizado, operado localmente, aberto às produções e exemplos de outras escolas, orientado para resultados educacionais (que vão muito além do que as avaliações conseguem medir), com profissionais conectados e trabalhando de forma colaborativa, e apoiados técnica e financeiramente. Um sistema que reconheça que a educação não melhora no papel, mas com a ação de milhões de pessoas, os profissionais que estão no dia a dia das escolas.

Se já pagamos um preço altíssimo por ter hoje uma população sem acesso a uma educação de qualidade, como será daqui a alguns anos? Melhor não deixarmos a realidade responder a essas perguntas.

Priscila Cruz (Movimento Todos Pela Educação)

O zurrar da molecada

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Estava escrito bem antes do mundo ser mundo que a molecada faria o que é sua marca registrada. Não deu outra. Os sacripantas nem os mortos respeitam. Servem-se desses como trincheiras contra o que não respeitam como o direito, a justiça, a dignidade, que não possuem.

Os vira-latas petistas começaram a latir e babar tão logo anunciada a morte cerebral de Marisa Letícia. Do alto do túmulo ainda vazio, os abutres partidários cospem sangue contra o "massacre que a família dela tem sofrido nos últimos meses". Canalhas de carteirinha como Quaquá, presidente do PT fluminense, descobriram até mesmo os culpados pela morte. “Os moleques de Curitiba e o Moro mataram dona Marisa”.

Podem ladrar à vontade, mas a cada latido demonstrarão pelos séculos a mediocridade canalha. Abusam de uma morta que merece respeito tanto quanto qualquer outra pessoa. Mas essa indigna gente prefere abusar até dos mortos para servir seus interesses até mais monetários do que políticos, porque são quadrilha.

Os que ladram, em "defesa da família Lula da Silva", são os mesmos que sempre silenciaram sobre a secretária amante Rose, municiada com cartão corporativo. Verdadeiramente nociva a Marisa Letícia foi a mochileira que o ex-presidente carregou por todo lado. Mas do descarado adultério do poderoso chefão, sustentado com dinheiro público, que certamente causou muito mal a ex-primeira-dama, silêncio. 


Marisa Letícia assim é usada até no descanso, que os mortos merecem, para favorecimento da gentalha bem viva. Ainda bem que o inferno espera de braços abertos e fornos à toda pela canalha que faz dos mortos bandeira politiqueira.
Luiz Gadelha

Dois coelhos numa paulada só

Dois coelhos bem que poderiam ser afastados numa só cajadada: o sigilo em ações penais e o tal segredo de justiça. Tem sido grande o prejuízo causado a cidadãos que deveriam estar beneficiados pelo princípio de ser todo mundo inocente até se lhe provarem a culpa. A verdade é que não se respeita o sigilo nas delações premiadas, antes mesmo de oferecidas as denúncias e abertos os processos. O resultado pode ser lido nas páginas dos principais jornais, todos os dias. Admite-se até como verdadeiras certas acusações, mas quantas terão sido mentirosas? Se é para prosseguir nessa distorção, melhor que se suprimisse o sigilo. Toda delação deveria ser permitida, claro que com o nome do delator. E a punição para quem inventou a mentira.

Vale o mesmo para o instituto do segredo de justiça. O juiz tem a prerrogativa de determiná-lo, mas virou regra a mídia quebrá-lo, sem que nada aconteça. Seria mais natural a supressão dessa defesa que não defende nada. Todo processo deveria ser partilhado com a opinião pública, por mais escabroso que fosse. E com a consequência de férrea punição para o veiculo que distorcesse os fatos.

Ganharia a sociedade. A justiça também. O que não dá é a lei estabelecer uma diretriz e os fatos a renegarem. Quantos políticos podem estar sofrendo injustiças nesses dias bicudos das delações premiadas? Seus nomes, uma vez divulgados, continuarão na execração e no conhecimento geral. Então, que se libere a divulgação, assim como se acabe com o segredo de justiça. Mas com a rápida e implacável punição para quem denegrir, mentir e inventar.

Imagem do Dia

Mulheres fazem oferenda para Iemanjá, no Rio Vermelho.
Dia de Iemanjá, no Rio Vermelho (Salvador), Victor Moriyama

A saúde, a economia e a pauta

Saúde não tem preço, tem custo.

O sistema de saúde é um dos que mais movimenta dinheiro no mundo.

O Brasil gasta 9% do PIB com saúde. França, Suécia, Inglaterra e Canadá gastam percentuais semelhantes, mas seus sistemas são mais eficazes; os americanos consomem 17%, mas estão classificados em último lugar entre os onze países mais desenvolvidos.

Por que tanta diferença?

São muitas as razões; por exemplo, a universalização do atendimento é limitada por mercantilismo, corrupção e distorção de evidências científicas.

Mas como distorcer evidências?

Estima-se que anualmente são publicados mais de 1,5 milhão de pesquisas médicas, com um crescimento de 20% na última década, diluindo a qualidade da informação. Lidar com tantos dados que priorizam a equação custo-benefício é um desafio para os médicos, gestores, imprensa leiga e pacientes.

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Em 1980, a Universidade de McMaster, Canadá, difundiu o conceito de medicina baseada em evidências (MBE), defendendo a análise crítica de trabalhos científicos, em busca de “[…] uma medicina conscienciosa (‘relevante’) e judiciosa (‘relação risco e benefício’), utilizando as melhores evidências para orientar na investigação e escolha do tratamento […]”.

Segundo o especialista em MBE Dr. Luis Claudio Correia (Escola Bahiana de Medicina) no memorável artigo “Medicina Pseudocientífica”, “[...] o método científico é um conjunto de procedimentos que minimizam as ilusões [...] quanto menos rígido for [...] mais susceptível o estudo fica às ilusões do mundo real”.

As pesquisas que recomendam se determinada prática deve ou não ser difundida devem estudar grande número de enfermos. Com número pequeno, é grande a chance de ocorrer algum viés na seleção dos enfermos.

Quando grupos de pacientes semelhantes são escolhidos de forma randomizada (estatisticamente aleatória) para receber um ou outro tratamento, temos maior possibilidade de verificar a eficiência dos tratamentos testados.

Uma série de casos cuidados de uma forma específica não permite generalizar conclusões, pois só cria hipóteses a serem comprovadas.

A evidência científica é essencial para o ato médico ético, mas os grandes estudos prospectivos randomizados levam tempo para serem concluídos e debatidos. Precisam de financiamento, o que não é simples ou isento de conflitos. Mesmo seguindo normas preestabelecidas, podem gerar conclusões equivocados ao serem repetidos por outros pesquisadores. A medicina é a ciência das verdades passageiras!

Mas o que fazer diante de uma doença veloz, ou quando o paciente não pode esperar?

A recomendação de um médico experiente, que considera os detalhes do seu paciente, mesmo contrariando o senso comum vigente, não deve ser desconsiderada.

A medicina não é uma linha de produção. Hospitais não podem funcionar como montadoras de veículos, e algumas publicações científicas deveriam rever suas atuais metas.

A medicina será sempre pauta, mas a economia não pode pautar a medicina o tempo todo.

Sem salvação

As 5 leis da estupidez humana
Aconteça o que acontecer, continuaremos estúpidos
Gustave Flaubert

A cobra morde o próprio rabo

Nunca esteve tão claro o fracasso das políticas públicas de segurança no Brasil. Embora esforços tenham sido feitos no passado recente, com pequenas conquistas em termos de diminuição das taxas de crimes violentos, tudo parece ter sido tragado pelo fortalecimento das facções do crime organizado, originárias dos estados onde obtiveram mais sucesso: São Paulo e Rio.

Negou-se que havia crime organizado no tráfico de drogas e de armas no Brasil durante 30 anos, censurando como direita penal quem afirmava essa existência ameaçadora para a democracia. Agora, é indagar por que a adesão às facções se ampliou, apesar das inovações tecnológicas e tentativas de policiamento comunitário.

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Mais do que o compromisso com os direitos humanos, é o entendimento desse processo de crescimento que permitirá saber o que precisa ser mudado. Enquanto políticas de segurança buscavam alterar a ação policial, as velhas práticas policiais de trocar tiros em qualquer lugar a qualquer hora e por qualquer motivo persistiram.

Mudanças recentes na legislação sobre drogas e na instalação de audiências de custódia, para diminuir a população carcerária, continuaram a encher as prisões com homens jovens, moradores de favelas e periferias, flagrados na zona cinzenta entre o tráfico e o uso.

Acusações de tráfico, que compõem 90% das prisões feitas em flagrante, são dadas com base na palavra do policial, fonte da extensa corrupção que corre entre policiais e jovens moradores das cidades.

A maior parte dos presos provisórios que vão para audiências de custódia continua encarcerada até o julgamento por não dar endereço correto com nome de rua e número da casa, ou seja, fora de favelas; por não provar ter um emprego formal, ou seja, biscateiros ou negociantes informais não escapam da decisão do juiz para permanecer em presídios até o julgamento — em média, 40% deles, esperando ali meses a fio.

Nesses presídios, as celas são coletivas, alojando 30 ou 40 homens permanentemente trancados, com banho de sol uma vez por semana, se tanto. Não surpreende que ali as explosões emocionais que podem resultar em morte sejam comuns. Por isso, uma das preocupações fundamentais de qualquer preso é assegurar alguma proteção para não ser morto por outro preso.

Compra-se de tudo ali dentro, inclusive a mudança de cela e de unidade penal. A cantina vende o que o preso precisa para ter um mínimo de conforto, de comida e de higiene.

Junto com a sociedade dos cativos, que desenvolve suas próprias regras e valores, há também a economia informal da cadeia, que cria exploração do trabalho de presos “caídos” e reinstaura a desigualdade, a estratificação e as estruturas de poder que julgam e punem os presos informalmente, sem piedade.

Entende-se melhor por que as facções adquiriram tanta importância desde o fim dos anos 1970. Eles precisam de proteção nas prisões. Por causa da lealdade crescentemente necessária, a figura mais odiada no mundo do crime é o alcaguete, que fala na delegacia sobre os comparsas, que denuncia o funcionamento da boca para policiais ou inimigos da outra facção.

Abrem a boca os novatos, sem experiência, considerados “vacilões” pelos comparsas “formados”.

Isso mostra que há um aprendizado para entrar e passar a ser protegido na organização, na confiança cercada de desconfianças e no pertencimento frágil constantemente postos à prova. Só a certeza de que, fora dela, o risco seria maior mantém a adesão dos neófitos.

Fora e dentro da prisão, um dos maiores sorvedouros do dinheiro ganho pelos traficantes era, e talvez ainda seja, a propina paga a policiais, civis e militares, para continuar ganhando dinheiro no negócio e bancando o arrego.

Por isso, quando se escuta o que dizem os envolvidos na criminalidade, entende-se que existe um encadeamento contínuo de jogos que dependem de muitos parceiros, intermediários e adversários para evitar a prisão ou para permanecer vivo dentro dela.

As narrativas são infindáveis e as negociações imprevisíveis, com os traficantes do varejo passando a maior parte do seu tempo negociando e pagando caro pela liberdade deles mesmos e de seus parceiros.

Claro que esse encadeamento é o que os prende cada vez mais às regras de reciprocidade negativa baseada em chantagens e ameaças, mas, apesar disso, a única possibilidade de alguma proteção quando forem apanhados pelos agentes da lei, que podem matar, ou enviados para um presídio, onde podem morrer por nada.

É o que na teoria dos jogos chama-se a “repetição interminável das interações”, na qual os comparsas aprendem como agir cooperando para manter a organização forte.

Enquanto os atores institucionais nesses jogos forem contra o estado de direito, os envolvidos no mundo do crime não perceberão que há saídas sem risco. Estes vão continuar dando a volta na lei para lidar com a corrupção e a guerra entre eles e policiais.

Já se sabe que o que melhor explica o crime e a violência não é a pobreza, é a oposição ao estado democrático de direito. Portanto, não se trata de defender os direitos humanos porque eles representam o bem. É preciso mostrar que há alternativas para garantir o direito à vida, ao trabalho, a uma sentença justa dos acusados. E, se condenados, uma vida digna sem ameaças de morte a cada instante na prisão.

Ser mulher no País do Carnaval

O Estado de São Paulo, sozinho, é responsável por um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil; tem duas universidades consideradas entre as mais prestigiosas do mundo (USP e Unicamp); a cidade que empresta o nome ao estado é uma das maiores, mais ricas, mais sofisticadas e a que oferece a maior diversidade cultural da América Latina. E nesse mesmo espaço geográfico registrou-se, no ano passado, um estupro por hora – isso mesmo, um estupro por hora. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foram notificados 9.888 casos em 2016, um aumento de quase 7% em relação a 2015. Na capital foram seis estupros por dia – 2.299, alta de 10% em relação ao ano anterior.

Machismo real machismo, mujer, don quijote, molito, hombre:
Os números referentes ao Brasil são ainda mais assustadores. Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos e 33 segundos uma mulher é estuprada no Brasil, ou seja, cinco a cada hora. E essas estimativas, tanto às concernentes ao estado de São Paulo, quanto à totalidade do país, são subnotificadas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que por ano são 527 mil tentativas ou casos de estupro consumados no Brasil e, destes, apenas 10% chegam a ser reportados à polícia. Conforme o Instituto Sou da Paz, 23% das vítimas têm entre 11 e 15 anos; em 58% dos casos, o estuprador é conhecido das vítimas; e 29% têm ou tinham algum tipo de relação amorosa com as vítimas.

Em 2010, a Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), realizou a pesquisa Mulheres Brasileiras no Espaço Público e Privado e concluiu que uma em cada dez mulheres foi espancada pelo menos uma vez na vida. Ou seja, a cada dois minutos, cinco mulheres são surradas no Brasil. A pesquisa apontou ainda que 40% de todas as mulheres ouvidas já tinham sofrido algum tipo de violência (cerceamento da liberdade, ofensa psíquica ou verbal, ameaça ou agressão propriamente dita). Em 80% dos casos, o atacante é o próprio parceiro.

No ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos países onde mais se matam mulheres no mundo. Segundo estudos do Ipea, a cada ano, em média, aqui são assassinadas cinco mil mulheres. Um terço desses crimes ocorre dentro da casa da vítima, após o fim do namoro ou casamento, cometidos por homens que não aceitam a separação. O Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, lançado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), mostra que a taxa de feminicídio cresceu de 2,3 vítimas por 100 mil mulheres em 1980 para 4,8 em 2013, um aumento de mais de 100%.

Já a pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinatos de Mulheres, realizada Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, em 2013, concluiu que sete em cada dez entrevistados consideram que as brasileiras sofrem mais violência dentro de casa do que em espaços públicos e metade avalia que as mulheres se sentem mais inseguras dentro da própria casa. Os dados revelam que entre os entrevistados, de ambos os sexos e todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro, 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira e 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres.

E o mundo, que está se tornando um lugar cada vez mais inseguro para todos, é mais cruel ainda para com as mulheres. A Rússia, governada pelo ex-chefe da KGB, Vladimir Putin, aprovou uma lei que despenaliza a violência doméstica, sempre que a agressão não causar danos à saúde da vítima – ou seja, investidas que provoquem “apenas” dor física e deixem marcas ou arranhões não são mais crimes na ex-União Soviética. Só quando o agressor voltar a bater no mesmo familiar poderá ser processado, mas unicamente quando o agredido conseguir demonstrar os fatos, porque a justiça não atuará nestes casos. O mais trágico nisso tudo é que os autores do projeto que tornou-se lei são mulheres – duas deputadas e duas senadoras do partido de Putin, que, recentemente, declarou: “A descarada ingerência na família pela justiça é intolerável".

Na Rússia, como aqui, no País do Carnaval, vigoram as máximas de que em briga de marido e mulher não se mete a colher e que tapa de amor não dói. Tristes tempos.