sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Brasil , agora, tá direito

 


A segunda onda da ignorância de rebanho

O mundo político emprega todas as suas energias na discussão sobre quem ganhou a eleição, se foi o centro ou a direita cheirosa, e o que eles e seus partidos podem fazer com isso para manter o poder de cada dia e chegar mais ou menos fortes a 2022. Uma canseira. Na vida real, a Covid-19, insidiosa, volta a lotar os hospitais. A média móvel de mortos aumentou 45% nos últimos 15 dias. Há tendência de alta em 14 estados, que registraram um crescimento de 71% no registro de casos.

Tecnicamente, talvez nem se possa chamar esse recrudescimento da pandemia de segunda onda, já que, aqui, a primeira nem acabou. Pouco importa a designação, porém, diante da perspectiva de repetição de uma tragédia. E da atitude do governo Bolsonaro diante da tragédia.

Há semanas o fantasma já vem rondando, com notícias de que o vírus voltara a atacar forte nos países europeus, o primeiro sinal do que poderá acontecer em breve no Brasil, como ocorreu na primeira onda. Por aqui, depois da retomada gradual das atividades nas escolas, na indústria e no comércio, o brasileiro, até com razão cansado, parece ter perdido de vez o controle. O que temos visto são aglomerações nas ruas, restaurantes cheios, praias lotadas, transporte público entupido e até festa nos vizinhos. Cada vez menos cuidado com máscaras, álcool, etc.


O que o governo faz diante disso? Nada, como pouco ou nada fez quando, no início do ano, já víamos a pandemia tomar conta da Europa, contaminando, matando, fechando tudo, bloqueando fronteiras e alguém aqui falava em “gripezinha”. Ela chegou e deu no que deu: mais de 5 milhões de casos, em situação de óbvia subnotificação, e quase 170 mil mortos. E é bom lembrar: naquela época, quem ocupava o Ministério da Saúde era Luiz Henrique Mandetta, e não Eduardo manda-quem-pode Pazuello.

É óbvio que o atual ministro não vai peitar o presidente da República para tomar providências com o objetivo de proteger a saúde da população – providências que, aliás, talvez ele nem saiba bem quais são. Tudo indica que a inépcia, o improviso e a irresponsabilidade com os quais Bolsonaro enfrentou a situação pela primeira vez vão se repetir. O presidente não se sensibilizou, não aprendeu nada, nem mudou para melhor – e temos tido provas diárias disso. Para Bolsonaro, a segunda onda é “conversinha”, do jeito que a primeira foi “gripezinha”.

Justiça seja feita ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que anunciou que haverá pagamento de auxílio emergencial em caso de segunda onda, ainda que, supõe-se, em valor menor. Mas integrantes de sua equipe, ansiosos pelo ajuste fiscal que se faz necessário, entraram na negação bolsonarista. Já decretaram que são “baixíssimas” as chances de um retorno da pandemia, alegando que a maioria das grandes cidades brasileiras teria alcançado a tal “imunidade de rebanho”.

Não é o que os médicos dizem, e só não vê quem não quer os seguidos alertas que vêm fazendo na mídia, pregando a retomada de medidas como o isolamento social e manifestando enorme preocupação com as festas de fim de ano. Não é também a opinião de economistas independentes, que começam a ver no horizonte sinais da nova catástrofe.

Todo mundo sabe que, de onde menos se espera, é que não sai nada mesmo – e aqui falamos do governo Bolsonaro e sua ignorância de rebanho. É urgente e imprescindível que as instituições do Legislativo e do Judiciário, incluindo políticos e candidatos neste segundo turno, comecem a olhar para o tsunami que se aproxima da praia. Só vota em 2022 quem ficar vivo.
Helena Chagas

Trilha de pó


O futuro é a única propriedade que os senhores concedem de boa vontade aos escravos
Albert Camus

Brasil perde 'uma reforma da Previdência' por ano em impostos não pagos por milionários e empresas

O Brasil deixa de arrecadar por ano em impostos não pagos por multinacionais e milionários o equivalente à economia média anual esperada pelo governo com a reforma da Previdência, aponta estudo inédito divulgado na quinta-feira (19/11) pela Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network).

Segundo o levantamento, são US$ 14,9 bilhões (cerca de R$ 79 bilhões ao câmbio atual) em impostos que deixam de ser recolhidos pelo país por ano. A economia estimada pelo governo com a reforma da Previdência é de R$ 800,3 bilhões em uma década, o que resulta em uma média anual de R$ 80 bilhões.

Esse valor faz do Brasil o quinto país do mundo que mais perde impostos devido à elisão (uso de manobras lícitas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos) e evasão fiscal por multinacionais e pessoas ricas, atrás apenas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França, conforme o estudo.



Em todo o mundo, são US$ 427 bilhões (R$ 2,3 trilhões) em impostos perdidos, sendo US$ 245 bilhões devido à transferência legal ou ilegal de lucros de multinacionais para paraísos fiscais e US$ 182 bilhões não pagos por milionários que escondem ativos e rendimentos não declarados no exterior.

Os dados fazem parte da primeira edição do relatório "Estado Atual da Justiça Fiscal", que passará a ser divulgado anualmente.

O estudo foi possível pois, pela primeira vez, em julho deste ano, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) disponibilizou ao público os dados dos chamados relatórios país a país, colhidos pela entidade nos últimos cinco anos como parte da iniciativa Beps (Erosão da base tributária e transferência de lucros tributáveis, na sigla em inglês).

Nesses relatórios, todos as multinacionais com sedes em países da OCDE e lucro acima de 750 milhões de euros (R$ 4,7 bilhões) por ano são obrigadas a reportar seus registros financeiros, com dados para cada país em que a empresa atua.

"É evidente que existe um problema de desequilíbrio das contas públicas no Brasil e um ajuste fiscal precisa ser feito, mas as propostas sempre focam no lado do corte de despesas", afirma Gabriel Casnati, coordenador de projetos internacionais da ISP (Internacional de Serviços Públicos), entidade parceira da Rede de Justiça Fiscal na realização do estudo.

"O que os dados mostram é que há espaço para se pensar o ajuste através de melhorias na arrecadação", diz Casnati.

"Os dois eixos principais para isso são reformas tributárias progressivas a nível nacional — porque hoje, no Brasil, os mais pobres pagam mais impostos, e benefícios fiscais para grandes empresas poderiam ser revistos —, e o combate à evasão e elisão fiscal, que são problemas globais, cuja solução exige coordenação internacional."

Segundo o coordenador da ISP, o esforço de aumentar a arrecadação se torna ainda mais relevante no mundo pós-pandemia, onde os países enfrentam forte aumento de suas dívidas e déficits fiscais, devido às despesas em resposta ao coronavírus.

No Brasil, o Ministério da Economia estima que o déficit primário (diferença entre a arrecadação e os gastos do governo, sem contar despesas com juros da dívida pública) deve chegar a 12,7% do PIB (Produto Interno Bruto) ou R$ 905,4 bilhões em 2020. Já a dívida bruta deve ir a 96% do PIB este ano, superando os 100% do PIB até 2026.

"Diversos países da América Latina, e também o Brasil, já tinham um problema fiscal muito grave antes", diz Casnati. "A pandemia acelerou a crise, ao obrigar os Estados a gastarem mais. Governos de esquerda e direita tiveram que aumentar o gasto público emergencialmente, ao mesmo tempo em que a arrecadação caiu muito."

"O grande debate para todos os países nos próximos anos será como pagar essa conta", avalia.

"Nesse sentido, é fundamental colocar na agenda do dia que grandes corporações e os 0,1% mais ricos utilizam mecanismos legais e ilegais para transferir dinheiro para fora e isso drena recursos do país. Independentemente da ideologia, os políticos deveriam estar preocupados em resgatar esse dinheiro, como forma de que a população pague menos a conta da crise."

A título de comparação, o estudo estima que a perda de arrecadação do Brasil com impostos não pagos por multinacionais e milionários são equivalentes a 20% do orçamento do país destinado à saúde ou ao salário anual de mais de 2 milhões de enfermeiros.

Assim, a Rede de Justiça Fiscal e seus parceiros na elaboração do relatório fazem algumas recomendações para que esse quadro de perda de arrecadação possa ser mitigado.

A primeira delas é que seja introduzido pelos governos um imposto sobre multinacionais que estão obtendo ganhos considerados "excessivos" durante a pandemia, como as gigantes digitais globais.

Uma segunda recomendação é a introdução de um imposto sobre a riqueza para financiar o combate à covid-19 e tratar as desigualdades de longo prazo exacerbadas pela pandemia.

Por fim, as entidades defendem que a discussão sobre um padrão internacional para a tributação de empresas, além de medidas de cooperação e transparência fiscal, devem se dar no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas) e não da OCDE, já que esta entidade reúne apenas os países mais ricos.

Casnati defende ainda que o projeto Beps de combate à erosão da base tributária deveria ser ampliado, para que as multinacionais reportem seus dados fiscais não só para seus países-sede, mas também para os países onde suas filiais operam.

Para ele, a declaração de registros financeiros deveria incluir mais empresas, e não somente aquelas com lucros acima de 750 milhões de euros por ano. As multinacionais também deveriam, na sua opinião, ser tributadas como entidades únicas, posto que atualmente muitas têm suas operações internacionais consideradas como entes independentes.

E, por fim, para encerrar a guerra fiscal internacional, o analista avalia que seria desejável a criação de uma taxação mínima para empresas a nível global. "Isso impediria o que acontece hoje, um leilão ao contrário em que quem dá menos [exige menos impostos] ganha e todos os países perdem arrecadação", diz Casnati.

Em junho deste ano, o ICRICT (Comissão Independente para a Reforma da Taxação Internacional de Empresas, em tradução livre) — grupo formado por nomes de peso da economia como o americano Joseph Stiglitz, os franceses Thomas Piketty e Gabriel Zucman, a indiana Jayati Ghosh e o colombiano José Antonio Ocampo — lançou um documento propondo, entre outras medidas, uma taxação mínima global de 25% sobre as companhias para evitar que elas busquem países de menor tributação.

À época, a proposta teve sua viabilidade questionada por alguns especialistas em tributação, diante do pesado esforço multilateral que seria necessário para colocar uma medida do tipo em prática.

A desastrosa marcha à ré do combate à pobreza e à desigualdade

Nos últimos dez anos, perdemos a luta contra a pobreza e a desigualdade, objetivo incontornável de qualquer país que se quer decente. Essa é a conclusão do primoroso trabalho "Distribuição de renda nos anos 2010: uma década perdida para desigualdade e pobreza", escrito por três ases --os pesquisadores Rogério Barbosa, Pedro Ferreira de Souza e Sergei Soares-- e recém-publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, na série Textos de Discussão.

Ali se lê que os ganhos conseguidos entre 2012 e 2014 --e que davam prosseguimento a uma longa trajetória virtuosa de redução do número de pobres e das disparidades de renda-- cessaram com a crise econômica de 2015-2016 e foram literalmente revertidos nos dois anos seguintes.

O desarranjo da economia não atingiu a todos da mesma forma nem ao mesmo tempo. A derrocada começou no governo Dilma, provocada por uma leitura míope dos obstáculos da hora, conduzindo a soluções ineficazes para superá-los.



Mas foi ao longo da difícil recuperação que teve início em 2017, já sob o comando da centro direita de Temer & Meirelles, que a sorte dos mais pobres foi selada. Segundo os estudiosos citados, os brasileiros mais ricos se apropriaram de cerca de 80% do crescimento da renda no período, enquanto os ingressos da metade mais pobre caíram 4%. Na mesma proporção cresceu a desigualdade. Sem sombra de dúvida, esse aumento foi o responsável pela ampliação da pobreza.

Os pesquisadores demonstram que o inchaço do desemprego e a queda dos salários foram os vilões da tragédia que desfez sonhos e esperanças de milhões de famílias e multiplicou o número dos sem-teto nas grandes cidades.

A Previdência Social também teve seu papel: os maiores benefícios destinaram-se aos grupos de melhor remuneração. Finalmente, o estudo revela terem sido quase nulos os efeitos compensatórios dos programas de proteção da renda, como o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego e o Bolsa Família, cujos recursos não acompanharam o aumento dos que a ele teriam direito.

Uma administração que produziu muito progresso, mas não as condições fiscais para sustentá-lo, seguida de outra que em dois anos promoveu impressionante retrocesso social são responsáveis pela marcha à ré do país e pela perda de uma década de mitigação das injustiças.

Não é provável que o quadro melhore neste governo: reduzir pobreza e desigualdade não faz parte de sua agenda retrógrada. Que, ao menos, os democratas com preocupações sociais aprendam com o estrago e se preparem para fazer melhor.

A nova onda

A pandemia da covid-19, no Brasil, virou um endemia e assim será, até que a população seja vacinada em massa. A segunda onda, que está sendo avassaladora nos Estados Unidos e na Europa, aqui está começando, sem que a primeira tenha ido embora, ou seja, se inicia de um patamar muito alto, como aconteceu nos EUA. O presidente Jair Bolsonaro continua com sua postura negacionista, a ponto de, ontem, mandar apagar mensagem do Ministério da Saúde recomendando isolamento social. Deveria prestar um pouco de atenção ao que acontece na Suécia, que tratou o novo coronavírus como uma gripezinha, mas, agora, mudou de paradigma e resolveu aceitar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

São Paulo, por ser o estado mais populoso e também o mais conectado com os demais e o exterior, registra um aumento de 18% no número de casos de internações nas redes hospitalares pública e privada neste mês. Como na primeira onda, as classes A e B estão sendo as mais afetadas; a explosão deve ocorrer quando chegar à população de mais baixa renda, com menos capacidade de se manter a salvo do contato com o vírus. O grande dilema é como lidar com as medidas de proteção individual e, ao mesmo tempo, evitar o colapso econômico e social.



Bolsonaro reage a isso como quem entra em pânico numa emergência, apesar da retórica de valentão. Insiste na tese de que o isolamento social é a causa da crise econômica, culpando governadores, prefeitos, o Supremo e os “maricas” que têm medo do vírus, ou seja, a maioria de nós. Não reconhece que, em todo mundo, a origem da crise econômica é a pandemia; e que a política de isolamento social é uma maneira de evitar desastre ainda maior.

Um breve comentário de um confeiteiro do Sudoeste, bairro do Plano Piloto, em Brasília, resume a questão. Ele observa o comportamento dos clientes e conclui: a maioria dos que tomam os devidos cuidados no balcão de seu pequeno comércio — máscara e higienização das mãos — não teve a doença. Os que chegavam com máscara no queixo e não utilizavam o álcool em gel, em sua maioria, com a evolução da pandemia, disseram-lhe que contraíram a doença. “Um deles me disse que 22 pessoas da sua família tiveram a covid-19.”

Este é o xis da questão: é impossível manter as atividades econômicas sem protocolos rígidos de procedimento nas empresas e um comportamento equivalente por parte dos consumidores. A maioria das pessoas não está contraindo o vírus nos locais de trabalho, que seguem regras rígidas de funcionamento, mas em razão de seu comportamento social. A generalização das aglomerações — e não apenas os bailes funks — e a campanha eleitoral, de certa forma, contribuíram para a segunda onda, mas é preciso verificar as características do vírus que está circulando, para saber seu grau de mutação genética. Mesmo quem já teve a doença, por essa razão, deve tomar cuidado.

O presidente continua negando a chegada da segunda onda, mais ou menos como fez na primeira. O problema é que não terá como negar seu impacto na economia, porque a situação do Tesouro é muito diferente. A dívida pública deve chegar a 100% do PIB no fim do ano. O governo não terá como prorrogar o auxílio emergencial por longo período, mesmo mantendo seu valor em R$ 300.