segunda-feira, 24 de abril de 2017

A esquerda refém de Lula

Foram dias infernais para Lula. Em 6 de junho de 2005, Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciara o pagamento de propina a deputados.

No dia 16, José Dirceu, chefe da Casa Civil, pedira demissão. No dia 7 de julho, o Congresso instalara duas CPIs para apurar o caso.

E no dia 12 de agosto, Duda Mendonça, marqueteiro da campanha de Lula, revelara que fora pago no exterior com dinheiro de caixa dois.

Duas semanas depois da revelação feita por Duda que quase levou o governo a pique, Lula reuniu-se secretamente, à noite, com uma dezena de políticos em uma casa no Lago Sul de Brasília.

Estava acompanhado pelo ex-ministro José Dirceu. A maioria dos políticos era da oposição – entre eles o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) e Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado.

Parecia abatido. Todos ali sabiam que semanas antes ele tomara um porre e ameaçara renunciar ao cargo. Não sabiam, porém, o que ele contara a um amigo na véspera da publicação da denúncia de Jefferson: “A entrevista do Roberto vai virar o país de cabeça para baixo. Todo mundo vai achar que o governo não se sustentará mais de pé. Mas acredite: a montanha vai parir um rato”.

Dissera mais ao amigo: “Pensam que vão me destruir. Pois vou me reeleger e fazer meu sucessor”. E antecipara seus próximos lances: “Vou aproveitar para me livrar de Zé Dirceu e de Palocci”.

De Dirceu, se livraria rápido ao forçá-lo a pedir demissão. De Palocci livrou-se em março de 2006 quando se descobriu que ele comparecera a alegres festinhas promovidas por lobistas.

Aos políticos que o ouviram atentos naquela noite de temperatura amena em Brasília, Lula dissertou sobre o agravamento da crise política que enfrentava, e em seguida foi direto ao ponto:

“Sou um torneiro-mecânico. Jamais imaginei chegar aonde cheguei. A essa altura, não desejo mais nada. A única coisa que quero é completar meu mandato, mesmo sangrando”.

Se não o deixassem sangrar até o fim, advertiu: “Nesse caso irei para as ruas e lutarei pelo mandato que o povo me conferiu”.

Ninguém o interrompeu. Nem comentou o que ele disse. Mas nos dias seguintes, a palavra de ordem repetida pelos mais influentes líderes da oposição dentro do Congresso foi esta: “Vamos deixar que Lula sangre, e o poder nos cairá no colo”. Amadores!

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O futuro de Lula já não mais depende dele, o mestre do ilusionismo que marcou todas as eleições presidenciais de 1989 para cá. Esgotou-se o estoque de truques de Lula quando a decisão sobre o seu destino migrou da órbita da política para a da Justiça.

Só quem pode salvá-lo são seus advogados. A jararaca jaz quase inerte. As delações recentes emudeceram o PT.

A esquerda que cavalgou Lula para chegar ao poder carece de nomes e de rumo para reverter seu encolhimento registrado nas últimas eleições. Nas próximas, encolherá mais.

Entre muros, reconhece o mal que Lula lhe fez, um líder sem compromisso com nada que não fosse a sua própria sobrevivência. Mas ainda se recusa a reconhecer o mal que ela, esquerda, fez também a Lula e ao país.

No momento, esperneia, ataca os que corromperam e que se deixaram corromper, poupa Lula e prega eleições diretas, já, para derrubar o governo. Finge que desconhecia o mar de lama que a beneficiou antes de engolfá-la.

De fato, segue refém de Lula, que com o seu apoio poderia vir a ser candidato outra vez driblando uma eventual condenação definitiva na Justiça. A ver.

Enormidades

A divulgação da “lista do Fachin” escancarou as enormidades que se apossaram do negócio da política no Brasil.

A primeira enormidade é a do Estado ­Odebrecht, a manipular o Estado brasileiro como mãos hábeis manipulam fantoches. São milhões para cá, milhões para lá, a contemplar desde o presidente do PSDB, Aécio Neves (prestações de 1 milhão a 2 milhões de reais na construção de usinas hidrelétricas, segundo um dos inquéritos), até o Vado da Farmácia, ex-prefeito de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco (150 000 reais pela permissão de construção de um complexo hoteleiro; 750 000 por benefício fiscal em outro empreendimento). Variadas eram as ofertas na feira – medidas provisórias figuravam entre as mercadorias mais atraentes – e a Odebrecht era ansiosa compradora, recolhendo na sacola a República Federativa do Brasil.

A segunda enormidade é a que repousa sobre os ombros da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal. Dependendo da atuação de ambos, tudo pode acontecer, ou nada. A lerdeza habitual opera a favor do nada. Vai no mesmo sentido a quantidade de fatos e personagens a investigar, processar e julgar, suas ramificações e imbricações. Faltou método no modo como foram tratadas as autorizações de abertura de inquérito na semana passada. Veio tudo de cambulhada, sem agrupamentos por tipo de crime, por gravidade, por localização, ou por qualquer outro critério. No mensalão, o relator Joaquim Barbosa aplicou uma separação por núcleos – o político, o empresarial, o financeiro. O.k., a Lava Jato tem tamanho e complexidade maiores. Por isso mesmo algum método terá valor ainda maior, para o bom entendimento do público e para o bom andamento dos trabalhos.



A terceira é a tarefa do precário governo Temer, sem a legitimidade das urnas e lotado de corruptos, para levar a bom termo sua gestão. Já estava difícil, para um governo que fixou como meta fiscal -143 bilhões de reais neste ano (sim, a “meta” é um déficit de “só” 143 bilhões) e -139 bilhões em 2018. O sucesso de Temer está pendurado em “reformas” para cuja aprovação depende de um Congresso mais desmoralizado ainda do que antes pelo golpe da semana passada. O ânimo da Câmara dos Deputados pode ser medido pela patética cena ocorrida quando o deputado Miro Teixeira subiu à tribuna e avisou que o site do jornal O Estado de S. Paulo estava publicando a lista dos investigados. O encaminhamento da importante renegociação da dívida dos estados foi deixado de lado enquanto os deputados corriam a seus celulares ou a seu gabinete. Em instantes o plenário se esvaziou e a Câmara mudou do agito dos dias de votação importante para uma casa fa­ntasma.
Outra enormidade será preparar a eleição de 2018. Com que regras será realizada, com que candidatos? Acresce que fixar as regras caberá ao atual desmoralizado Congresso, a menos que o Supremo Tribunal encontre algum modo de tomar a si a tarefa. Como se não houvesse nem déficit fiscal nem Lava Jato, até dias atrás os deputados tramavam criar um fundo de 2,2 bilhões de reais com dinheiro público para financiar as campanhas. Estavam em outro planeta, imaginando continuar o jogo como foi até agora, com dinheiro abundante para gastar com marqueteiros, programas de TV e jatinhos, e de quebra quem sabe até sobrando algum para enfiar no bolso. O choque de realidade da semana passada inviabilizou-lhes o sonho.

A última enormidade é a do grotesco da política brasileira. Não somos mais república de bananas. Chegamos a um nível mais baixo, o de regimes como o de Idi Amin, em Uganda, ou o do imperador Bokassa I, na República Centro-Africana. Não temos um ditador grotesco, mas temos uma grotesca cleptocracia, na qual um secretário da Saúde que posava de campeão do combate à corrupção, e que quase virou ministro da Saúde, acaba apontado como o maestro de um desvio de 300 milhões de reais na compra de próteses ortopédicas. As cifras, como sempre, são de fazer cair o queixo. A figura em questão, um dos membros da grotesca gangue do guardanapo do grotesco ex-governador Sérgio Cabral, é o doutor Sérgio Côrtes, preso na semana passada na operação adequadamente chamada de Fatura Exposta.

Paisagem brasileira

Rio Quebra-Anzol, Vinícius Silva

Após garantir o 'toma lá', Temer cobra o 'dá cá'

Em busca de uma pujante maioria parlamentar, o governo de Michel Temer barganhou tudo, com a possível exceção da mãe, que não rende votos no Congresso. Acenou com um gabinete de notáveis e entrou num bazar em que o Ministério da Saúde foi negociado com o PP (pode me chamar de partido do petrolão), trocando-se o médico Raul Cutait pelo deputado-engenheiro Ricardo Barros. Seduzidos pelo tilintar de cargos e verbas, congressistas ofereceram a honra. E o Planalto começa a se dar conta de que deveria ter exigido certificado de origem.

Após assegurar o ‘toma lá’, Temer passa pelo constrangimento de ter que cobrar dos seus ministros partidários que assegurem o ‘dá cá’. Nos próximos dias, vai-se descobrir o tamanho do apoio que o governo conseguiu comprar. A aferição será feita na apreciação do projeto de reforma da legislação trabalhista. Nesta terça-feira (25), a encrenca será votada na comissão. Na quarta, chega ao plenário. O governo tenta se antecipar à “greve geral” que CUT e Cia. Organizam para sexta-feira.


Juntos, os partidos com assento na Esplanada dos Ministérios somam 411 das 513 cadeiras disponíveis na Câmara. Mas os pseudo-aliados de Temer submeteram o governo a um vexame na semana passada. Só aprovaram na repescagem o pedido de urgência para a tramitação da reforma trabalhista. Ainda assim, forneceram apenas 287 votos, menos do que os 308 necessários à aprovação da emenda constitucional que institui outra reforma, a da Previdência.

Há dois meses, sem saber que estava sendo gravado, o ministro Eliseu Padilha (Casa civil), um investigado da cota pessoal de Temer, falou sobre o modelo fisiológico adotado na composição do governo. Evocou o caso da pasta da Saúde. Relatou: “Nós ensaiamos uma conversa de convidar um médico famoso em São Paulo.” Os dirigentes do PP mandaram um recado a Temer: “Diz para o presidente que o nosso notável é o deputado Ricardo Barros.”

Sem qualquer escrúpulo, prurido ou reticência ética, Padilha revelou ter aconselhado Temer a ceder ao PP. “Nós não temos alternativa”, disse ele ao amigo, realçando que o objetivo do governo era nomear ministros politicamente rentáveis, não notáveis. Pela conta de Padilha, a elevação do fisiologismo à categoria de princípio de Estado garantiria a Temer 88% dos votos no Legislativo. Por ora, a única certeza disponível é que, sob Temer, qualquer nulidade vira “notável”. Ou Temer amealha os votos ou restará a sensação de que o governo de coalizão é um conto do vigário no qual até um presidente do PMDB pode cair.

A guilhotina da América Latina

Pela primeira vez em muitos anos e desde o 11 de Setembro, a América Latina vivenciou uma ascensão que coincidiu com a homogeneização democrática da região, com as exceções de Cuba e da Venezuela. Na última década, o continente registrou um crescimento econômico excepcional impulsionado pelo boom e pela exploração de suas matérias-primas. E, além disso, graças a esse reajuste e à luta pela liderança entre as primeiras economias mundiais, obteve um apoio básico com a demanda chinesa e a construção de infraestruturas.
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No entanto, a América Latina carece de estratégias para conduzir seu desenvolvimento econômico em uma direção que lhe permita reparar sua maior falha. Refiro-me à pobreza e à desigualdade social que levaram o subcontinente a realidades como a do México, um país onde há cerca de 100.000 milionários e mais de 55 milhões de pobres – quase a metade de sua população.

O caso Odebrecht marca um antes e um depois na América Latina. Nunca antes tinham sido misturados no mesmo caldeirão todos os defeitos estruturais dos últimos 500 anos com a exportação da corrupção como um elemento essencial da conquista. Não apenas está envolvida a classe política sem exceção de todos os países latino-americanos, como também, além de tudo, trata-se de uma demonstração incrível da pouca capacidade dessa mesma classe de não perceber que, dado o grau de impunidade e de escândalo com que viveu, roubou e traiu seus povos, não há como sobreviver e não pode haver continuidade nem para essa classe, nem para os sistemas que ela representa.

Agora, após conseguir uma certa independência da influência de Washington e depois de espantar as forças obscuras do império norte-americano para que parem de alterar sua história, a região caminha em direção ao precipício da perdição, em vez de escalar a montanha do progresso. Por culpa do caso Odebrecht entregamos todos os planos de nossa decadência, da vergonha e da justificativa de nossa existência como países subdesenvolvidos aos norte-americanos, que são precisamente aqueles que podem ir manipulando Estado por Estado, presidente por presidente e classe política por classe política para a situação que mais lhes convenham. Essa realidade vem apenas realçar não só a incapacidade e o suicídio dos políticos latino-americanos, como também o resultado dos incessantes investimentos que fizeram para evitar que o problema da corrupção se tornasse um câncer terminal das sociedades.

Onde estavam os promotores anticorrupção? Onde estavam os sistemas de fiscalização dos gastos públicos? Como é possível que todos os controles tenham falhado? Agora ninguém sabe nada, ninguém viu e ninguém quer saber por onde começarão a ser aparados aqueles elementos que poderiam buscar o bem-estar geral e garantir a estabilidade que evite a convulsão social.

Todos os países, do México ao Brasil, entoam o mea culpa. E o fato de o Supremo Tribunal Federal brasileiro ter decidido terminar com o escândalo Odebrecht, investigando e processando quem for necessário, é uma consequência histórica do caso Tangentopolis na Itália, resolvido com a operação Mani Pulite (“Mãos Limpas”), que acabou com a classe política italiana da época, deixando como herança o Governo de Silvio Berlusconi durante quase 10 anos.

Tudo isso é agora um grande alerta que já não é necessário escutarmos, porque temo que, tal como as coisas estão, surgirão Humala após Humala, Santos após Santos e todos aqueles envolvidos nesse debulhar do rosário cheio de baixezas e traições à pátria perpetradas por aqueles que têm a obrigação de defendê-la mais e melhor.

Mas, além disso, precisamos ser capazes de entender que criamos e estivemos vivendo em um sistema no qual todo o investimento, todo o palavrório e todas as leis promulgadas para prevenir a corrupção fracassaram. A pergunta é: fracassaram porque fomos incapazes de impor o cumprimento dessas leis ou porque, desde o momento em que foram concebidas, a intenção era de que nunca fossem cumpridas?

É verdade que não podemos ter sistemas políticos sem corrupção? É verdade que podemos seguir explicando a nossos povos que não importa que eles morram de fome, enquanto seus dirigentes roubam o pouco que resta? Essa é, na realidade, a bomba termonuclear de grandes dimensões morais, políticas e sociais que pusemos nas mãos dos Estados Unidos contra a América Latina.

Obrigado, Odebrecht!

O maior horror

Há uma razão para tudo: o horror é não sabermos distingui-la, e só encontrarmos alívio na resignação ou no desespero
Paulo Mendes Campos

Lula, o PT e os outros

Surpreende, amigo leitor, a afoiteza com que Lula, o PT e seus defensores tratam de diluir a lambança com o dinheiro público numa geleia real da bandidagem. A lista de Fachin, insinuam em tom cínico e melífluo, mostra que o monopólio da pilhagem nacional não é do PT. Não é mesmo. Mas o PT sistematizou o roubo e transformou a corrupção em modelo de governança.

A vida pública, com raras e contadas exceções, transformou-se num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.

Não bastasse tudo isso, e não é pouco, o Brasil foi tomado por um grupo disposto a impor à sociedade um modelo ideológico autoritário de matriz marxista: o bolivarianismo. Optaram, esperta e pragmaticamente, pelo atalho gramsciano: o populismo democrático.
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O lulopetismo, espertamente, aplicou um 'nova matriz econômica' que priorizou os investimentos de alto retorno eleitoral – como programas sociais que efetivamente ajudaram a tirar milhões de brasileiros momentaneamente da miséria, mas sem nenhuma garantia de efetiva inserção na atividade econômica – aliados a uma agressiva política de renúncia fiscal, para estimular a produção, e de 'flexibilização' do crédito popular, para estimular acesso a bens de consumo.

O populismo lulopetista optou por investir no retorno eleitoral imediato, relegando a plano secundário os programas de investimento de maturação mais lenta em bens sociais como educação, saúde, saneamento, mobilidade urbana, segurança, etc.

O bolivarianismo tupiniquim, estrategicamente implantado por Lula, rendeu bons resultados aos seus líderes: muito poder e muito dinheiro. Não contaram, no entanto, com três fatores complicadores: a força inescapável da realidade econômica, o papel da liberdade de imprensa e a independência das instituições.

A política econômica populista, que, como hoje se constata, não tinha possibilidade de se sustentar, provocou a catastrófica crise que maltrata o Brasil, reduziu a pó o capital político do PT e transformou Lula num náufrago que se agarra à miragem de sua candidatura em 2018. Não vai funcionar. Lula é um manipulador, mas tudo tem limites. Esgotou-se sua capacidade enrolar. A imagem produzida de herói do povo brasileiro desabou pela força dos fatos no despenhadeiro da decepção.

O panorama de ampla, geral e irrestrita bandalheira escancarado pela divulgação diária de novas e escandalosas pilhagens, acordos e chantagens coloca o Brasil diante do risco da banalização da safadeza, que pode matar a indignação, destruir a esperança e gerar um indesejável fatalismo. É isso, caro leitor, que o petismo quer. Mas é isso que você, brasileiro honrado, não pode aceitar

Por que tanta pressa?

Quando se tropeça numa formiga, recebe-se logo a pergunta: Por que tanta pressa? Talvez seja momento de se questionar quando a sabedoria das Iridomyrmex purpureus interroga a ligeireza do governo Temer. A toque de caixa, reconstruir o país com reformas trabalhista, previdenciária e política, como nenhum outro realizou, e quando o país atravessa sua mais grave crise, faz pensar em momentos iguais quando os mais espertos aproveitaram para vender seus peixes podres, que continuam aí a feder como o diabo gosta. 

A ânsia do governo Temer é reformar para atender o imediatismo da economia em troca de garantir ingresso na História como um Reformador, com maiúscula. Uma aposta no mercado futuro das eleições, porque sabe que as reformas, logo em três frentes importantíssimas para o país, acabarão como minirreformas logicamente capitalizadas para 2018.

E o país como fica? Não fica por mais que cantem as sereias nos comentários econômicos. O rombo gigantesco e o roubo astronômico minaram os alicerces, já fragilizados, do Estado. Os ganhos dessas reformas serão queimados lentamente só como entulho para cobrir o poço sem fundo até que se resolva uma mudança sem privilégios.

Quem se lembra do golpe “Ouro para o bem do Brasil”, promovido em 1964 pelo grupo Diários Associados de Assis Chateaubriand, gerando ouro para o país sair da crise? Os doadores recebiam diploma de “Doei ouro para salvar o Brasil”. Ainda hoje ninguém sabe o que se fez com os 400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros, ninguém viu para onde foram.

Estaremos pouco mais de 50 anos depois revivendo um outro, ou triplo, golpe de sacrifício para recompor a destruição dos governos passados?

Sempre se doutrinou a população sobre a Previdência como um pecúlio, em menos de um ano já não é mais. É agora taxa imposta a quem trabalha para sustentar os mais velhos, quando pararem de trabalhar. São agora gerações de hoje que pagam a velhice aposentada e assim sucessivamente pelos séculos. Mudam as fórmulas, mas a administração continuará a mesma de privilégios com os de menor renda sustentando os palacianos. Se não é modelo medieval, cheira.

As falas governamentais são mais apocalípticas do que o próprio Apocalipse. É o “Ou dá ou desce” imperativo, nada democrático de vastas discussões entre a população. Quem de direitos garantidos decide sobre o direito de milhões como deuses de um Olimpo em ruínas. Tudo com o aval de um mercado dono do dinheiro a se impor como proprietário também das gentes.
Luiz Gadelha

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Hallstatt (Áustria), o povoado mais bonito da Europa 

Temer e tremer

Os dois verbos não dizem respeito ao sobrenome do presidente da República, mas à semântica real, de ter medo e de não controlar os nervos. Nos idos de 1964 um dos líderes do movimento militar, o general Carlos Luís Guedes, saiu-se com um comentário que assustou todo mundo: “quem não apoia a Revolução deve apenas temê-la”. Adaptando aqueles tempos bicudos à realidade atual, vale apelar para a analogia com a Operação Lava Jato: “quem não a apoia deveria ter medo dela”.


Senão esta semana, ao menos na próxima o ministro Edson Fachin deverá autorizar o livre acesso da mídia da mídia ao conteúdo das delações dos ex-funcionários da Odebrecht, envolvendo perto de duzentos deputados, senadores, governadores, ministros e ex-ministros do atual governo. Até agora sabemos apenas os nomes, mas quando forem expostos os crimes, volumosas tempestades cairão sobre a Praça dos Três Poderes. Imagina-se que os delatores apresentaram provas concretas do superfaturamento de obras públicas, da distribuição de propinas e de comissões recebidas pelos acusados, de suas relações com agentes públicos e dos prejuízos causados ao erário e ao tesouro nacional. E quanto receberam para aprovar medidas provisórias e projetos de lei fajutos e que efeitos causaram à economia.

Claro que outras lambanças praticadas com outras empreiteiras farão parte da ação destinada a fulanizar os processos em andamento no Supremo Tribunal Federal.

Em outras palavras, tem muita gente temendo, bem como tremendo. A todos será oferecido amplo direito de defesa, mas diante da hipótese de divulgação de nomes e números, quanto serão atingidos pelo descrédito e pela lei das inelegibilidades? Mais um efeito da Operação Lava Jato, ou seja, do medo tirar a tranquilidade de muita gente.

A vaidade do corruptor

Se em 1975 o jovem Hildeberto Mascarenhas tinha ou não vaidades próprias à idade quando ingressou na Construtora Odebrecht como estagiário, elas não devem ter ofendido ninguém. Formado em Administração pela Universidade Federal da Bahia, Mascarenhas passou os 30 anos seguintes fazendo carreira na holding sem sobressaltos.

Em 2006 foi pinçado por Marcelo Odebrecht para profissionalizar o Departamento de Operações Estruturadas — o tentacular braço contraventor do grupo. Ao longo dos últimos dias ele pode ser visto em vídeo na cadeira de colaborador, detalhando para os representantes do Ministério Público as entranhas do mecanismo montado.

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Em meio à torrente de depoimentos que a cada dia acabrunham mais um Brasil atônito — 78 delações premiadas só da Odebrecht — a de Mascarenhas é exemplar no que ela revela de mais inesperado: uma certa vaidade em corromper.

No decorrer de seu depoimento de pouco mais de duas horas (acessível na rede), assiste-se a uma transformação: de contido narrador de fatos, Mascarenhas pouco a pouco vai se soltando e passa a saborear a descrição do poder exercido na chefia das Operações Estruturadas. Também em delatores mais sisudos da quadrilha Odebrecht desponta um mesmo veio de desprezo e soberba em relação aos donos do poder oficial no Brasil, seus dependentes de propina.

A julgar pelo que transparece em depoimentos tão impróprios a deslizes de vaidade, deve ser imenso o prazer de um corruptor em conhecer e calibrar o preço de cada poderoso. Mesmo quando apenas executa ordens superiores, ele parece se sentir superior ao tomador de dinheiro.

No caso de Emílio e Marcelo Odebrecht o que espanta é a opção conjunta de dilapidar o próprio patrimônio. Qualquer peão adora apontar para uma grande obra ou mesmo para um mero edifício de bairro em que tenha trabalhado, e dizer, todo prosa: “Fui eu que fiz”. Sobretudo quando está passeando com a família.

Já o patriarca da construtora baiana e o filho jogaram fora o privilégio de apontar muitas das maiores obras públicas do Brasil e se congratular com um “Fomos nós que fizemos”. Qualquer brasileiro sempre poderá acrescentar: “Fizeram porque se transformaram num ministério da corrupção”. O esquema das várias empreiteiras denunciadas deu tão certo que minou as instituições nacionais e fez ruir o castelo.

Nos Estados Unidos da segunda metade do século 19 até os anos 1920-30, os chamados robber barons (barões saqueadores), imponente galeria de industriais empreendedores, inescrupulosos, monopolistas e autoritários, é conhecida. Magnatas como Astor reinaram no ramo imobiliário, Carnegie e Frick na indústria do aço, Vanderbilt, Crocker, Hopkins estiveram à frente nas ferrovias, G.P.Morgan, Mellon, Fisk e Cooke dominaram o mercado financeiro, e J.D. Rockefeller, fundador da Standard Oil, tornou-se o primeiro bilionário da história americana. Vilanias houve muitas a uma frase atribuída a Jay Gould para acabar com uma greve no setor ferroviário que não deve ter soado excêntrica: “Posso contratar metade da força de trabalho para matar a outra metade”.

Contudo, passado o período do capitalismo mais selvagem, eles também ergueram universidades (Stanford, Duke, Vanderbilt), espalharam bibliotecas públicas pelo país, deixaram estupendas coleções de arte, investiram em museus, beneficiaram espaços comuns. O próprio Rockefeller passou as últimas décadas de vida empenhado em definir uma estrutura de filantropia corporativa moderna. E a discussão sobre a moralidade ou imoralidade de práticas empresariais e financeiras nunca parou, apenas adquiriu contornos novos.

Difícil saber em que estágio de rapina nacional situar o empresariado brasileiro envolvido nas denúncias da Lava-Jato. Até porque ainda falta muito para a real capilaridade da pilhagem ficar exposta — se é que algum dia o será. Como diz John Le Carré, que de gênero humano entende tanto quanto de espionagem, todo poder corrompe, mas alguns corruptos precisam governar. A peculiaridade do Brasil é que a sedução e a vaidade do poder parece ter trocado de mãos — do político corrupto para o corruptor com a chave do cofre. Eles se merecem.

Dorrit Harazim 

PPP ou PQP?

A megaconspiração entre empreiteiros e políticos no Brasil conseguiu desmoralizar a Parceria Público-­Privada. A PPP seria excelente instrumento para melhorar a vida de centenas de milhões de pessoas. Em infraestrutura, transporte, metrôs, estradas, portos, aeroportos, moradia, saneamento, escolas, hospitais, urbanização de favelas. Que desperdício. Tudo contaminado pela ganância e pela falta de caráter de “serial-robbers” no Poder.

Graças à Operação Lava Jato – que a classe política tenta torpedear com o projeto “contra abuso de autoridade” –, temos acesso às entranhas desse polvo em que se transformou a PPP. As propinas eram distribuídas em motéis e flats e mesmo na casa da mãe idosa, ou pagos no exterior ou em mesadas em espécie. Diante disso, pensamos: PQP! Emergem detalhes constrangedores e montantes estapafúrdios guardados até em meia-calça feminina por baixo do terno. “A gente entregou um ‘recurso’, a pessoa baixou a calça e botou dentro da meia”, revelou o delator Carlos Cunha, em processo que apura corrupção na reforma do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

A cada delação, casos picantes são relatados em minúcias. Assim ficamos sabendo que somente a Odebrecht teria pago 36 parcelas de mesadas de R$ 547 mil ao ex-deputado Eduardo Cunha, por sua “ajuda política” para o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. A ajuda de Cunha era cobiçada por sua influência na Caixa Econômica Federal, que contribuiu para a obra com R$ 3,5 bilhões do FGTS. No total, Cunha teria recebido R$ 52 milhões por essa PPP, prevista para durar 15 anos. Apelidado de Caranguejo na planilha, ele diz que a delação é “falsa, fluida e desprovida de provas”. Fluida?

Impressiona que as delações dos executivos da Ode­brecht – um roteiro de endereços, valores, métodos de distribuição, nomes de intermediários, descrições de acobertamento – sejam todas tachadas de “falsas” pelos acusados. Se assim fosse, Emílio e Marcelo mereceriam um Oscar de ficção. E os figurantes também. Cada dia a propina era paga num endereço diferente. Para proteger os executivos de...assalto! Um dos delatores comprou um cofre “desses de caminhão” e instalou na sala de seu apartamento.

Ficamos sabendo que Sérgio Cabral, agora réu pela sétima vez, distribuía obras entre as empreiteiras antes mesmo das licitações e que teria recebido mais de R$ 700 milhões de propina pelas obras do Maracanã e pelo PAC das favelas. Imagine um governador roubar dos favelados, desviar milhões do teleférico do Complexo do Alemão. É preciso diagnosticar o transtorno que acometeu Cabral. Muitas negociações aconteciam no Palácio mesmo. Ele falará?

São Paulo também contribuiu ativamente para desmoralizar as PPPs. As obras da Linha 6 do metrô de São Paulo, que teriam 15 estações, estão paradas. Dá para entender. Do contrato de R$ 9 bilhões assinado pela Odebrecht, saíram, segundo delações, propinas vultosas para a campanha do governador Geraldo Alckmin. Também saiu dos custos do metrô um “programa de ajuda” de R$ 14 milhões para o ex-prefeito Gilberto Kassab. Como ministro das Cidades de Dilma Rousseff, Kassab teria tentado retribuir com benefício fiscal para a Odebrecht.

Contra Lula, o cerco aperta. No caso do ex-presidente, não são as somas que mais impressionam, por enquanto. Mas, ainda segundo as delações, a atração pelos favores pessoais, como a obra de R$ 700 mil no sítio de Atibaia, pedida por ele ao amigo Odebrecht, coordenada por Dona Marisa e disfarçada por um contrato fictício em valor mais baixo e em nome de Fernando Bittar, o sócio do filho. Quem negaria um favor a Lula? Ou ao “assessor para assuntos pessoais do presidente”, Rogério Aurélio Pimentel? Afinal, como disse o delator, a obra custaria algo, “digamos, dentro do nada, nenhum valor absurdo”.

Lula também pediu à Odebrecht, em troca de favores, ajuda a regimes autoritários. Alguns empreendimentos no exterior eram comandados por seu sobrinho Taiguara dos Santos. E assim Lula ajudou a Cuba dos irmãos Castro, a Venezuela de Chávez e Maduro e a Angola de José Eduardo dos Santos. Este último governa Angola desde 1979 e também é comandante em chefe das Forças Armadas. Um dos países mais corruptos que visitei, na época da guerra com a África do Sul.
Ruth de Aquino