Em 2006 foi pinçado por Marcelo Odebrecht para profissionalizar o Departamento de Operações Estruturadas — o tentacular braço contraventor do grupo. Ao longo dos últimos dias ele pode ser visto em vídeo na cadeira de colaborador, detalhando para os representantes do Ministério Público as entranhas do mecanismo montado.
No decorrer de seu depoimento de pouco mais de duas horas (acessível na rede), assiste-se a uma transformação: de contido narrador de fatos, Mascarenhas pouco a pouco vai se soltando e passa a saborear a descrição do poder exercido na chefia das Operações Estruturadas. Também em delatores mais sisudos da quadrilha Odebrecht desponta um mesmo veio de desprezo e soberba em relação aos donos do poder oficial no Brasil, seus dependentes de propina.
A julgar pelo que transparece em depoimentos tão impróprios a deslizes de vaidade, deve ser imenso o prazer de um corruptor em conhecer e calibrar o preço de cada poderoso. Mesmo quando apenas executa ordens superiores, ele parece se sentir superior ao tomador de dinheiro.
No caso de Emílio e Marcelo Odebrecht o que espanta é a opção conjunta de dilapidar o próprio patrimônio. Qualquer peão adora apontar para uma grande obra ou mesmo para um mero edifício de bairro em que tenha trabalhado, e dizer, todo prosa: “Fui eu que fiz”. Sobretudo quando está passeando com a família.
Já o patriarca da construtora baiana e o filho jogaram fora o privilégio de apontar muitas das maiores obras públicas do Brasil e se congratular com um “Fomos nós que fizemos”. Qualquer brasileiro sempre poderá acrescentar: “Fizeram porque se transformaram num ministério da corrupção”. O esquema das várias empreiteiras denunciadas deu tão certo que minou as instituições nacionais e fez ruir o castelo.
Nos Estados Unidos da segunda metade do século 19 até os anos 1920-30, os chamados robber barons (barões saqueadores), imponente galeria de industriais empreendedores, inescrupulosos, monopolistas e autoritários, é conhecida. Magnatas como Astor reinaram no ramo imobiliário, Carnegie e Frick na indústria do aço, Vanderbilt, Crocker, Hopkins estiveram à frente nas ferrovias, G.P.Morgan, Mellon, Fisk e Cooke dominaram o mercado financeiro, e J.D. Rockefeller, fundador da Standard Oil, tornou-se o primeiro bilionário da história americana. Vilanias houve muitas a uma frase atribuída a Jay Gould para acabar com uma greve no setor ferroviário que não deve ter soado excêntrica: “Posso contratar metade da força de trabalho para matar a outra metade”.
Contudo, passado o período do capitalismo mais selvagem, eles também ergueram universidades (Stanford, Duke, Vanderbilt), espalharam bibliotecas públicas pelo país, deixaram estupendas coleções de arte, investiram em museus, beneficiaram espaços comuns. O próprio Rockefeller passou as últimas décadas de vida empenhado em definir uma estrutura de filantropia corporativa moderna. E a discussão sobre a moralidade ou imoralidade de práticas empresariais e financeiras nunca parou, apenas adquiriu contornos novos.
Difícil saber em que estágio de rapina nacional situar o empresariado brasileiro envolvido nas denúncias da Lava-Jato. Até porque ainda falta muito para a real capilaridade da pilhagem ficar exposta — se é que algum dia o será. Como diz John Le Carré, que de gênero humano entende tanto quanto de espionagem, todo poder corrompe, mas alguns corruptos precisam governar. A peculiaridade do Brasil é que a sedução e a vaidade do poder parece ter trocado de mãos — do político corrupto para o corruptor com a chave do cofre. Eles se merecem.
Dorrit Harazim
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