sábado, 28 de setembro de 2019

O lado Chávez de Bolsonaro

Quando a assessora de imprensa anunciou que era sua vez de fazer a pergunta, a repórter dirigiu-se ao microfone. Era uma entrevista coletiva. Apresentou-se, disse o nome do veículo para o qual trabalhava e fez a pergunta. O presidente se irritou. “Estou esperando que vocês me respondam pelas mentiras que vocês transmitem sem nenhuma vergonha. Contam mentira e depois... silêncio! Tenha ética!”, disse, aumentando o constrangimento. “Você conhece a Constituição? Tem certeza? Eu pergunto isso porque vocês gostam de dizer que são jornalistas, mas sua pergunta me mostra que você ignora um monte de coisas. Sua pergunta não tem fundamentação lógica.” Envergonhada, a repórter reclamou do tom do presidente, que retomou a palavra, olhou para os ministros a seu lado e deu uma risada. “Agora se sente ofendida, ela... Não manipule, então!”, disse, em tom sarcástico.


A cena poderia ter se passado em qualquer semana dos nove meses do governo Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada ou em algum evento no Planalto. Mas o episódio ocorreu em setembro de 2010, no Palácio Miraflores, em Caracas, e o presidente em questão era Hugo Chávez. Tendo atrás de si uma pintura de Simón Bolívar e vestindo o vermelho, azul e amarelo da bandeira venezuelana, Chávez repetia com a repórter Andreína Flores, da Rádio França, o mesmo roteiro de humilhação a que, havia anos, os jornalistas venezuelanos eram submetidos.

Chávez também mantinha uma relação de ódio com a imprensa, que, a exemplo da brasileira hoje, desempenhava o papel central do jornalismo: perguntar, fiscalizar, apontar erros, controlar os poderosos. Raras eram as vezes que ele se abria ao escrutínio público. Os ataques aos profissionais, entretanto, foram o começo de um processo que, ao longo de duas décadas de bolivarianismo, se valeu de diferentes métodos, administrativos, econômicos e até tecnológicos, para calar a imprensa venezuelana.

O primeiro grande golpe de Chávez foi a não renovação, em 2007, da concessão da Radio Caracas Televisión, a RCTV, uma rede de televisão privada fundada na capital venezuelana em 1953. Era a maior audiência da Venezuela. Anos mais tarde, o único canal que ainda permanecia com uma cobertura jornalística crítica, a Globovisión, foi vendido para amigos do regime. Mais tarde, já sob Maduro, veio a perseguição judicial e as prisões. Com isso, os jornalistas passaram a se exilar em massa. De 2014 a 2018, 477 jornalistas fugiram do país.

Bolsonaro tinha tintas de autoritarismo com a imprensa antes de vestir a faixa presidencial. Certa vez, o ainda deputado, questionado por um repórter sobre seu processo no Superior Tribunal Militar, chamou-o, aos berros e com dedo em riste, de “escroto” e disse que ele “fazia um trabalho porco”. Ao se referir à tortura sofrida por Miriam Leitão, deixada no escuro com uma cobra, disse: “Coitada da cobra!”. A frase foi repetida por ele ao filho da jornalista, durante uma entrevista.

Com mulheres, aliás, o presidente parece crescer. A uma repórter da Rede TV!, em 2014, depois de chamá-la de “idiota” e “analfabeta”, disse que não a quis ofender, afinal ela era “bonita”. Uma vez empossado, continuou a carga. Uma repórter foi chamada de “qualquer uma”. Outra ouviu que sua pergunta era “idiota”. Quem quiser ver a truculência em vídeo encontra todos os episódios na internet.

O presidente, entretanto, não se limitou à intimidação de profissionais e também parece disposto a usar a caneta contra a imprensa. Em 5 de agosto, Bolsonaro editou uma medida provisória para alterar uma lei que ele mesmo sancionara apenas quatro meses antes. O texto, que tramitou no Congresso por quatro anos, estipulava janeiro de 2022 como o prazo para que as empresas não fossem mais obrigadas a publicar seus balanços em jornais, uma maneira de dar tempo para que os veículos, especialmente os de pequeno porte, conseguissem contornar o revés em suas contas. A medida provisória determinava para já o fim da obrigatoriedade. Bolsonaro foi claro ao falar sobre por que havia editado o texto: “No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou”, afirmou.

Jair Bolsonaro ataca os jornalistas pelos mesmos motivos que Hugo Chávez no passado: é papel dos repórteres perguntar, fiscalizar e apontar os erros dos poderosos. Foto: Yuri Cortez / AFP

O editor venezuelano Joseph Poliszuk está exilado há dois anos. Viveu em Bogotá e hoje mora na Califórnia. Ele e seus dois sócios, donos do site de jornalismo investigativo Armando.Info, um dos mais premiados do jornalismo latino-americano hoje, tiveram de deixar Caracas às pressas para fugir da possibilidade de prisão em um caso aberto por empresários chavistas. Poliszuk, que viu o jornal em que trabalhava, anos atrás, ser comprado e adotar uma linha editorial de defesa do governo, tem observado com preocupação os primeiros meses do governo Bolsonaro. Vê semelhanças com o começo do chavismo.

“O primeiro sintoma que percebemos foi evitar dar respostas, depois começaram a impedir o acesso de veículos críticos. Chávez submetia a imprensa ao escárnio público. Fazia bullying com os jornalistas. Defendia-se dessa forma”, lembrou, em uma conversa recente por telefone.

Poliszuk, que não sabe quando poderá voltar à Venezuela, considera que a censura chavista foi eficaz. “Somos influentes, mas não temos a estrutura nem os recursos dos meios tradicionais. Isso faz falta para a população toda ser informada”, contou. Existe ainda a censura digital, por meio de bloqueios intermitentes dos sites noticiosos. Em alguns momentos do dia o acesso a alguns portais em determinadas partes do país ou áreas de uma grande cidade é vetado. Outra maneira de controle é a restrição de acesso a dólares para veículos críticos, o que os impede de comprar papel-jornal ou outros insumos importados. Quem critica o governo é castigado.

“Minha impressão é que vocês estão no começo do que nós vivemos. Nós estamos sofrendo com a esquerda, e vocês parecem estar sofrendo com a direita. São duas faces da mesma moeda, a tirania. Governantes que não aceitam ser questionados”, analisou Poliszuk.

O Brasil também teve ameaças autoritárias à esquerda. Sem a mesma agressividade, em diferentes episódios, o petismo também atacou repórteres e criou dificuldades para o trabalho jornalístico. Blogueiros financiados pelo governo expunham jornalistas, na tentativa de desacreditá-los e intimidá-los — novamente, não muito diferente do que os youtubers de direita fazem agora ao servir Bolsonaro. Com graus diferentes, também propunham uma conversa sem intermediários com a população, diretamente via redes sociais, o que não é um problema em si. Mas não aceitar a mediação da imprensa é autoritário. Os mandatários têm de prestar contas. Seja em Caracas, seja em Brasília.

Decisão do STF potencializa reação à Lava Jato

O Supremo Tribunal Federal desferiu nesta quinta-feira uma nova paulada no esforço anticorrupção deflagrado no país há cinco anos. Não é uma decisão isolada. Compõe reação mais ampla contra Lava Jato, com iniciativas adotadas no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo —da nova lei sobre abuso de autoridade à abertura de brechas para o caixa dois na legislação eleitoral; do esvaziamento do ex-Coaf à proposta de proibir auditores da Receita Federal de compartilhar indícios de crimes com o Ministério Público; da obtenção de assinaturas para a criação da CPI da Lava Jato ao abafamento da CPI da Lava Toga.

Na decisão desta quarta-feira, formou-se na Corte uma maioria a favor do entendimento segundo o qual réus delatados têm o direito de anexar alegações finais nos processos depois dos corréus delatores. Uma inovação que não está prevista na legislação. Isso levará à anulação de sentenças no âmbito da Lava Jato e fora dela. Entre os potenciais beneficiários está Lula.



O Supremo retomará o julgamento na quarta-feira da semana que vem, para definir a abrangência da nova jurisprudência. A dúvida é se ela valerá apenas para os réus que reclamaram de cerceamento de defesa na primeira instância ou se será aplicada indistintamente em todos os processos instruídos com dados fornecidos por réus colaboradores.

A novidade potencializa uma onda de iniciativas que puxam avanços para trás, aplicam sedativos em órgãos de controle e restauram gradativamente o ambiente viscoso em que proliferam os maus costumes e a roubalheira. No mês passado, a Segunda Turma do Supremo já havia anulado a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro a Adelmir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras. A nova anulação beneficia um ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira. A exemplo de Bendine, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. A diferença é que esse segundo caso foi içado da turma, com cinco membros, para o plenário da Corte, com 11 magistrados, para que o veredicto seja seguido por todo o Judiciário como um paradigma.

O ministro Gilmar Mendes traduziu os humores que prevalecem em Brasília: "Vamos honrar as calças que vestimos!", declarou, ignorando os vestidos das colegas Cármen Lúcia e Rosa Weber, que ajudaram a compor a maioria. Gilmar evocou mensagens trocadas no escurinho do Telegram pelo ex-juiz Moro, hoje ministro da Justiça da gestão Bolsonaro, e procuradores de Curitiba. "Falam mal de nós, chamam a nós de vagabundos. Queriam interferir na distribuição de um processo. Falam mal do ministro Fachin. Passaram de todos os limites –mentindo, agredindo à Corte. E nós: ... Ah, temos que atender a Lava Jato".

O ministro Luis Roberto Barroso, chamado pelos desafetos de "lavajatista", falou antes de Gilmar. Ele empilhou diante das lentes da TV Justiça cinco decisões que caracterizam o maior retrocesso penal ocorrido no Supremo desde o marco representado pela condenação de mais de duas dezenas de réus pilhados no escândalo petista do mensalão. Eis a lista:

1- Diversas ações foram retiradas da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, que havia quebrado o paradigma de ineficiência e impunidade em relação à criminalidade do colarinho branco;

2 - Transferiu-se a competência para o julgamento de crimes comuns, sobretudo de colarinho branco, conexos com os eleitorais, para a Justiça Eleitoral —num momento em que a Justiça Federal vinha funcionando com crescente eficiência;

3 - Considerou-se inconstitucional a condução coercitiva, que vigorava há quase 80 anos;

4 - Entendeu-se que o parlamentar que utilize o mandato para a prática de crimes (pode me chamar de Aécio Neves), documentadamente comprovados, gravado e filmado, não podiam ser afastados do mandato por decisão do Supremo, ficando a matéria submetida à Casa legislativa;

5 - Mais de 50 habeas corpus foram concedidos apenas no Rio de Janeiro, um estado devastado pela corrupção, praticada com inimaginável desfaçatez (neste ponto, um nome não mencionado pelo orador cintilava nas entrelinhas como um letreiro de neon: Gilmar Mendes).

Barroso arrematou: "E agora chega este caso, com o risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar esta corrupção que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, de pequenos desvios individuais. São mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiros. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido e furar o cerco da renda média com os padrões de ética pública e privada praticados aqui. Precisamos romper com esse paradigma. E as instituições precisam corresponder às demandas da sociedade".

O julgamento do Supremo ocorreu no mesmo dia em que tomou posse Augusto Aras, o novo procurador-geral da República. O nome foi retirado do bolso do colete por Jair Bolsonaro, a contragosto de Sergio Moro. Numa evidência de que Brasília vive tempos estranhos, a escolha de Aras caiu nas graças da bancada de senadores petistas e recebeu rasgados elogios do multi-investigado Renan Calheiros (MDB-AL). O Senado referendou a escolha pelo acachapante placar de 68 votos a 10. A votação foi turbinada pelo compromisso assumido por Aras de ajustar os "métodos" da Lava Jato, impondo aos procuradores a temperança de "cabelos brancos" e o "princípio da impessoalidade".

Na véspera da votação que consagrou Aras, o Congresso derrubara 18 dos 33 vetos que Bolsonaro aplicara à lei sobre abuso de autoridade. Coisa avalizada na surdina pelo próprio Bolsonaro, em conversa telefônica com o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre. Repetindo: o presidente da República aquiesceu em segredo à derrubada de vetos que havia trombeteado sob holofotes após seleção feita por auxiliares como Sergio Moro, ministro mais popular do governo. Sem resistência do Planalto, os congressistas restabeleceram artigos que inibem a ação de juízes, procuradores e investigadores.

No Executivo, após rebatizar o Coaf de UIF, Unidade de Inteligência Financeira, Bolsonaro enfiou o órgão nos fundões do Banco Central. Fez isso, nas pegadas de uma decisão inusitada do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Aproveitando-se de um recurso do senador Flávio Bolsonaro, investigado no Rio de Janeiro por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro, Toffoli suspendeu todos os processos judiciais do país municiados com informações detalhadas obtidas do Coaf sem autorização judicial. O despacho do mandachuva do Supremo, um amigo de infância que Bolsonaro conheceu depois dos 60 anos, alterou uma rotina que vigorava no Coaf havia duas décadas.

Suprema ironia: nove meses depois da posse de um presidente que se elegeu enrolado na bandeira da moralidade, surfando a onda do antipetismo, o líder do governo no Senado é Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), um ex-ministro de Dilma Rousseff que acaba de receber a visita dos rapazes da Polícia Federal de Sergio Moro. São evidências de que, no retorno à era pré-Lava Jato, nada se cria, nada se copia, tudo se corrompe. E o gavetão dos assuntos pendentes do Supremo ainda guarda munição com alto grau de destruição —na Segunda Turma, o pedido de suspeição formulado pela defesa de Lula contra Sergio Moro. No plenário principal, a rediscussão da regra que autorizou a prisão de larápios condenados em segunda instância.

Brasil no espaço


Desemprego que não cai, informalidade e desânimo: recessão dos pobres é mais longa que a dos ricos

Parada em frente à porta de um sindicato depois de passar dois dias enfrentando filas, calor e questionamentos sobre o seu currículo, a ex-operadora de caixa Leonor Maximiano, 59 anos, faz uma promessa a si mesma.

"Eu nunca mais vou participar de um mutirão de emprego, nem em feirão de emprego. É perder tempo, é besteira", afirma, convicta de que nenhuma empresa vai entrar em contato com ela, como prometem os recrutadores ao fim das entrevistas. Já faz um ano que ela roda a cidade de loja em loja, desde que foi demitida do supermercado em que tinha a carteira assinada. As oportunidades para as quais ela se inscreveu naquele dia, em um mutirão do Sindicato dos Comerciários que prometia 4 mil vagas, lhe deram uma sensação de déjà vu.

"As empresas que oferecem vagas aqui são as mesmas para as quais eu já levei currículo. Estou me recandidatando para empresas em que eu já fui à loja me candidatar", reclama, desanimada. Morando sozinha na zona leste de São Paulo, ela se preocupa por estar pagando as contas há meses com as poucas economias que herdou do pai, pedreiro aposentado, e que pretendia usar para garantir dias mais tranquilos na velhice.

Sua poupança diminui cerca de R$ 1 mil por mês para pagar água, luz, comida, dentista e outras despesas. "Eu pensava em deixar esse dinheiro para a aposentadoria, mas acho que aposentadoria eu nem vou ter nessa vida. Com essas mudanças, só na outra encarnação". A perspectiva, lamenta, é a de que ela vá alcançar menos conquistas com uma vida de trabalho do que os pais dela conseguiram.

"Meu pai, trabalhando como pedreiro, conseguiu juntar um dinheirinho, e me deixar uma casa, para que eu não precise pagar aluguel. Eu não tenho filhos para deixar, mas hoje é mais difícil conseguir o mesmo".

Entre 2014 e 2017, o Brasil ganhou um contingente de 6,27 milhões de "novos pobres", pessoas que perderam o emprego e passaram a viver em situação de pobreza, com renda do trabalho de menos de R$ 233 por mês. Como os salários são a principal fonte de renda das famílias pobres e vulneráveis, a pobreza no Brasil no período mais agudo da recessão aumentou 33%, e o total de pobres no país cresceu para 23,3 milhões, segundo dados do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas.

"Você tem 6 milhões de pessoas que passaram a viver em famílias onde ninguém ganha nada. E é mais ou menos o mesmo número de pessoas que entraram na pobreza, o que significa que não foram criadas novas redes de proteção social", afirma o pesquisador Marcelo Neri, diretor da FGV Social e autor do estudo A Escalada da Desigualdade.

Outros indicadores mostram que o desemprego, que ainda atinge 12,6 milhões de pessoas, começou a diminuir em 2019 para os trabalhadores mais qualificados, mas não caiu para os de baixa escolaridade, mais vulneráveis.

"Os trabalhadores com ensino médio incompleto formam o grupo que não apenas possui mais dificuldade de obter uma nova colocação, como também o que mais chance tem de ser dispensado", afirma análise da Carta de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada na semana passada. Os dados apontam que, no segundo trimestre, a taxa de desemprego caiu para todos os grupos, menos para os que estudaram só até o ensino fundamental.

Sandra Regina da Silva, 53 anos, estudou até o ensino fundamental e procura emprego como faxineira há oito meses, mas diz que já se cansou de esperar o telefone tocar.

"Você chega, entrega currículo e eles falam obrigado, vamos te chamar. Mas não chamam", lamenta Sandra, que, sem renda alguma, está morando desde o ano passado de favor na casa da irmã na Freguesia do Ó, com o cunhado e sobrinha. Pegou dinheiro emprestado até para procurar emprego naquele dia: um vizinho a ajudou com os R$ 8,60 do ônibus até o centro.

"Outro dia uma empresa só não me chamou porque eu tenho 53 anos, disseram que só aceitavam até 45. Falaram isso na minha cara", conta Sandra.

São vidas, não estatísticas

Certa vez, li uma crônica de Marina Colasanti que me marcou profundamente, na qual ela concluía com a interpelação: “A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”. Banalizar coisas essenciais na vida que estão erradas é o caminho mais curto para a insensibilidade e a inércia.

Uma das grandes tragédias do Brasil contemporâneo se encontra na segurança pública. A sociedade brasileira exige respostas firmes e consistentes à escalada da violência. Em algum momento, perdemos o controle da expansão do crime organizado. E o primeiro passo, creio, é não esconder dramas familiares nascidos de eventos violentos atrás de estatísticas e análises frias.


A indignação com a perda de vidas não deve ser aplacada, e sim motivar a construção de políticas públicas inteligentes que deem conta de mudar esse triste panorama. Muito menos estabelecer uma competição mórbida, cruel e sem sentido, entre perda de vidas de cidadãos derivada de “balas perdidas” e policiais no exercício de suas funções. Do lado de cá, devem estar unidos governos, forças policiais e população contra o verdadeiro inimigo: o crime organizado.

O Rio de Janeiro é uma vitrine e uma caixa de ressonância do país. A morte de Ágatha Vitória Sales Félix, 8, no Complexo do Alemão, comoveu o Brasil. Uma doce e alegre criança, que era uma aluna nota dez, gostava de balé, de desenhar flores e pássaros e de espalhar seus desenhos pelas paredes de casa. Ágatha morreu com tiro de fuzil disparado por um policial. “A mamãe está aqui, fica com a mamãe”, era a prece que sua mãe fazia a caminho do hospital. A diretora da escola previa um futuro brilhante para Ágatha. O avô desabafou: “Era filha de trabalhador. Ela falava inglês, tinha aula de balé, era estudiosa. Não vivia na rua não”.

De outro lado, em menos de 24 horas no Rio, morreram em serviço, em confronto com o tráfico, dois policiais da PM. O cabo Leandro de Oliveira tinha 39 anos, e o soldado PM Felipe Brasileiro Pinheiro, apenas 34 anos. Os servidores públicos militares saem de casa para vivenciar, dia após dia, situações de verdadeira guerra. E as famílias deles merecem a mesma solidariedade que nos dominou com a morte da menina Ágatha. Um dado estarrecedor é que perdemos, em 2018, no Brasil, mais policiais que cometeram suicídio (104) do que em decorrência de confronto nas ruas (87). Isso dá a dimensão do estresse profissional a que estão submetidos os servidores públicos da segurança.

De nada adiantam bravatas ou discursos radicais de autoridades que retroalimentam a violência. Não é eficaz simplesmente agravar penas e lotar ainda mais um sistema prisional falido, verdadeira escola do crime. Isso não resolve uma política de confrontação pura e simples, que resulta muitas vezes em perda de vidas inocentes. Ao lado da necessária ação repressiva, é preciso um verdadeiro “choque de acesso às políticas públicas” nas comunidades pobres, a efetiva implantação do Susp, o controle nas fronteiras do tráfico de armas e drogas, o aprimoramento do trabalho de inteligência e o estrangulamento dos mecanismos de financiamento do crime organizado.

A gente se acostuma, mas não devia. A líderes do poder público, deixo uma opinião: menos palavras vãs e mais ações concretas. São vidas perdidas, não estatísticas.

O espetáculo brutal da nulidade absoluta

Ficaram envergonhados com o discurso de Bolsonaro na ONU? Espantaram-se com a audácia do capitão de revelar ao mundo de forma límpida toda a sua sordidez? Ou talvez tenham achado o discurso um espetáculo de soberania, a reafirmação do Brasil perante os líderes globais, o “Brasil-Alfa” que habita a imaginação de Bolsonaro e de seus eleitores. Aos que possivelmente tenham pensado assim, digo: Bolsonaro não teve vergonha de mostrar para o mundo o espetáculo brutal de sua nulidade absoluta. A falta de vergonha do presidente brasileiro não permite que os brasileiros e brasileiras de bom senso sintam vergonha do Brasil. O Brasil é maior que Bolsonaro. O Brasil está dentro de todos nós que não aceitamos a visão retrógrada que nos foi imposta por aqueles que infelizmente enxergaram nas teorias conspiratórias, nas mentiras, na pequenez e na falsidade de Bolsonaro o caminho para livrar-se do PT — ao menos, é assim que continuam a justificar seu voto francamente injustificável após o espetáculo brutal da nulidade absoluta.


O Brasil que saiu da ONU saiu menor, saiu mais irrelevante, saiu como um franco-atirador que mira na cabeça de uma menina de 8 anos e atira pelas costas. Como já devem ter percebido, esta coluna não será sobre economia. Esta coluna será sobre um presidente que se apresentou ao mundo, como tantos outros e outra antes dele, mas de forma agressiva e intolerante. Houve distorções em profusão no discurso de Bolsonaro, mas é trabalho de outros esmiuçá-las para os que se interessam pelos fatos. O meu é dar destaque aos trechos mais abjetos do discurso que abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas. Bolsonaro atacou todos os que pensam de modo diferente dele e de seu entorno ao chamar de socialistas todos os governos e participantes de governos que vieram antes dele e todos os que a ele se opõem — inclua-se entre os socialistas o governo de Michel Temer. Ao fazer isso, Bolsonaro atacou a liberdade de expressão de todos os brasileiros, desqualificando as opiniões dos que não se dobram a seu discurso de nível tão baixo que faltam as palavras para qualificá-lo. Teve o desplante de dizer que militares e civis morreram bravamente para combater os agentes cubanos que instalariam a ditadura socialista imaginária no Brasil. Afirmou, em trecho especialmente sem pé nem cabeça, que não pode haver liberdade política sem liberdade econômica e “vice-versa”. O conceito de liberdade política todos sabemos minimamente o que é — chama-se democracia. Já o conceito de liberdade econômica não se resume ao “livre mercado”, como pensa o presidente. É mais complexo, mais nuançado, menos branco — é pardo. Pardo como a maioria dos brasileiros e brasileiras.

Bolsonaro chamou de falácia a ideia de que a Amazônia é patrimônio da humanidade. Mas o que seria a Amazônia senão patrimônio da humanidade? Trata-se da maior floresta tropical contínua do planeta, repleta de espécies ainda não descobertas de plantas e animais, abrigo de populações indígenas, que, num tropeço de palavras, Bolsonaro reconheceu explicitamente como seres humanos. Haveria possibilidade de serem outra coisa? Chamou indiretamente mineradores para explorar as reservas ianomâmis logo em seguida, exaltando as riquezas inexploradas em milhares de metros quadrados. Disse, erradamente, que cientistas chamam “equivocadamente a Amazônia de pulmão do mundo”. Não, capitão. Fosse o presidente um pouco mais interessado, saberia que os cientistas chamam a Amazônia de uma bomba de carbono. Se for ainda mais queimada e devastada do que têm permitido as políticas ambientais de seu governo,

Sem falar nas chuvas que deixarão de molhar as lavouras do agronegócio que já se mostra arrependido de tê-lo apoiado.

O presidente atacou a imprensa internacional, atacou importantes parceiros comerciais do Brasil, atacou o cacique Raoni. Não satisfeito, atacou as ONGs por, em suas palavras, “tratar os índios como homens das cavernas”. Atacou a ONU, anfitriã que o sediava naquele momento e permitia que proferisse seu discurso. Disse que a Organização das Nações Unidas não deveria servir aos interesses globais, como se os interesses globais do século XXI se resumissem ao colonialismo de priscas eras. Os interesses globais dizem respeito aos direitos humanos, às preocupações com as mudanças climáticas, às medidas para combater a desigualdade, às políticas para progredir no desenvolvimento sustentável das nações. Mas nada disso é registrado na ideologia que move o capitão. E a ideologia o move por completo, ao contrário do que diz.

Imagem do Dia

Praia em Sri Lanka

Kit de sobrevivência para o fim do mundo

Como manter a alegria e a sanidade mental enquanto o mundo se precipita para o desastre? Esta é a pergunta que mais escuto por estes dias. Assim, decidi partilhar com os leitores o meu estojo de sobrevivência. Evidentemente, o que serve para mim, não servirá para todos. Organizem o vosso próprio kit como melhor entenderem.


Primeiro a música. A música sempre me salvou. Inclusive, num certo dia, literalmente. Vale a pena contar a história. Realizo há mais de vinte anos um programa de música africana, “A Hora das Cigarras”, que é difundido para Lisboa e todos os países africanos de língua portuguesa. Certa ocasião fui entrevistado na capital portuguesa por uma televisão alemã. Os alemães insistiram em fazer a entrevista num bairro africano, dominado pelo narcotráfico. Mal a equipe terminou de instalar os equipamentos, logo nos cercou uma multidão enfurecida, armada de paus e de pedras. Muito nervoso, expliquei que era escritor e dei o meu nome. O sujeito que parecia ser o chefe ouviu o nome e baixou o porrete com que se preparava para me rachar o crânio ao meio: “É você que faz aquele programa de música africana?”. Abraçou-me. Vieram todos abraçar-me. Os alemães olhavam para nós, espantados: “Eles conhecem-no? Leem os seus livros?”. Disse-lhes que sim, claro. Não adiantava explicar que apenas gostavam das minhas escolhas musicais.

Voltemos à música que escolhi para o meu kit: comecei por colocar nele todos os álbuns dos simpáticos velhinhos da Orchestra Baobab, do Senegal, em particular “Pirates choice”. A Orchestra Baobab sempre me resgata da escuridão, pelo prazer infantil com que cria sons: um fogo desarrumado, iluminando os quintais da minha infância.

A alegria distingue-se da felicidade porque enquanto a primeira é ruidosa, a segunda se instala discretamente, como a luz da madrugada crescendo sobre a noite. Assim, da alegria para a felicidade, recomendo o alaúde do tunisino
Anouar Brahem (todos os álbuns), e a korá do maliano Ali Farka Tour é, acompanhada pela guitarra de Ry Cooder, no prodigioso “Talking Timbuktu”.

Depois da música, os livros: “A cidade e as serras”, de Eça de Queiroz, é um desses textos raros, que não só não envelheceram com o passar dos anos, como, pelo contrário, se tornaram mais urgentes e atuais do que na época em que foram escritos — ou seja, rejuvenesceram. No romance, o autor, falecido em 1900, defende ideias que só agora começam a prosperar: o anticonsumismo, o minimalismo, o regresso a um mundo mais próximo da natureza.

Além d’ “A cidade e as serras”, incluo no meu kit de sobrevivência dois ou três outros títulos que uso como mapas para me guiar entre as ruínas confusas do presente: “O outono do patriarca”, de Gabriel García Márquez, que, sendo um retrato de um ditador latino-americano, na sua inconsolável solidão, é o retrato de todos. Recorro ainda ao alento da “Obra poética”, de Rui Knopfli, brilhante poeta moçambicano, que merecia ser melhor conhecido no Brasil, e d’ “O livro do desassossego”, de Fernando Pessoa, através de Bernardo Soares.

Protegido pela luz da poesia, abro a porta e saio para a rua.

Colírio sem validade

A economia já está se movendo. Isso leva um tempo, mas ela já começou a se mover. Os resultados já estão vindo acima do esperado nas receitas e nos impostos
Paulo Guedes, ministro da Economia

A tenda dos milagres de Messias

E Bolsonaro estreou na ONU. Ao seu modo. Com as platitudes bizarras de sempre. Lembrou o anedótico personagem da telenovela “O Bem Amado”, Odorico Paraguaçu, que sonhava em falar de suas ideias ao mundo, entendendo a cidade fictícia de Sucupira como o umbigo planetário. Chegou para a abertura da Assembleia-Geral em Nova York, com a presença de 150 chefes de estado na plenária, se achando no direito de cantar de galo perante os pares. Nada de tom conciliatório. Ao contrário. Fez louvações à ditadura, disparou contra indígenas e defensores de causas ambientais, atacou os parceiros europeus, chamou deus e o mundo de colonizadores. Sobrou até para a ONU, acusada por ele de respaldar o “trabalho escravo”. Queimadas e desmatamento? Não existem. Nem podia, não é? A negação de evidências estatísticas é parte da tática de alienação da verdade e munição de sua propaganda ideológica. Assim a floresta amazônica, nos termos que colocou, está “praticamente intocada”. Absurda é a quantidade de terras sob usufruto dos índios, embora tenham sido eles os primeiros a chegarem por ali. Conceitos risíveis o chefe da Nação apresentou. Havia um fiapo de esperança de um discurso restabelecendo o equilíbrio retórico. Expectativa logo afastada nos primeiros minutos. Ele, em pessoa, está crente que abafou. Os inimigos imaginários de seu cotidiano não foram esquecidos. Em uma espécie de resgate dos tempos da Guerra Fria, Bolsonaro saiu atrás de “comunistas”, fez ressuscitar o espectro do irrelevante Foro de São Paulo e de seus simpatizantes, como se estivessem permanentemente à espreita. Falou a toda hora de perigos iminentes e da “libertação” que promoveu. O Brasil, no seu entender, estava à beira do socialismo – quem sabe confundiu o antecessor Temer com um Trotsky da era moderna. Coisa dele. Para manter acesa a chama dos adoradores, o mandatário entoa costumeiramente a cantilena dos “comunistas”. Algo assim cafona, em desuso, mas que serve ao intuito da catequização. E dá certo para alguns. Bolsonaro não falou para o mundo. Não falou para os brasileiros. Seu alvo era tão somente a claque de convertidos. Deu recados domésticos à patota. E para essa turma talvez encarne o papel de Macunaíma, o herói sem caráter do livro escrito pelo polímata brasileiro Mário de Andrade. Falar grosso faz efeito junto à tropa, levanta os brios dos brucutus, mas na prática da vida real trás problemas concretos, típicos da antidiplomacia. Produtores do agronegócio, operadores de mercado, investidores, dirigentes de multinacionais aqui instaladas, muitos temem contabilizar prejuízos. Caberá ao Itamaraty reparar eventuais estragos. Messias quis usar o púlpito da ONU como palanque. Montou ali a sua tenda de milagres para propagar feitos que nem ao menos foram realizados. O acordo do Mercosul com a União Europeia, por exemplo. Já deu como certo, embora não recue um milímetro na estratégia de enxovalhar os participantes do entendimento. Como irá conseguir? Se é que já não colocou as negociações a perder. Membros das Nações Unidas, inúmeras autoridades internacionais, os espectadores na sua maioria, classificaram a experiência do que ouviram como “surreal”. Messias vive em um mundo particular ao lado do séquito de seguidores, arrotando sandices. No conceito internacional, entrou para aquela categoria de governantes patéticos, com patacoadas dignas dos espetáculos circenses. Em muitos pode ter provocado o sentimento de vergonha alheia. Ou existe alguém minimamente sensato que entenda tratamentos desrespeitosos como o melhor caminho para a inserção global? A estratégia tomada por Messias vai arrastando o Brasil para o isolamento externo. Que não se peçam concessões aos interlocutores para o diálogo multilateral, dado o ambiente conflagrado. No seu estilo servil aos americanos, o aprendiz de Trump, o autocrata bananeiro, o propagador incorrigível de fake news, vai alimentando repulsa, distanciando o Brasil da histórica relação de harmonia e neutralidade que costurou por décadas com a comunidade internacional. Ao alter ego Trump, o ex-capitão Bolsonaro dispensa rapapés, adula como um sabujo na vã ilusão da amizade de interesses. Chegou a dizer “eu te amo” para o colega e não levou nem o esperado jantar a dois propalado por sua assessoria. Vai ser dominado e engolido pelo americano. Pode apostar. No universo bolsonarista, nas rodas de bajuladores e admiradores, tudo segue azul e cintilante. É o delírio coletivo. Vigaristas e trouxas se mancomunaram para emular uma versão dos fatos que não guarda qualquer relação com a realidade. Afinal, na tenda de milagres de Messias cabe tudo.

Witzel não é um desalmado

Um indivíduo desalmado é aquele que não se comove diante do sofrimento alheio. “Eu não sou um desalmado. Sou uma pessoa de sentimento”, disse o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, 72 horas depois de a menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, ser baleada por um fragmento de projétil de fuzil dentro de um carro no Complexo do Alemão, conjunto de favelas. “É indecente usar caixão como palanque. Preferi reunir nosso governo e dar uma explicação de Estado”.

Por que essa perseguição implacável ao Witzel? Ele tem sentimento sim. Mostrou euforia na Ponte Rio-Niterói quando a polícia de choque abortou com eficiência um sequestro de ônibus e o bandido foi fuzilado. Não precisou reunir ninguém antes para dar uma explicação de Estado. Reagiu como cidadão e torcedor, pulando de alegria. Em comício eleitoral, no ano passado, também mostrou sentimento, diante da placa quebrada com o nome de Marielle, a vereadora assassinada. Com o punho erguido, vibrou e se filmou: "É isso aí pessoal, olha a resposta." 

Witzel tem alma. Uma alma um pouco particular, diferente da minha ou da sua – ou quem sabe igual a sua! Ele sofre muito quando morre um policial, como se fosse alguém bem próximo, da família. O governador do Rio é um espírito bélico e se orgulha disso. Gosta da ação, de vestir roupa camuflada, pilotar helicóptero de combate, passar em revista as tropas, bater continência e “mirar na cabecinha”. Estufa o peito e se sente um Rambo contra seu maior inimigo, o narcoterrorismo. Não fala de educação, emprego ou saúde. Esses supérfluos não o sensibilizam.

Não entendi ainda por que Witzel sequer aventou a possibilidade de erro de policiais no assassinato de Ágatha. O motorista da Kombi que levava Agatha falou, com o rosto descoberto: “Mataram inocente. Não teve tiroteio nenhum, foi dois disparos que o policial deu”. Será? A investigação já acabou? Os policiais foram atacados e revidaram? “Quem trabalha no Alemão é guerreiro”, diz o governador. Não duvido. E quem mora lá e não está armado, é o quê? “Foi um caso isolado”, afirmou, desmentindo a realidade. Ágatha foi a quinta criança morta a tiros este ano nas comunidades. Seu nome tem origem grega, significa boa, virtuosa, respeitável. Morta com um tiro nas costas. Num carro.
E Witzel me vem agora com uma “cartilha” para ensinar moradores de favelas a escapar de tiroteios? Crianças se jogam ao chão nas escolas, ficam escondidas em corredores quando o barulho começa.“Na Segunda Guerra”, disse Witzel, “no combate ao nazismo, os ingleses iam para debaixo da terra ao toque da sirene, para que os bombardeios não atingissem a população”. Sério, não acredito que li isso. Witzel me dá medo. Cita a Segunda Guerra Mundial para falar do Rio? Que tal um manual para policiais evitarem mortes desnecessárias, invasões de domicílio, agressões gratuitas?

Não faz o menor sentido o governador culpar usuários de drogas (“vocês apertaram o gatilho”) pela morte de Ágatha. “Narcoterroristas atuam nas comunidades e as usam como escudo”. Ágatha não era escudo. Era uma menina com sonhos e aplicada. O boletim exibia notas altas, ela dançava balé e estudava inglês.

Witzel acredita mesmo que a guerra convencional, com baixas de inocentes, seja a melhor filosofia para o Rio. Por isso acabou com o bônus para policiais que matam menos. Witzel quer que matem mais. Isso é que dá eleger uma zebra. Falo “zebra” no sentido de não favorito, de desconhecido. Witzel entrou numa viagem perigosa. Segurem o Witzel.