quarta-feira, 24 de junho de 2020

Vista grossa e continência

No domingo, Jair Bolsonaro tomou um jato da FAB em Brasília e veio ao Rio para o velório de um paraquedista morto na véspera —preso na aeronave ao saltar; quando se soltou, o paraquedas não abriu e ele foi ao solo. Usando o infeliz soldado como pretexto, Bolsonaro, de pífia carreira militar, fez um discurso falando em nome das Forças Armadas e, mais uma vez, deu a entender que elas intervirão se o “povo” —seus apoiadores no chiqueirinho do Alvorada— for contrariado.

É reconfortante saber que Bolsonaro se comoveu com a morte de um cidadão brasileiro, a ponto de requisitar avião, gasolina e tripulação oficiais e voar 935 km para homenageá-lo. Já poderia ter feito o mesmo com pelo menos um dos 52 mil brasileiros mortos pela Covid-19 e sem deslocamento tão dispendioso. Bastaria acionar a equipe que filma suas lives em palácio. Mas não o fez, talvez porque tais mortos —de quem não se sabe quantos são homens ou mulheres, brancos ou pretos, velhos ou jovens— sejam, para ele, brasileiros de 2ª classe.


Esta é uma das características menos percebidas de Bolsonaro: sua aberta adesão aos assuntos da caserna, em detrimento dos interesses de um contingente que deve compor 90 por cento da população —o nosso, o dos reles paisanos.

É assim que, enquanto seu governo se dedica a arrasar a educação, a saúde, o meio ambiente, os indígenas, o patrimônio histórico, a cultura e as relações internacionais, os militares —que, no passado, costumavam ser atentos a tais problemas— não têm do que se queixar.

Não são só os 3.000 fardados infiltrados no Executivo, a maioria em cargos para os quais são tão preparados quanto um civil para lubrificar canhão. São também os soldos bem protegidos pelas reformas econômicas, os quartéis nos trinques, as espadas tinindo nas recepções. Em troca disso, Bolsonaro só lhes exige vista grossa e continência.
Ruy Castro

Forças amadas

No momento em que as Forças Armadas estão no centro do debate político, é mais do que oportuno relembrar a figura do marechal Cândido Rondon, o grande engenheiro militar e sertanista brasileiro. A leitura da sua biografia, escrita pelo jornalista Larry Rohter, nos possibilita entender que as instituições militares são admiradas pelos brasileiros por serem a mão amiga em missões de integração nacional, de paz e de ajuda humanitária. Nem por isso deixam de ser o braço forte na proteção de nossas fronteiras e na defesa da nação.

Devemos ao marechal a integração do oeste e do norte do país. Antes dele, essas regiões viviam isoladas. Rondon descobriu rios e construiu estradas, como a que vai de Cuiabá ao Rio de Janeiro ou a de Cuiabá ao Acre, além de cinco mil quilômetros de linhas telegráficas, levando-as até as fronteiras com a Bolívia e o Peru. Por mais de três anos embrenhou-se na floresta amazônica. Dado como morto, porque não se tinha notícia de sua expedição, no final possibilitou ao país o conhecimento da maior floresta tropical do mundo.

Cacique Bororo, apelidado Cadete, a Rondon:
“Vem morrer aqui, porque bororo sabe chorar seus mortos”
Se Duque de Caxias é o símbolo do braço forte que assegurou a unidade nacional ao enfrentar sublevações separatistas, Cândido Rondon foi a mão amiga na defesa dos indígenas. Foi o criador e primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio e idealizador do Parque Nacional Indígena de Xingu.

Para ele, a integração dos índios deveria se dar de forma pacífica e voluntária, jamais pela violência. No fim da vida passou a defender o direito dos índios de permanecer isolados, se assim desejassem.

Ferido por uma flecha envenenada dos nhambiquaras, impediu qualquer represália por parte de seus subordinados. Vem daí a sua frase “morrer, se preciso for. Matar, nunca”. Por tudo isso se fez merecedor da indicação ao prêmio Nobel da Paz, sugerida por ninguém menos do que o físico Albert Einstein.

Em recente artigo, o general Alberto Cardoso, idealizador e primeiro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso, mostrou que o espírito de Rondon está presente quando as Forças Armadas estendem a mão nas favelas cariocas, no combate a incêndios na Amazônia Legal, na realização de obras públicas, no socorro aos sertanejos vítimas da seca. Essa mão acolheu refugiados venezuelanos e chegou a outros países em missões de Paz da ONU. Desde o fim da Guerra do Paraguai não se envolveu em conflitos regionais, marcando-se como unidade comprometida com a paz no continente.

Seu braço forte retira garimpeiros de terras indígenas, combate o desmatamento ilegal, protege nossas fronteiras terrestres e marítimas, atua nas crises de segurança motivada pela ação do crime organizado ou de motins policiais. Está capacitado tecnicamente para a defesa nacional.

Respeitadas pelos brasileiros, as Forças Armadas estiveram nos últimos 35 anos atentas às suas funções constitucionais. Cresceram aos olhos do país por sua atuação como instituição permanente de Estado e não de governos, que são transitórios.

O inverso também é verdadeiro. Toda vez em que agiram como “partido fardado” dentro de uma visão salvacionista, tiveram sua imagem corroída. E os valores, por meio dos quais se estruturam, como a disciplina e a hierarquia, foram seriamente afetados. Como regra, as intervenções militares ocorridas desde o advento da República levaram, ao cabo, à corrosão da imagem das Forças Armadas. Mais grave: contribuíram para a divisão dos brasileiros.

O marechal Cândido Rondon, mato-grossense que nasceu como Cândido Mariano da Silva e depois acrescentou Rondon ao seu nome, em homenagem ao tio que lhe criou, dizia que o exército deveria ser o “grande mudo” em questões políticas.

Essa ideia de neutralidade política está presente no recente artigo do general Alberto Cardoso ao ressaltar que “são órgãos permanentes do Estado brasileiro e não dos governos que se sucedem”. Nas palavras do general, isto significa “independência em relação aos partidos que ocupem o governo no rodízio democrático”.

O atual comando das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica - tem mantido um comportamento exemplar, resistindo às tentativas de quem quer atraí-las para aventuras antidemocráticas. Nem mesmo as incursões de Jair Bolsonaro ou do núcleo dos militares palacianos têm força para aparelhá-las.

A rígida observância do mutismo das Forças Armadas em questões políticas é essencial para seu futuro. Só assim continuarão amadas.

Hubert Alquéres

Coração de pedra

Quando em um país as autoridades são incapazes de sentir responsabilidade e menos ainda empatia e dor com as vítimas de uma tragédia, como a pandemia do coronavírus, estamos chegando ao abismo.

O Brasil já perdeu 52.000 pessoas vitimadas pelo coronavírus, e o Governo de Jair Bolsonaro não é capaz de chorar por elas. Nenhum dia de luto nacional. Nenhuma palavra de consolo e solidariedade com os mortos. Estamos diante de um coração de pedra.

Não é só um número frio. São 52.000 famílias de luto. É muita dor. São muitas lágrimas. Cada morto é uma história de vida e de amor. E não se tratou de uma fatalidade. Foi uma tragédia anunciada, pois o máximo responsável pela nação chegou a burlar-se da pandemia e boicotou as medidas de prevenção pedidas pela ciência e a medicina. Humilhou seus ministros de Saúde e teve o sarcasmo de dizer que “todos temos que morrer”. Sim, todos vamos morrer um dia, mas muitas dessas pessoas podiam ter se salvado.


As famílias das vítimas não tiveram nem o consolo de velar e enterrar como seus mortos como gostariam. Foi dor somada a dor. Muitos foram enterrados na calada da noite, em valas comuns. O silêncio cínico de um governo com coração de pedra aumenta a dor das famílias. Quando em um país as autoridades são incapazes de sentir responsabilidade e menos ainda empatia e dor com as vítimas de uma tragédia, estamos chegando ao abismo.

Fariam bem as famílias das vítimas em denunciar a algum tribunal internacional a atitude de um presidente que durante todo o desenrolar da epidemia intentou negar a realidade e burlar-se dela. O Brasil é, conforme relatos vindos de fora, o país que mais desprezou seu perigo, que menos informações deu e que menos escutou a voz dos especialistas mundiais.

E a tragédia do coronavírus no Brasil não acabou e ainda pode ceifar muitas vidas. Os cemitérios ainda receberão muitas novas vítimas que poderiam ter sido salvas. E assim como as autoridades da nação revelaram um coração endurecido com as vítimas, o mesmo fazem com relação aos médicos e enfermeiros que sacrificaram sua vida para salvar as dos outros. Em alguns casos, foram até agredidos pelas tropas do presidente.

Os brasileiros podem ter muitos defeitos e muitos problemas atávicos por resolver, como o do racismo ou as graves diferenças sociais, mas ninguém pode acusá-los de terem coração de pedra. Eles sabem chorar e em cada tragédia natural souberam demonstrar solidariedade e compaixão com as vítimas.

>É um país que precisaria ter neste momento um presidente capaz de detectar a dor das pessoas. Mas um governo cujo vocabulário, quando não soez, está sempre povoado por vocábulos de negatividade, como guerra, armas, ódio, inimigos, enfrentamento e ameaças, e nunca de palavras que favoreçam a convivência pacífica, como paz, liberdade, diálogo, solidariedade e compaixão, já é um governo morto.

Ataque, violência, destruição

Foi com essas palavras que me informaram do gigantesco ataque de cupins e brocas à minha casa. “Como o de Pearl Harbor?”, perguntei ao Sr. Olem — o dono da firma descupinizadora que contratei. “Seria tão poderoso”, prossegui, “quanto o dos japoneses que iniciou a contraofensiva americana no Pacífico?” “Sim, senhor! Cupins e brocas são insetos desaforados, mas o nosso ataque será violento!”, completou o Sr. Olem, debaixo dos olhares confiantes de Tinho e Tonho, seus ajudantes-soldados, que usavam avançadas armas químicas para liquidar a praga. 

“Dentro em breve a casa vai estar livre!”, reiterou o Sr. Olem quando me mostrava uma parede arruinada pelos insetos coletivistas. 

Eu moro nesta casa desde 1974. Ela concretiza uma vida devotada exclusivamente ao trabalho intelectual. Por meio dele, exerço o magistério e a crônica jornalística, atividades resultantes de pesquisas e livros escritos no figurino professoral classificado por tio Marcelino (que foi fiscal de rendas — um belo emprego, conforme dizia) como “um sacerdócio”. Uma qualificação precisa porque, como agora constato, professor que sou por mais de 60 anos, dar aulas não pode ser um emprego porque o ensino requer “trabalho”: vocação e amor. Algo estigmatizado num sistema até anteontem sustentado por escravidão negra. Ademais, tenho convivido com a pecha delinquente segundo a qual “quem sabe faz, quem não sabe ensina!”. Eis uma “inocente” barbaridade explicativa do porquê somos governados por ladrões e loucos; e como o chamado “campo político” virou uma sentina.


Voltemos, porém, ao ataque dos cupins que comeram paredes e várias obras de Marx, Engels, Morgan e outros mestres e, de sobremesa, tornaram pó suas estantes. Já as brocas, menos intelectuais, atacaram um armário de roupas. Resultado: uns cem livros devorados por cupins e estragos sérios e irreparáveis na minha obsoleta aparelhagem de som.

Na medida em que Tinho e Tonho suavam removendo quilos de cupins ainda vivos como um político corrupto nacional, o Sr. Olem me perguntou se eu conhecia a história de um padre que havia decifrado a língua das aranhas e com elas trocado ideias e até mesmo a elas sugerido um regime político capaz de organizá-las — o regime republicano de governo... 

Pasmo, logo percebi que o Sr. Olem repetia o conto de Machado de Assis “A sereníssima República”, publicado na coletânea “Papeis avulsos”, em 1882. Neste conto, Machado se equipara a Kipling e antecede à “Metamorfose”, de Kafka, quando narra como um cônego rompe a barreira da comunicação entre espécies, um marco da divisão entre natureza e cultura, dialogando com aracnídeos. 

“Como assim?”, questionei. 

“Bem, doutor, o Tonho e o Tinho dizem que trocam língua com brocas e cupins. Falam que eles têm uma casa real, milhares de nobres e milhões de operários, igualzinho a gente. O problema — continuou — é que os cupins se pensam como sem organização social quando, de fato, são super organizados. Por isso, Tonho e Tinho deles ouvem muitas queixas, pedidos e receitas salvadoras. Esse coletivo dos cupins”, falou o Sr. Olem, “é uma maluquice.”

“Maluquice”, completei eu num desagradável impulso, “é imaginar que eles falam com insetos!”

“Tem mais: o Tonho sugere manter a velha hierarquia de 50 milhões de anos, enquanto o Tinho fala em igualdade, individualismo e iniciativa. Ele quer liquidar o familismo dos cupinzeiros e o compadrio das brocas.”

“E como ficamos?”, perguntei, certo de que estava ouvindo mais um louco, este felizmente apenas um matador, e não um presidente criador de cupinzeiros. 

“Bem, doutor, o Tinho diz que tem tentado, mas sabe como é complicado adotar costumes que chegam de fora. Ele ouviu que alguns membros da nobreza cupinzeira querem mudar seus hábitos com leis, igualzinho às aranhas do livro que o senhor falou. Seus costumes, porém, de tão enraizados, que ficam invisíveis para eles. Como pensam que seus antigos valores não têm peso, acham que as novidades políticas caem num vazio...”

Cupins querendo democracia e brocas socialistas? Exterminadores falando com insetos?

Minha pausa para entender essa extraordinária narrativa foi interrompida pelo rotineiro almoço. Sentei-me e pensei em entrevistar os ajudantes que falavam com cupins. Seria uma belo estudo sociopsicológico. Mas a boa comida, a certeza de que a velha casa estava livre dos cupins e a obrigação de escrever esta crônica fizeram com que, como os cupins, eu deixasse para trás a imaginação. 

Pensamento do Dia


A nova vaga dos contaminados desconfinados e despreocupados

Dia 101

Estamos cansados, preocupados, fartos, desejosos de aproveitar o verão e recuperar o tempo perdido. Começamos a facilitar porque só queremos desconfinar. Basta olhar à nossa volta ou espreitar as redes sociais: os amigos já se juntam em festejos e convívios, sem distanciamento social e com poucos cuidados. São aos montes as fotografias de grupos de pessoas à molhada. Os avós, filhos e netos já se encontram sem máscaras e com poucas seguranças. Há cada vez mais notícias – e denúncias – de ajuntamentos, festas e encontros com dezenas ou centenas de pessoas. É humano: depois de tantas semanas longe das nossas vidas normais, regressar aos nossos e às velhas rotinas sabe muito bem. E se estamos todos aparentemente bem, juntos em grupo depressa nos esquecemos que existe uma pandemia por aí, que mata mesmo. E que ainda estamos em Estado de Calamidade.


Nos espaços públicos, restaurantes e lojas, começa algum facilitismo, também é humano. Poucas semanas depois da reabertura, já se nota um relaxar nos cuidados. Os dos empregados e os nossos, os fregueses. Um dia desta semana fui jantar a um restaurante japonês, onde um sushimen estava a trabalhar com a máscara no queixo e outro com o nariz de fora. Alertei a empregada de mesa, ela riu-se com o meu excesso de zelo. Nos cafés, as pessoas já se começam a acumular aos balcões, as desinfeções das mesas entre clientes já nem sempre acontecem e as distâncias entre as pessoas nas filas começam a encurtar. As praias estão cheias e ainda nem chegou o bom tempo a sério.

Os jovens, esses, são cada vez mais difíceis de manter em casa. Falo pelos meus dois teenagers, cheios de programas e cada vez mais solicitações. “Mas se todos vão, porque é que nós não podemos ir”, perguntam-me. “Porque os outros todos não são meus filhos”, respondo muitas vezes. Outras cedo, claro está, massacrando-os com as regras de segurança. Que fazer? Mantê-los em casa durante meses a fio até existir uma nova vacina não me parece possível. O problema, em sociedade, é sempre este: nós, os outros e o exemplos que recebemos.

Mas, sim, o Estado de Calamidade continua aí. Temos de desconfinar para não morrer da cura, mas a doença não desapareceu. Nem está a dar mostras de melhorar tão cedo. António Costa já voltou a dizer: ou cumprimos as regras ou temos de voltar a fechar.

Começa a ser difícil de ignorar: os números estão a ficar preocupantes. Já sabíamos que com o desconfinamento os novos contágios iriam aumentar. O problema é que passámos dos países com melhor performance para a lista dos casos mais alarmantes. Achatámos a curva no início, mas mantemo-nos num planalto que teima em descer. Ali rés-vés a linha vermelha onde começa a espiral do crescimento descontrolado e exponencial.

Há um novo rácio ao qual devemos estar atentos: o número de novos casos por 100 mil habitantes durante uma semana. Quando sobe acima de 20, soam os alarmes. É este, aliás, o critério que muitos países começam a olhar para decidir se impõem ou não restrições. E, neste indicador, Portugal sai-se mal.

Os números de casos de Covid-19 registados na última semana colocam Portugal com o segundo pior rácio entre os 10 países europeus com mais contágios, com um valor de 23,2 novos casos, apenas atrás da Suécia (que chega aos 62) – o país europeu que adotou uma estratégia mais liberal e que teve pior desempenho.

Durante seis dias consecutivos Portugal teve mais de 300 casos, e hoje andou lá perto: 292 novas infeções. Lisboa continua a ser a região mais afetada, mas agora há duas novas zonas com aumentos mais expressivos: Algarve, por causa da festa ilegal em Lagos, e Alentejo, onde um lar de idosos em Reguengos de Monsaraz tem sido um foco preocupante.

As autoridades explicam os números pela política de testagem abrangente – e a verdade é que Portugal está entre os países que mais testa por milhão de habitantes. Mas há outros sinais. Um deles é o tipo de pessoas sujeitas a internamento (neste momento temos mais de 400 pessoas internadas). No Hospital de Santa Maria são recebidos cada vez mais doentes mais novos e em estado considerado grave, contaminados no dia a dia nas esplanadas, cafés e nas praias, como explicou Sandra Braz, coordenadora da Unidade de Internamento de Contingência de Infeção Viral Emergente ao Expresso. Se na primeira vaga tivemos os contaminados das férias da neve, e na segunda foram os infetados dos lares, agora temos a vaga dos contaminados jovens, desconfinados e despreocupados.

Parece evidente que é preciso voltar a reforçar a sensibilização das populações para os riscos, a necessidade de cumprir as regras e, paralelamente, apertar a fiscalização por parte das autoridades. Tem de existir pouca tolerância com as violações das regras da DGS. E é fundamental não passar mensagens contraditórias. Declarações com a da diretora Geral da Saúde a dizer que quanto maior for o número de visitantes para a Liga dos Campeões, melhor será para o nosso País só confundem. Não podemos para sempre viver fechados e confinados com medo, mas não podemos disparar para a loucura. Se é que não queremos voltar outra vez todos para casa. Já estivemos mais longe.

Vazio de governo

A inércia alheia preenche/
o céu como um formulárioManuel Cintra (1956-2020)

Mortes em vão

Para o sanitarista Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fiocruz e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a metáfora da guerra não é a mais adequada para abordar os desafios da saúde. Segundo ele, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Por essa razão, cabe à ciência “responder com vacinas, medicamentos e o que mais estiver ao seu alcance ou que ainda venha a desenvolver de conhecimentos e tecnologias”.


Enquanto isso não ocorre, a melhor alternativa continua sendo o isolamento social, o rastreamento dos casos e o tratamento adequado aos infectados, o que pressupõe restrições de atividades econômicas e circulação de pessoas, testes em massa e um serviço médico operacional e capacitado. É que o conceito de guerra impõe decisões estratégicas nas quais as prioridades não são necessariamente as vidas humanas, ou seja, o tratamento daqueles que precisam de assistência médica, mas outros objetivos, no caso, o retorno das atividades econômicas e/ou os interesses eleitorais, como estamos assistindo. A morte é apenas o efeito colateral. O fato de já não se restringir aos grupos de risco é mera consequência. A maior vulnerabilidade da população de baixa renda nas favelas, periferias, grotões e aldeias indígenas, reflexo de nossas desigualdades, é considerada uma contingência contra qual nada se pode fazer, quando deveria ser exatamente o contrário.

Esse é o raciocínio. O presidente Bolsonaro, por exemplo, deixou o Palácio da Alvorada, no fim de semana, para velar o corpo de um soldado cujo paraquedas não abriu, no Rio de Janeiro, gesto louvável, mas é incapaz de decretar luto oficial por atingirmos a espantosa marca de mais de 50 mil mortos e quase 1,1 milhão de casos confirmados, em respeito às suas famílias. Muito menos homenagear os médicos e demais profissionais de saúde que morreram na linha de frente das UTIs e àqueles que se arriscam todos dias, nos hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs), muitos dos quais depois de terem contraído o vírus e se recuperado. No gesto de Bolsonaro havia mais cálculo político do que humanismo.

Recentemente, o professor de direito Lucas de Melo Prado, no site justificando.com, citou uma passagem do livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari, sobre a síndrome “nossos rapazes não morreram em vão”, comum durante as guerras. Referia-se à participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, com objetivo de recuperar os territórios de Trento e Trieste, em poder do Império Austro-Húngaro. O Exército austro-húngaro encastelou-se ao longo do Rio Isonzo e resistiu a todos os ataques. Na primeira batalha, morreram 15 mil italianos. Na segunda, 40 mil. Na terceira, 60 mil. E assim prosseguiu a guerra por dois anos. Na 12ª Batalha, em Caporeto, os austríacos passaram à ofensiva, só parando às portas de Veneza. Morreram 700 mil soldados italianos, mais de um milhão foram feridos. Inebriados pelo patriotismo, em busca das glórias romanas, “por Trento e por Trieste”, políticos e generais mandaram seus jovens para a morte. A analogia faz sentido.

Nos 40 dias à frente do Ministério da Saúde, o general de divisão Eduardo Pazuello opera uma política de “imunização de rebanho” não-declarada. Militarizou a pasta, para a qual levou duas dezenas de militares — os da ativa, em desvio de função —, a maioria neófitos em política sanitária. Quando assumiu, em 15 de maio, o Brasil contabilizava 14,8 mil mortos e 218 mil casos confirmados. Esses números quase quintuplicaram no período. Não será surpresa se duplicarmos o número de mortos até o fim de agosto, com o relaxamento da política de isolamento social, como queria Bolsonaro.

Na ativa, Pazuello cumpre ordens. Sua prioridade é uma devassa na pasta da Saúde, que subsidie investigações e denúncias contra governadores e prefeitos que adquiriram equipamentos médicos com preços acima das cotações de mercado. Como de fato houve casos de superfaturamento e desvio de recursos por parte das máfias que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), a pandemia já virou pauta policial. Quem pagará com a vida, porém, são as vítimas da covid-19, cujo número aumenta exponencialmente, em razão da flexibilização precipitada do isolamento social. Bolsonaro já anunciou que limitará o auxílio aos chamados “invisíveis” — 36 milhões de trabalhadores informais que ficaram sem nenhuma renda — a apenas mais R$ 600, parcelados em três vezes; sem recursos, como poderão permanecer em casa?

Os quatro cavaleiros do terror

Uma expressão que me causa especial desgosto é “o novo normal”. Não porque não ocorram mudanças decorrentes de epidemias, maiores ou menores, mas porque no mundo de hoje, no qual o marketing é a ciência fundamental, tudo fica ridículo quando a intenção primeira é a venda de uma visão de mundo açucarada para deixar as pessoas ainda mais infantilizadas do que já estão.

Hoje vou indicar um dos antídotos que temos à mão: um livro. O autor, o historiador Walter Scheidel tem uma hipótese muito consistente, chamada de “os quatro cavaleiros da igualdade social”, contra o montante de bobagens que anda circulando por aí, confundindo, como de costume, pensamento público com marketing de ideias.

Ele foi recentemente entrevistado nesta Folha, por ocasião do lançamento, no Brasil, do seu “The Great Leveler”, lançado pela Princeton University Press em 2018 e que aqui ganhou o título de “Violência e a História da Desigualdade – Da Idade da Pedra ao Século 21”.

Segundo o autor, a normalidade social por longos períodos sempre tende a acumular riqueza nas mãos dos mais ricos e a aumentar a desigualdade social. Só grandes devastações em larguíssima escala alteram a desigualdade —e, mesmo assim, após a normalização que se segue, a desigualdade retoma seu curso.

Para quem não lembra o que é desigualdade social ou pobreza em larga escala (sei da diferença conceitual entre as duas, mas não vou dar atenção a isso por aqui porque não é necessário), eu lembro: desigualdade social é o que faz com que políticas sanitárias na América Latina conhecidas como “lockdown” sejam, basicamente, cercar bairros periféricos ou favelas com alto índice de transmissão da Covid-19 e impedir que seus moradores circulem pela cidade, fazendo com que, assim, não contaminem o resto da população, inclusive parte da inteligência pública alienada.


Sei que belas almas entendem esse processo de maneira diferente, pois sempre confundem o Brasil com a Dinamarca, mas nada temos a fazer em relação a isso. Aliás, no mínimo dois países na América Latina colocaram esse tipo de política em prática, cercando seus bairros pobres.

Voltemos aos quatro cavaleiros da igualdade social. Segundo Scheidel, a desigualdade caminha passo a passo com a normalidade social. Os fatores dessa desigualdade surgiram já desde o Neolítico e se acentuaram com o tempo.

A sorte biológica (que se materializa em mais saúde e em boa hereditariedade tanto em relação a sua origem quanto em relação a sua descendência), as leis que normatizam a transmissão de riquezas materiais e imateriais (fator essencial para a tal segurança jurídica e comercial), as vantagens geográficas, a capacidade técnica de colher, cuidar e assegurar a riqueza acumulada, os governos e as religiões (instituições que trazem exatamente essa segurança), tudo isso são elementos da normalidade social e histórica.

A interrupção desse curso normal das coisas, contudo, só ocorre quando quatro fenômenos acontecem.

O primeiro são as guerras profundas, capilarizadas, amplas, industrializadas, duradouras —caso das duas guerras mundiais, das guerras napoleônicas e da Guerra Civil Americana, por exemplo. São conflitos com capacidade de matar pessoas em um nível gigantesco e de destruir a estrutura social, política e econômica existente.

O segundo fator são as revoluções, como a soviética e a chinesa, que mataram pessoas aos milhões e geraram uma guerra civil de capacidade devastadora.

O terceiro, a falência absoluta do Estado em uma determinada sociedade, levando ao caos social, político e econômico e debilitando a sociedade ao ponto de quase extinção.

O quarto? Pandemias. Porém, não esta pela qual estamos passando, que, até onde vemos, não terá nenhum efeito devastador se comparada a outras tantas. Trocando em miúdos, uma epidemia só consegue mudar alguma coisa de fato se matar milhões e milhões de pessoas, destruindo a sociedade de forma a ela não conseguir se retomada do ponto em que se encontrava.

Sim, apenas a destruição em massa de populações inteiras, instituições, redes de circulação de produtos e infraestrutura produtiva pode alterar a desigualdade social —e, mesmo assim, após a normalidade retomada a duras penas, a desigualdade tende a voltar.

Portanto, você e seu narcisismo brincando de home office não vão alterar nada na ordem desigual em que vivemos. Aliás, pelo contrário: deve piorar.

Luiz Felipe Pondé

Começam as baixas na caserna

Apesar de esforços de vários atores em várias frentes para arejar a cena política, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), aumentou a tensão em todos os ambientes, inclusive em uma das bases mais caras de Jair Bolsonaro: as esposas dos oficiais militares.

Uma evidência do derretimento da popularidade do presidente é a progressiva perda de apoio nesse segmento, refletida nos vários grupos de WhatsApp em que as mulheres dos oficiais da ativa e da reserva trocam impressões sobre os fatos políticos. A prisão de Queiroz e as circunstâncias que a envolveram provocaram uma debandada nesse grupo, inclusive de defensoras obstinadas do presidente.

Nem a saída do ex-juiz Sergio Moro do governo nem a postura negacionista de Bolsonaro sobre a pandemia - e a indiferença diante das mais de 50 mil vítimas fatais da covid-19 - haviam espantado essas apoiadoras.

Mas o esconderijo no escritório do advogado Frederick Wassef, que não saía dos dois palácios, Planalto e Alvorada, é visto como um detalhe estarrecedor. Ainda que Wassef tenha deixado a defesa do senador, até ontem suas digitais estavam lá, próximas da família, e suas declarações para tentar blindar o presidente são consideradas artificiais.

Outra convicção do grupo de mensagens das esposas é de que mais do que um auxiliar, Queiroz era um personagem do entorno do presidente, frequentador de churrascos e pescarias da família. Em um dos primeiros episódios em que se viu obrigado a esclarecer esses laços, Bolsonaro teve de responder por que Queiroz depositou um cheque de R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Um general que viu algumas das mensagens trocadas entre elas assegura que até “o grupo mais radical sumiu”. Os grupos de mensagens das esposas dos oficiais antecipam tendências, diz este general.


É uma análise sem dúvida empírica. Mas em 2018, antes dos institutos de pesquisas e dos analistas políticos, as trocas de mensagens nesses grupos já indicavam a vitória de Bolsonaro.

Se o presidente amarga as primeiras baixas no estrato feminino da caserna, generais da ativa afirmam que a prisão de Queiroz acentuou o desconforto da cúpula com a persistente vinculação do governo ao Exército.

A imagem mais clara desse vínculo para o grupo do comandante Edson Leal Pujol é a permanência de dois generais da ativa no primeiro escalão: os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Eduardo Pazuello, da Saúde.

É com esse pano de fundo que a cúpula militar espera que nesta semana, em que o Alto Comando do Exército está reunido para definir promoções e analisar a conjuntura, o ministro Ramos finalmente anuncie a sua transferência para a reserva.

Há 15 dias, Ramos anunciou a aposentadoria, mas não falou em data. Na próxima semana ele completará um ano como general da ativa em um cargo civil, para desassossego de Pujol.

Quanto o general Braga Netto, ainda na ativa, tomou posse como ministro-chefe da Casa Civil, para assumir a gerência do governo, em menos de um mês formalizou sua transferência para a reserva.

Aposentando a farda, entretanto, Ramos perde a oportunidade de ser indicado para a próxima vaga para o Superior Tribunal Militar (STM), que será aberta no segundo semestre de 2022, com a aposentadoria compulsória do ministro Luís Carlos Gomes Mattos.

A cúpula da caserna, entretanto, distingue a situação de Ramos e Pazuello. Ambos ainda têm um ano e meio na ativa para galgar outros postos na carreira. Mas há uma leitura de que como general de Exército, Ramos atingiu o topo da carreira - acima, só o posto de Pujol.

Enquanto Pazuello, oficial de intendência (especializado em tarefas administrativas ou logísticas), teria a prerrogativa de buscar outras colocações porque como ministro interino da Saúde estaria cumprindo missão das mais espinhosas, sem chance de deserção.

Mas se há o desconforto com o vínculo direto do governo Bolsonaro com o Exército, a cúpula militar também não está satisfeita com as recorrentes insinuações de que tentariam um golpe militar, tampouco com o que classificam como excessos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi por esse motivo que o ministro do STF Gilmar Mendes pediu a audiência com o comandante do Exército na semana passada. A reunião foi salutar, mas a conversa nem de longe foi conclusiva.

Os generais reconhecem os excessos de Bolsonaro, mas da mesma forma enumeram episódios em que a seu ver, os ministros do STF teriam extrapolado.

O episódio mais recente que irritou os generais foi a declaração do ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, de que a nomeação de militares para vários cargos era a “chavização” do governo. “Ele praticamente nos chamou de bandidos”, indignou-se um general da ativa.

Outro gesto considerado desrespeitoso é atribuído ao decano do STF, Celso de Mello. ele incluiu no mandado para ouvir Ramos e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, a advertência de que se não comparecessem na data agendada para a oitiva, estariam sujeitos “como qualquer cidadão à condução coercitiva ou debaixo de vara”. Eles seriam ouvidos sobre a acusação de Moro da suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.

“Bolsonaro tem excessos, mas o Supremo está fora da casinha, o tribunal está politizado há muito mais tempo”, ressaltou um general.

A cúpula do Exército avalizou a declaração de Ramos à revista “Veja” de que os militares não cogitam nenhum golpe, mas a oposição não pode esticar a corda. O entendimento na cúpula da caserna é de que as instituições devem ser preservadas: o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.

Investigações e processos que mirem o presidente e algum de seus familiares devem seguir o curso normal, sem açodamentos nem ardis. A reiteração do que a cúpula classifica como excessos será compreendida como cutucar a onça com vara curta. E a onça está dormindo com um olho aberto.

O grande mudo

O jornalista Larry Rohter, que acaba de publicar excelente biografia de Rondon, citou com admiração em sua coluna na revista “Época” uma frase dita pelo marechal em 1956: “O Exército deveria ser o grande mudo”. Zuenir Ventura, aprovando, repercutiu a citação em sua coluna do GLOBO. Como o assunto é atual, vou espichá-lo um pouco.

A frase chegou ao Brasil em 1920 com os componentes da Missão Militar Francesa, chefiada pelo general Gamelin, que fora contratada pelo ministro Calógeras, o único civil a comandar o Exército na República. Existia na França a expressão: "L’Armée est la grande muette", referindo-se, naturalmente, a seu caráter apolítico. Antes, entre 1906 e 1912, por sugestão do barão do Rio Branco, três turmas de jovens oficiais brasileiros tinham estagiado no Exército alemão, que adotava o mesmo princípio. De volta ao Brasil, criaram a revista “Defesa Nacional”, de caráter exclusivamente profissional e que lhes valeu o apelido de jovens turcos. A revista só se referiu uma vez à primeira revolta tenentista de 1922. O autor, um oficial da Missão, insistiu em que a neutralidade política dos oficiais era a marca das democracias liberais. Rondon, então com 55 anos, estava no Rio nessa época e foi seguramente quando tomou conhecimento da expressão que transmitiu a Rohter.


A doutrina da mudez política do Exército, no entanto, não prosperou entre nós. Entre os líderes dos “turcos”, talvez o único que a manteve consistentemente por toda a vida foi o general Leitão de Carvalho. Suas ideias foram expostas no livro “Dever militar e política partidária”, publicado em 1959; sua atuação está descrita nas memórias que deixou. Ele se recusou a apoiar a Revolução de 1930 e todos os muitos movimentos militares das décadas de 1920 e 1930. Outro “turco” de destaque, o futuro general Bertoldo Klinger, fez suas adaptações. Já no primeiro número da “Defesa nacional”, dizia que o Exército deveria ter uma função “conservadora e estabilizante”. Para isso, as intervenções militares não podiam vir de baixo para cima, como em 1922 e 1924, tinham que vir de cima para baixo. Em 1930, vitoriosa a revolução, um Movimento Pacificador depôs o presidente W. Luís. Nomeado chefe do Estado-Maior, o então coronel Klinger propôs uma solução de Estado-Maior. Segundo ele, o destino do Brasil deveria ser o naquele momento entregue aos generais de terra e mar, que convocariam nova eleição.

Dos ex-alunos da Missão Francesa, quem mais se projetou foi o general Góis Monteiro. Depois de ter combatido os rebeldes de 1924, renegou toda ideia de mudez e aceitou a chefia militar da Revolução de 1930. Era, então, um tenente-coronel. Vitoriosa a revolta, foi logo promovido a general e publicou um livro intitulado “A Revolução de 30 e a finalidade política do Exército”, com prefácio de José Américo de Almeida. Nele escancarou as teses de Klinger. O Exército é “um órgão essencialmente político”. Lançou mão dos ensinamentos militares da Missão Francesa para usá-los contra a doutrina da mudez. Era preciso, escreveu, “fazer a política do Exército e não a política no Exército”. Só à sombra do Exército e da Marinha se poderiam organizar as outras forças nacionais. Durante o período de 1930 a 1945, dedicou-se a aplicar a ideia de Klinger: fazer do Exército um ator político unido, eficaz, falante. Os 88 movimentos militares de protesto de 1930 a 1939 foram reduzidos a seis entre 1940 a 1945. Entre 1937 e 1945, Góis e Dutra monopolizaram o posto de ministro e a chefia do Estado-Maior. Em 1945, as Forças Armadas, em decisão conjunta dos três Estados-Maiores, derrubaram Getúlio Vargas. Adeus Missão Francesa, adeus Exército grande mudo.

José Murilo de Carvalho