Estamos cansados, preocupados, fartos, desejosos de aproveitar o verão e recuperar o tempo perdido. Começamos a facilitar porque só queremos desconfinar. Basta olhar à nossa volta ou espreitar as redes sociais: os amigos já se juntam em festejos e convívios, sem distanciamento social e com poucos cuidados. São aos montes as fotografias de grupos de pessoas à molhada. Os avós, filhos e netos já se encontram sem máscaras e com poucas seguranças. Há cada vez mais notícias – e denúncias – de ajuntamentos, festas e encontros com dezenas ou centenas de pessoas. É humano: depois de tantas semanas longe das nossas vidas normais, regressar aos nossos e às velhas rotinas sabe muito bem. E se estamos todos aparentemente bem, juntos em grupo depressa nos esquecemos que existe uma pandemia por aí, que mata mesmo. E que ainda estamos em Estado de Calamidade.
Nos espaços públicos, restaurantes e lojas, começa algum facilitismo, também é humano. Poucas semanas depois da reabertura, já se nota um relaxar nos cuidados. Os dos empregados e os nossos, os fregueses. Um dia desta semana fui jantar a um restaurante japonês, onde um sushimen estava a trabalhar com a máscara no queixo e outro com o nariz de fora. Alertei a empregada de mesa, ela riu-se com o meu excesso de zelo. Nos cafés, as pessoas já se começam a acumular aos balcões, as desinfeções das mesas entre clientes já nem sempre acontecem e as distâncias entre as pessoas nas filas começam a encurtar. As praias estão cheias e ainda nem chegou o bom tempo a sério.
Os jovens, esses, são cada vez mais difíceis de manter em casa. Falo pelos meus dois teenagers, cheios de programas e cada vez mais solicitações. “Mas se todos vão, porque é que nós não podemos ir”, perguntam-me. “Porque os outros todos não são meus filhos”, respondo muitas vezes. Outras cedo, claro está, massacrando-os com as regras de segurança. Que fazer? Mantê-los em casa durante meses a fio até existir uma nova vacina não me parece possível. O problema, em sociedade, é sempre este: nós, os outros e o exemplos que recebemos.
Mas, sim, o Estado de Calamidade continua aí. Temos de desconfinar para não morrer da cura, mas a doença não desapareceu. Nem está a dar mostras de melhorar tão cedo. António Costa já voltou a dizer: ou cumprimos as regras ou temos de voltar a fechar.
Começa a ser difícil de ignorar: os números estão a ficar preocupantes. Já sabíamos que com o desconfinamento os novos contágios iriam aumentar. O problema é que passámos dos países com melhor performance para a lista dos casos mais alarmantes. Achatámos a curva no início, mas mantemo-nos num planalto que teima em descer. Ali rés-vés a linha vermelha onde começa a espiral do crescimento descontrolado e exponencial.
Há um novo rácio ao qual devemos estar atentos: o número de novos casos por 100 mil habitantes durante uma semana. Quando sobe acima de 20, soam os alarmes. É este, aliás, o critério que muitos países começam a olhar para decidir se impõem ou não restrições. E, neste indicador, Portugal sai-se mal.
Os números de casos de Covid-19 registados na última semana colocam Portugal com o segundo pior rácio entre os 10 países europeus com mais contágios, com um valor de 23,2 novos casos, apenas atrás da Suécia (que chega aos 62) – o país europeu que adotou uma estratégia mais liberal e que teve pior desempenho.
Durante seis dias consecutivos Portugal teve mais de 300 casos, e hoje andou lá perto: 292 novas infeções. Lisboa continua a ser a região mais afetada, mas agora há duas novas zonas com aumentos mais expressivos: Algarve, por causa da festa ilegal em Lagos, e Alentejo, onde um lar de idosos em Reguengos de Monsaraz tem sido um foco preocupante.
As autoridades explicam os números pela política de testagem abrangente – e a verdade é que Portugal está entre os países que mais testa por milhão de habitantes. Mas há outros sinais. Um deles é o tipo de pessoas sujeitas a internamento (neste momento temos mais de 400 pessoas internadas). No Hospital de Santa Maria são recebidos cada vez mais doentes mais novos e em estado considerado grave, contaminados no dia a dia nas esplanadas, cafés e nas praias, como explicou Sandra Braz, coordenadora da Unidade de Internamento de Contingência de Infeção Viral Emergente ao Expresso. Se na primeira vaga tivemos os contaminados das férias da neve, e na segunda foram os infetados dos lares, agora temos a vaga dos contaminados jovens, desconfinados e despreocupados.
Parece evidente que é preciso voltar a reforçar a sensibilização das populações para os riscos, a necessidade de cumprir as regras e, paralelamente, apertar a fiscalização por parte das autoridades. Tem de existir pouca tolerância com as violações das regras da DGS. E é fundamental não passar mensagens contraditórias. Declarações com a da diretora Geral da Saúde a dizer que quanto maior for o número de visitantes para a Liga dos Campeões, melhor será para o nosso País só confundem. Não podemos para sempre viver fechados e confinados com medo, mas não podemos disparar para a loucura. Se é que não queremos voltar outra vez todos para casa. Já estivemos mais longe.
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