quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Cautela na Lava-Jato

Todos os dias a imprensa nos alerta sobre a possibilidade de a Operação Lava-Jato estar sendo sabotada. Uma das narrativas adotadas para sustentar Dilma Rousseff na Presidência era até mesmo a de que o então vice-presidente, Michel Temer, tentaria controlar as investigações, caso assumisse seu lugar.

Entretanto, na hora em que o ministro da Justiça do hoje presidente Temer, em um ataque boquirroto, diz que a Lava-Jato vai continuar e terá desdobramentos imediatos instala-se uma grita contra ele. Para entender se a Operação Lava-Jato será sabotada, devemos saber como tal sabotagem poderia ocorrer.

Basicamente, de três formas. Uma delas é aprovando-se medidas legislativas que afetem o andamento das investigações. Ou promovendo uma anistia, conforme ocorreu na Espanha e na Itália. A terceira forma seria fazendo uma espécie de acordão, no STF, para neutralizar os efeitos das investigações e dos julgamentos na primeira instância.

Não há medida legislativa que possa paralisar a Lava-Jato. A questão da punição ao abuso de poder por parte de autoridade não é empecilho para quem age dentro da lei. A aprovação de uma anistia, de forma a livrar da cadeia os que forem severamente punidos, não está fora de questão. Porém, ela dificilmente será aprovada.

Tampouco vejo o STF com a intenção de limar os efeitos das investigações. Em especial, quando os processos chegam bem calçados em suas denúncias. O STF sabe da relevância de tudo o que está acontecendo, assim como sabe do volume extraordinário de provas apuradas.

Em que pese a Operação Lava-Jato ser palco tanto de acontecimentos extraordinários quanto de certo ativismo judicial, não há como sabotar seu andamento. Enfim, o que conta é que a Operação, iniciada em 2014 e que vai chegar, pelo menos, até 2018, caminha para ser o maior sucesso da história da humanidade no combate à corrupção.

Nada do que foi feito na Operação Mãos Limpas, na Itália, e em operações similares na Espanha se compara ao que está acontecendo e ainda vai acontecer na Lava-Jato. A operação está mudando o modo de se fazer política no Brasil, assim como as relações entre os fornecedores do governo e os políticos.

A magnitude dos resultados impõe ao jovem time de investigadores e procuradores à frente da Operação cautela adicional e total comprometimento com a letra constitucional. Para que tudo não termine ruindo como um castelo de areia.

Fogo-fátuo

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Lá vem a nega Luzia/ No meio da cavalaria/ Vai correr lista lá na vizinhança/ Pra pagar mais uma fiança/ Foi cangebrina demais/ Lá no xadrez/ Ninguém vai dormir em paz/ Vou contar pra vocês/ O que a nega fez/ Era madrugada/ Todos dormiam/ O silêncio foi quebrado/ Por um grito de socorro/A nega recebeu um Nero/ Queria botar fogo no morro
Wilson Batista e Jorge de Castro, ‘Nega Luzia’
Desde o primeiro momento em que o impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff, foi aventando por setores da oposição a seu governo, ilustres dirigentes petistas e líderes de movimentos sociais, seus aliados, passaram a proclamar em alto e bom som que tal desígnio seria intolerável sob todos os aspectos. Caracterizado como golpe, deveria ser obstado por todos os meios possíveis e imagináveis. Os métodos, quaisquer que fossem, de defesa do governo seriam justificáveis, já que se tratava de impedir uma armação contra o poder popular, montada por forças de direita, majoritárias no Congresso Nacional, legitimada pelo Judiciário arbitrário e pela mídia monopolista e reacionária.

Com esse entendimento, as advertências aos propósitos ou tentações golpistas ganharam modulação estridente. O presidente da CUT, Vagner Freitas, prometeu inédita mobilização dos trabalhadores, “para ir às ruas entrincheirados de armas nas mãos”. João Pedro Stédile, dirigente do MST, advertiu que colocaria seu exército de trabalhadores rurais nas ruas. Guilherme Boulos, líder do MTST, ameaçou botar fogo no Brasil. No mesmo diapasão, Lula anunciou que poderia “incendiar o País” – os golpistas haveriam de arder em praça pública ou queimar no fogo do inferno. Os ímpetos sediciosos e as obsessões piromaníacas, que visavam a atemorizar velhos e novos inimigos, transformaram-se, porém, em meros blefes e não encontraram ressonância nem em seus supostos representados.

Tal qual a barafunda promovida pela “nega Luzia”, o caso da reação loquaz ao pretenso golpe da direita por aqueles personagens íntimos do poder, tendo ou não recebido “um Nero”, envolvido ou não “cangebrina demais”, é fato que a suposta resistência se limitou, ao fim e ao cabo, a algumas bravatas, esperneios e espasmos de oratória retumbante. Tirante algumas tentativas de demonstração de força, afirmações de desagravo e prédicas altissonantes de indignação para o público interno, aqui e ali, até mesmo a direção do PT pareceu resignada e – por que não? – aliviada com o desfecho. Parte significativa dos filiados ou coligados, em especial deputados e senadores, governadores e prefeitos, vereadores e comissários, procurou rapidamente salvaguardar sua carreira; muitos até ignoram o governo destituído, fazendo de conta que nada tinham que ver com ele. Alguns dirigentes consideram mesmo que o impedimento da presidente foi uma espécie de tábua de salvação, oportunidade excepcional de unir o partido pela vitimização, além de conveniente para livrá-los do compromisso de sustentar companheira-governante incômoda que só causava desgaste à imagem partidária.

Como explicar que um governo que chegou a ter uma poderosa base aliada no Congresso, com altos índices de popularidade, que parecia contar com o apoio compacto da sociedade civil e estar solidamente incrustado nos aparatos do Estado, repentinamente, viu-se isolado e apeado do mando, abandonado à própria sorte?

A resposta, entendemos, envolve um conjunto complexo de fatores e questões, sobretudo as de natureza política. Entre eles, há alguns que podem ajudar na compreensão desse processo: 1) o inusitado estelionato eleitoral de 2014, quando a coligação PT-PMDB não só camuflou a real situação de crise do Estado e da economia, como prometeu o paraíso e entregou o inferno; 2) o acúmulo de práticas e valores políticos antirrepublicanos, deficitários de ética e democracia, saturados de patrimonialismo e clientelismo; 3) ao contrário do expresso na retórica e no marketing, da implementação de um projeto nacional desenvolvimentista, a economia política dos governos petistas redundou em recessão e, a seguir, numa depressão econômica sem precedentes; 4) o desarranjo da governabilidade, ancorada na aliança PT-PMDB e partidos satélites, organizada e operada por meio da negociação de cargos, da oferenda de verbas e de recompensas políticas e pecuniárias; 5) ao deixar de ser um partido da e para a sociedade civil, o PT, concomitantemente, estatizou e/ou cooptou movimentos sociais, organizações, entidades (CUT, MST, MTST, UNE, etc.) – procedendo dessa forma, imobilizou-os e despojou-os de suas finalidades e quando, alijado do poder, deles necessitou, viu sua capacidade mobilizatória obstada.

Os elementos acima enumerados, juntamente com outros fatos e contingências, acarretaram a corrosão lenta e contínua da credibilidade do governo, conduzindo-o à perda de legitimidade política. Possibilitada, outrossim, pelo fato de o PT não ter sido capaz de conceber e implementar um projeto de hegemonia política. Optou por exercer o poder pelo domínio, desconsiderando as exigências para se habilitar como dirigente. Ao contrário, restabeleceu antiquados métodos de mando das velhas classes dominantes brasileiras: cooptação de parte da sociedade civil e política pelo aliciamento ou pela submissão, mercadejando patrimônio e fundos públicos. Isso criou condições para o revigoramento da cultura política e de forças antidemocráticas, hiperconservadoras e fisiológicas (expressas hoje no “centrão”), que medraram à sombra ou em zonas soturnas do poder petista, alimentadas pelo clientelismo, pelo patrimonialismo e pelo corporativismo.

Apagado o fogo, de seu rescaldo protagonismo capital poderá vir a ter, no processo político reconstituinte, uma esquerda democrática com práxis renovada e com projeto reformista vigoroso, capaz de superar concepções e práticas antidemocráticas, que permita a desobstrução de condutos que dificultam o livre curso da dinâmica democrática.

Eficientes na destruição

Quanto tempo, dinheiro, energia e criatividade o pessoal da Odebrecht gastou para montar e manter por tantos anos o tal “Departamento de Operações Estruturadas”? O sistema supervisionava, calculava e executava os pagamentos de comissões — propinas, corrige a Lava-Jato — referentes a grandes obras no Brasil inteiro e em diversos outros países. Considere-se ainda que os pagamentos deviam ser dissimulados, o que trazia o trabalho adicional de esconder a circulação do dinheiro e ocultar os nomes dos destinatários. Coloquem na história os funcionários que criavam os codinomes dos beneficiários — Casa de Doido, Proximus, O Santo, Barba Verde, Lampadinha — e a gente tem de reconhecer: os caras eram eficientes.

Nenhuma economia cresce sem companhias eficientes. Elas extraem mais riqueza do capital e do trabalho e, com isso, reduzem o custo de produção, entregando mercadorias e serviços melhores e mais baratos.


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Pois o “Departamento de Operações Estruturadas” foi eficiente na geração de uma enorme ineficiência. Tudo aquilo é parte do custo Brasil — encarece as obras, elimina a competição, afasta empresas de qualidade e simplesmente rouba dinheiro público.

Há aqui dois roubos: um direto, o sobrepreço que se coloca nas obras para fazer o caixa que alimenta as propinas; o outro roubo é indireto e mais espalhado. Está no aumento dos custos de toda a operação econômica.

Na última terça, a Fundação Dom Cabral divulgou a versão 2016 do ranking mundial de competitividade, que produz em associação com o Fórum Econômico Mundial. O Brasil apareceu no 81º lugar, pior posição desde que o estudo é feito, atrás dos principais emergentes, bem atrás dos demais países do Brics.

Mais importante ainda: se o Brasil caiu 33 posições nos últimos seis anos, os demais emergentes importantes ganharam posições com reformas e mais atividade econômica. Prova-se assim, mais uma vez, que a crise brasileira é “coisa nossa”, genuína produção nacional.

Os governos Lula 2 e Dilma foram tão eficientes na geração do desastre quanto a Odebrecht com suas operações estruturadas. Uma política econômica que provoca recessão — por três anos seguidos — com inflação em alta, juros elevadíssimos e dívida nas alturas, tudo ao mesmo tempo, com quebradeira geral das maiores estatais — eis uma proeza que parecia impossível.

Para completar, a eliminação de qualquer critério de mérito na montagem do governo e suas agências arrasou a eficiência da administração pública e, por tabela, da empresa privada que tinha negócios com esse governo.

Em circunstâncias normais, numa economia de mercado, a empresa privada opera tendo como base as leis e as regulações que devem ser neutras e iguais para todos. A Petrobras precisava ter regras públicas para contratação de obras e serviços.

Em vez disso, o que a Lava-Jato nos mostrou? Um labirinto de negociações escondidas, operações dissimuladas, manipulações de lei e regras.

Às vezes, a gente pensa: caramba, não teria sido mais simples fazer a coisa legal? Sabe o aluno que gasta enorme energia e capacidade bolando uma cola eficiente e acaba descobrindo que gastaria menos estudando?

A diferença no setor público é que o estudo não dá dinheiro. A cola dá um dinheirão para partidos, seus políticos, amigos e companheiros.

Nenhum país fica rico sem ganhos de produtividade. O Brasil da era PT perdeu produtividade. Mas, pior que isso, criou sistemas ineficientes e corruptos desde os principais setores da economia — construção civil, indústria de óleo e gás — até os mais simples serviços públicos, como a concessão de bolsa-pescador ou auxílio-doença.

SOBRANDO DINHEIRO

Como o Brasil do pré-sal, a Noruega também descobriu enormes jazidas de petróleo. Também constituiu uma estatal — a Statoil — para extração e produção.

Mas os noruegueses tomaram a decisão de guardar a receita do óleo. Constituíram um fundo soberano, alimentado com os ganhos da Statoil, fundo este que passou a investir sobretudo em ações pelo mundo afora. Esses investimentos deram lucros — e este dinheiro, sim, é gasto pelo governo. E o fundão é reserva para as aposentadorias.

O fundo norueguês é hoje o maior do mundo — tem um capital investido de US$ 880 bilhões.

Já o Brasil gastou antes de fazer o dinheiro.

O pré-sal está atrasado, perdemos o boom dos preços astronômicos do petróleo e a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo. Outro dia mesmo, vendeu um poço para a Statoil, para fazer caixa. E Dilma dizia que estava construindo o futuro. De quem?

Carlos Alberto Sardenberg 

Consultoria de Palocci é exemplo a ser seguido

A Lava Jato descobriu a solução para a crise econômica. Todo brasileiro desempregado deveria desistir do seu ofício e reorganizar-se como consultor. Entre um escândalo e outro, o médico sanitarista Antonio Palocci fez isso. Colocado no olho da rua por Lula e também por Dilma, dedicou-se à sua firma, a Projeto Consultoria Empresarial e Financaeira Ltda.. O resultado foi estupendo.

Nesta quarta-feira, o Banco Central informou a Sérgio Moro que executou a ordem de bloqueio dos recursos depositados nas contas de Palocci. Nas contas pessoais do ex-ministro, bloquearam-se R$ 814 mil. Nas contas de sua empresa, foram aprisionados R$ 30 milhões. Não chega perto dos R$ 128 milhões que o juiz da Lava Jato mandara bloquear. Mas já impressiona.

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No ano passado, o Coaf, órgão federal que controla as atividades financeiras, já havia atestado o sucesso de Palocci. Em documento datado de 23 de outubro de 2015, a repartição anotara: “A empresa Projeto […] foi objeto de comunicações de operações financeiras […] com valor associado de R$ 216.245.708,00, reportados no período de 2008 a 2015, dos quais R$ 185.234.908,00 foram registrados em suas contas correntes e o restante em contas de terceiros…”

A crise poupou Palocci. Tudo poupou Palocci. A vida, a história, o Supremo Tribunal Federal, os correligionários, os eleitores… Palocci parecia ter descoberto a camuflagem perfeita para passar pelo mundo incólume. Disfarçara-se de Antonio Palocci, o consultor. Nenhuma revelação conseguia abarlar o seu prestígio. Até que a Lava Jato o alcançou. O PT deve ter razão. Só pode ser perseguição a um talento insuspeitado.

O banco seguro

A sensibilidade nas ilustrações de Sungwon. ~ Pêssega d'Oro:
Sungwon
O único banco em que podemos depositar nossas economias é o banco das lembranças. É o único que jamais falirá
Ievguêni Ievtuchenko

O vazio das eleições municipais

Pesquisas costumam ganhar eleições majoritárias, ainda que surpresas possam acontecer. Em São Paulo, Rio e Belo Horizonte parecem vitoriosos João Dória, Marcelo Crivella e João Leite, ainda que nessas três capitais paire a sombra do segundo turno.

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O denominador comum das eleições de domingo é a falta da ideologia há anos verificada ao redor dos vencedores. Deles e da maioria dos candidatos favoritos nas capitais dos demais estados, agora. O fracasso dos indicados pelo PT abre um vazio de razoáveis proporções na ortodoxia política. Ainda que a Direita continue indo muito bem, por conta do imobilismo, a Esquerda escafedeu-se, mais do que se dividir.

A projeção desse fenômeno para as eleições gerais de 2018 está em aberto. Não dá para supor que daqui a dois anos, ao votar para o novo Congresso, os governos estaduais e a presidência da República, o eleitor venha a seguir as tendências do próximo domingo, que, aliás, não significam nada. O que representam João Dória, Marcelo Crivella e João Leite, em termos ideológicos? No máximo, identificam-se com o mais do mesmo. Deverão ser eleitos por conta da ausência de programas e de doutrinas.

Essa a lição das eleições municipais imediatamente seguintes à implosão do PT: o vazio. A falta de uma estrutura capaz de substituir aquilo que os companheiros não conseguiram emplacar.

Bufão acintoso

No clássico romance “Os Irmãos Karamazov”, Dostoievski nos fala de um personagem abjeto, Fiodor Pavlovitch, o Karamazov pai, sujeito que embute na alma corrompida a “volúpia de mentir”. O gigante russo, abarcando como nenhum outro os abismos da alma humana, considera, com agudo senso psicológico, que o sujeito que mente a si próprio e que mergulha na própria mentira, acaba por não poder mais discernir a verdade, nem em si mesmo, nem em torno de si, deixando, portanto, de respeitar a si próprio e aos outros.

Dostoievski tem o velho Karamazov, assassinado pelo próprio filho (Smerdiakov), na conta de um debochado contumaz e lança suas luzes sobre o tipo: “Os embusteiros calejados, que passam a vida inteira mentindo, têm momentos que tomam o seu papel tão a sério que chegam a chorar e a tremer de emoção, embora nesse mesmo instante (ou um segundo depois) possam dizer a si próprios: - Mentes, velho sem-vergonha; não passas de um palhaço, apesar de toda tua ‘santa’ ira e do teu ‘santo’ minuto de cólera”.

Tudo bem medido e pesado, não há diferença básica entre o tragicômico personagem do romancista russo e a figura farsesca de Lula. No caso do vosso velho sindicalista, o exercício diuturno da mentira, para além de manifesta degeneração de caráter, revela uma forma voluptuosa de prazer: no frigir dos ovos, Lula da Silva goza mentindo – e eis a explicação pertinente encontrada pelo escritor russo, que, ademais, no romance, associa o vício incontrolável de mentir à histeria compulsiva do Karamazov pai.


Muito bem. Desde o episódio em que o Ministério Público Federal, baseado em fatos, denunciou o líder do PT como “comandante máximo” do esquema de corrupção montado para saquear a nação, armou-se, em pífia resposta, a encenação de lastimável ópera-bufa. Nela, como émulo do Karamazov pai, saracoteia a figura de Lula da Silva, a um só tempo, patética e burlesca.

Com efeito, sem argumentos válidos para contestar a denúncia sobre os milhões subtraídos dos cofres públicos, o milionário do ABC, no centro do picadeiro habitual, depois de beijar a camisa vermelha, chorar, bufar, esganiçar e se comparar a Getúlio Vargas, JK, Jango e ainda, num ato de estúpida bravata, ao próprio Jesus Cristo - terminou por jurar que, uma vez comprovada sua culpa, “ia a pé”, de São Bernardo a Curitiba, “para ser preso” .

Pior: mais tarde – mesmo sabendo que a mulher de Guido Mantega fazia simples exame de colonoscopia, considerado procedimento de rotina pela filha do ex-ministro preso – Lula vociferou, roufenho de tanto mentir, que a prisão do encalacrado petista era uma falta de “humanitarismo” da PF, silenciando, no entanto, quanto ao achaque de Mantega ao trêfego Eike Batista, o empresário “forte” do governo petista cevado na grana manipulável do BNDES.

Como todos sabem, os comunistas vivem da e para a mentira. Fidel Castro, o Vampiro do Caribe, por exemplo, se jactava de mentir em discursos enfadonhos nos quais castigava o povo cubano (a ouvi-lo de pé) por mais de 12 horas; Stalin, genocida por vocação, mentia sem pestanejar, em especial quando promovia jantares para homenagear camaradas do PC que mandava fuzilar no dia seguinte; por sua vez Lenin, carniceiro-mor, mentia de forma consciente quando iludia o povo com promessas de fortuna igualitária nunca estabelecida na malfada Rússia dos Sovietes; e Mao, o grande pedófilo, sacrificou literalmente 75 milhões de chineses com a campanha do “Grande Salto Para Frente”, mentindo que iria melhorar a vida da população em tempo recorde.

E Lula? Bem, este mente por convicção. Certa vez escrevi que Lula mente até quando diz a verdade – se isto é possível. Mário Morel, autor da biografia “Lula, o Metalúrgico”, narra episódio em que um jovem aprendiz de torneiro mecânico pede ao patrão para fazer hora extra, aos sábados, pois precisa de dinheiro. O dono da fábrica de autopeças resiste, depois cede e avança algum dinheiro ao aprendiz, que não cumpre o trabalho. Cobrado pela falta, Lula, em resposta, diz que estava mentindo e, no deboche, pelas costas, manda o patrão “tomar no cu”.

O “Comandante máximo”, que se acha um sujeito “safo” na sua eterna permissividade, é um péssimo exemplo que nos leva à desídia e à dissolução. Nunca se matou tanto, nunca se roubou tanto, nunca se mentiu tanto no Brasil.

Chegou a hora de trancafiá-lo.

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O terceiro beijo no poderoso dom Paló

Nunca antes na História deste país um ex-ministro da Fazenda havia sido preso na vigência do Estado Democrático de Direito. Agora foram dois numa semana. O primeiro, o economista Guido Mantega, foi acusado de haver achacado um grande empresário, Eike Batista, estrela do time dos privilegiados amigos do reizinho Lula entre os campeões mundiais no usufruto de benesses do BNDES. O outro, o sanitarista Antônio Palocci, dom Paló, é suspeito de ter beneficiado a maior empreiteira brasileira, a Odebrecht, para a qual trabalhou como despachante de luxo na mais alta cúpula do governo federal, que, na prática, foi posto por ele a serviço dela em negócios escusos em África, Zoropa e Bahia. Ambos, como é público e notório, foram ministros de Lula e Dilma. Mas, como é voz geral no território nacional e no planeta, Lula e Dilma são gente honrada.

A frase que abre o primeiro parágrafo deste texto é reconhecida como parte essencial da retórica grandiloquente, arrogante e fantasiosa com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vendeu o sonho do consumo compartilhado, que virou pesadelo coletivo. Ao longo de 13 anos, 4 meses e 12 dias, ele e sua afilhada, protegida e sucessora, Dilma Vana Rousseff Linhares, assumiram o poder na República por três mandatos e quase a metade do quarto, todos abençoados pela vontade popular. A última frase parodia um dos mais brilhantes textos já produzidos por um poeta e dramaturgo, o britânico William Shakespeare. Na tragédia Júlio César, Marco Antônio, candidato a sucessor do conquistador e, como este, também um brilhante tribuno, carregando nos braços o cadáver esfaqueado do chefe político e militar que com tropas e leis erigiu a Europa, insistia o tempo todo que seu assassino, Brutus, era um homem honrado. Com a junção dessas frases, este autor pretende desmascarar a verdade dolosa e dolorosa que começa a emergir da ilusão gloriosa com um legado de miséria e dor de uma era de mentira e engodo.

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Guido Mantega subiu com vagar os degraus do panteão petista até atingir o máximo que poderia alcançar, prestando os serviços que dele poderiam esperar seus manipuladores. Economista formado na USP, professor da Fundação Getúlio Vargas, virou espírito santo de orelha do grande líder popular quando o colega Aloizio Mercadante Oliva caiu em desgraça por ter soprado um palpite infeliz e fatal na primeira eleição disputada pelo chefe contra o sociólogo, também da USP, Fernando Henrique Cardoso. Filho do general Oliva, que fez carreira militar na ditadura, ocupando postos de comando à época da guerra suja contra a esquerda armada, Mercadante convenceu o candidato do PT à Presidência em 2002 a denunciar o Plano Real do adversário tucano como “estelionato eleitoral”. Mantega fora assessor de Paul Singer, figurão petista, quando o respeitado colega chefiara a Secretaria de Planejamento na gestão municipal de Luiza Erundina em São Paulo. Mantega publicou seu livro de estreia com prefácio do figurão tucano. Depois, com Palocci e Mercadante Oliva no ostracismo, foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e, enfim, ministro da Fazenda, após um escândalo ter derrubado o ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Ribeirão Preto do alto posto no qual conspirava contra o chefe da Casa Civil de então, José Dirceu, pela ambicionada sucessão do chefão de todos no lugar mais alto da República.

Não dá para comparar Guido Mantega com Antônio Palocci Filho. Este passou pela prefeitura de Ribeirão Preto, onde, prestando um tributo ao passado de lutas, instalou um escritório de representação das Farc colombianas no município que governava. Lá deixaria um rastro de suspeitas da corrupção. Por elas, contudo, passou, incólume colosso, administrando com jeito, talento e sorte seu surfe na crista da onda do poder petista. Tudo começou quando Celso Daniel foi executado e Palocci ocupou o lugar do ex-prefeito de Santo André no comando da primeira campanha vitoriosa do chefão do PT à Presidência. Em seu governo tornou-se poderoso czar da economia, como antes haviam sido Delfim Netto na ditadura e Pedro Malan no duplo mandarinato do PSDB sob a égide do Real. Fiador do compromisso do ex-sindicalista com o mercado financeiro local e mundial, afugentou na campanha a ameaça do calote internacional e deu continuidade à gestão da política austera e bem-sucedida do antecessor. Tornou-se enfant gaté da burguesia cabocla, jogando por terra quaisquer desconfianças e construindo um sólido pacto com o capitalismo, de forma a dar a impressão de que nada mais deteria a prosperidade com conteúdo social, que parecia tornar possível um futuro sustentável de fartura e paz.

Mas Palocci protagonizou um dos espetáculos mais nefandos da História da República ao violar, para evitar a própria degola, o sigilo bancário do caseiro de uma mansão suspeita montada por amigos do interior de São Paulo, onde circulavam prostitutas de luxo e malas de dinheiro. Francenildo dos Santos Costa nunca mais se recuperou dos danos provocados pelo asqueroso episódio. Mas muito não tardou para o ex-guerrilheiro que virou jardineiro do fino canteiro de flores da plutocracia nacional voltar por cima do filé com champã. Coordenou a campanha da sucessora indicada pelo sindicalista, Dilma Rousseff. E dom Paló assumiu a Casa Civil, enquanto seu antigo rival José Dirceu enfrentava dissabores com a polícia e a Justiça no mensalão. Só que, uma vez mais, derrubaram-no seus métodos heterodoxos de usar os cargos de poder na República como vias ilícitas para lhe engordar as contas privadas. O instrumento da trajetória, uma consultoria, devolveu-o ao conforto do esquecimento. Mas não à pobreza. Em recente entrevista coletiva, auditores da Receita, procuradores da República e policiais federais contaram à imprensa detalhes de como ele continuou acumulando fortuna no oblívio.

Seu advogado, ex-presidente da OAB e também defensor de Mantega e Lula, José Roberto Batochio, apelou para uma comparação estapafúrdia com a ditadura de 1964 para livrá-lo de todo mal, amém. O criminalista também acusou o preconceito contra a origem peninsular de dois dos clientes e dele próprio de comprovar que a denominação da Operação Omertà (do dialeto napolitano humildade, que define o pacto de silêncio dos mafiosos) deve-se a preconceito contra oriundos da Itália. É compreensível. Que mais argumentar para enfrentar a lógica implacável e os detalhes inquestionáveis dos fatos arrolados pela acusação?

Uma semana antes, o sucessor de Palocci no comando da economia sob Lula, e que foi mantido por exigência deste no governo Dilma, já tinha sido preso para não destruir provas na Operação Arquivo X. Nela o outro ex-ministro da Fazenda fora acusado de achacar, como nunca antes tinha ocorrido, um empresário e beneficiário da “nova matriz da política econômica” que infelicita o povo pobre do Brasil. O jeito foi Batochio acusar o juiz federal que decretou a prisão, Sergio Moro, de desumanidade, pois a ordem de prisão foi cumprida no estacionamento do hospital, no qual acompanhava a dita mulher num procedimento de saúde.

Nossa tragédia bufa é um ex-ministro da Fazenda de dois ex-presidentes da República ser preso, sob a acusação de achacar no próprio gabinete e o juiz que manda prendê-lo, criticado, porque a mulher do dito cujo tem câncer. E, em seguida, outro, flagrado gerindo uma conta conjunta do partido dito operário com uma empreiteira, ser tratado como vítima de um novo Estado de exceção por seu ilustre causídico na semana em que, numa ironia da deusa da História, Clio, as Farc depunham as armas na Colômbia. O poderoso dom Paló é duro na queda e já sobreviveu a dois tropeções. Resta saber se, após este terceiro beijo mortal da justa, o cappo di famiglia sairá vivo. Assim como o chefe de todos os chefes e sua herdeira presuntiva.

Mas não tem nada, não: que importância tem isso, se o ilibado Lula de nada sabia e a imaculada Dilma nunca nada autorizou? E se sua melhor defesa é, ao ser pilhado, perguntar sempre com ar de espanto: cadê os outros?

José  Nêumanne

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

Maori Sakai
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez vai pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti

Eleições muito estranhas

As eleições municipais do próximo domingo são, por várias razões, atípicas. No plano mais estrutural, o pleito ocorre sob o signo da penúria. Por decisão do STF, candidatos e partidos não podem mais receber doações de empresas. Estão se virando como podem para custear suas campanhas e produzir os programas veiculados no rádio e na TV, que também sofreram um belo corte de tempo.

A brutal redução dos recursos financeiros disponíveis combinada com a diminuição das oportunidades de exposição dos candidatos deveria ser uma força a beneficiar o "statu quo", isto é, os políticos já estabelecidos e conhecidos do eleitor. Essa tendência, porém, se de fato existe, é contrabalançada pelas ondas de choque do terremoto político que o país atravessa desde 2014.

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As investigações da Lava Jato criaram um clima que coloca todos os políticos automaticamente sob suspeita. Isso faz com que postulantes que se exibem como "outsiders" levem uma vantagem. Não é coincidência que o primeiro colocado nas pesquisas em São Paulo, João Doria (PSDB), insista em vender-se como empresário e não como político, mesmo que essa descrição não se coadune muito bem com a realidade.

Outra anomalia no pleito deste ano é que o mais tradicional partido de esquerda do país, o PT, está acuado. Além de constar como um dos principais envolvidos nos esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato, o PT ainda tem de enfrentar o desgaste de ser a legenda da ex-presidente Dilma Rousseff, cujo governo colocou o Brasil na maior recessão de sua história. Não parece exagero prever uma onda antipetista, especialmente no Sudeste. Um sintoma disso é que Fernando Haddad (PT-SP), apesar de segurar a normalmente poderosa caneta de prefeito, não está muito cotado para conseguir vaga para disputar o segundo turno.

Por tudo isso, essas serão eleições muito, muito estranhas.

Narcoestados, presente ou futuro na realidade brasileira?

O crime organizado está nacionalizado no Brasil. A exportação para outros estados do modelo de facções e milícias, criado no Rio de Janeiro e em São Paulo, parece definitivamente não estar sendo percebida pelo Ministério da Justiça. A ausência de um projeto brasileiro integrado de combate a esses grupos facilita a expansão deles em escala industrial por capitais e cidades médias. As políticas baseadas na repressão policial feita em trincheiras, esquina por esquina, não levam em conta a extensão territorial do país e a capilaridade das diversas facções.

Não é mais somente o monopólio da venda de drogas ou do gás no varejo que deve ser levado em questão, mas também a ocupação das cidades por facções e milícias que se impõem como um poder paralelo instituído através de ações violentas, torturas e assassinatos, que disseminam o medo em qualquer um que levante a voz contra seus interesses.


Esses grupos criminosos agem no vácuo deixado pelo Estado, que perde territórios urbanos ao se anular negando políticas públicas, estrutura e direitos básicos às periferias. Cada região abandonada é uma nova área livre a ser ocupada pelo poder paralelo, que enxerga nesses vazios enorme potencial lucrativo através da exploração criminosa.


Cidades como Fortaleza, João Pessoa, Natal, Vitória e Maceió, para citar algumas, assistem impassíveis à expansão de facções que se afirmam pichando suas siglas em muros e postando relatos de dominação no YouTube. Esses grupos se atentaram para a importância da disputa do poder institucional, e hoje buscam espaço na política partidária financiando campanhas e indicando candidatos em algumas dezenas de municípios brasileiros.

Somente no estado do Ceará, advogados de partidos políticos com os quais conversei reservadamente estimam 14 cidades com candidatos a prefeitos, que podem ser eleitos no próximo domingo, indicados pelo tráfico de drogas.

Os traficantes desconhecem dificuldades financeiras e bancam campanhas através de cidadãos laranjas que emprestam, muitas vezes coercitivamente, seus nomes e CPFs para pequenas doações que, somadas, chegam a milhões. Subterrâneas, essas facções não são vistas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, que estão atentos apenas a possíveis fraudes no âmbito político-partidário, e que sequer têm capilaridade e força investigativa para deter a expansão deste assombroso fenômeno.

Estamos diante da formação de narcoestados brasileiros que, como um câncer, se instalam silenciosamente, inspirados no modelo mexicano em que o crime se faz representado no Poder Executivo e Legislativo, ditando leis não somente através da política do terror e do medo, mas defendendo também os interesses de seu “negócio”.

Nossas instituições não estão percebendo, ou não querem ver, a profissionalização do crime, seja através de milícias ou facções que se embrenham cada vez mais no Estado, tornando-se parte dele como um cupim que pode, aos poucos, corroer toda a sua estrutura. Será que acordaremos a tempo de combater esse fenômeno, ou já é tarde demais?

Chico Regueira

Candidato sustentável

No próximo domingo vamos votar para eleger os prefeitos e vereadores que irão operar as políticas públicas mais próximas do dia a dia dos cidadãos, incluindo uma boa parte da agenda de sustentabilidade. Aqui vão quatro destes temas em que a administração municipal é fundamental: mobilidade, saneamento, florestas e compras públicas.

A mobilidade é regulada e orientada pela prefeitura. Aqui a lógica é simples: a cidade deve criar as condições para que as pessoas andem, pedalem, usem o transporte público e, apenas como exceção, façam uso de veículos particulares. E, quando esta for a opção, que seja de baixa emissão (biocombustível ou elétrico).

O saneamento e a gestão de resíduos, mais do que um dos mais fundamentais investimentos de saúde básica, é também um elemento fundamental para manter um ambiente equilibrado e saudável para a biodiversidade terrestre e aquática e para as pessoas. A presença de áreas verdes e arborização urbana — ou espaços de natureza — reduz a sensação de calor ou frio (um espaço com árvores pode estar até 20 graus mais fresco que um espaço de concreto ou asfalto).

Além disso, melhora a qualidade do ar e aumenta a absorção de água da chuva, entre outros benefícios físicos. Mas, talvez mais importante, a maior revisão dos estudos sobre benefícios de áreas verdes conclui que conhecer e experimentar a natureza nos fazem mais felizes e saudáveis. Atrás das políticas de mobilidade, saneamento, áreas verdes e todas as outras estão as decisões de compra e contratação de produtos e serviços para implementá-las.

Estas decisões de compra pública envolvem contratos de curto prazo (por exemplo, construção de uma escola) e também contratos de longo prazo, como iluminação pública, coleta e tratamento de resíduos e transporte público. É fundamental que os editais e contratos reflitam claramente critérios de sustentabilidade.

No curto prazo, os condicionantes e incentivos precisam se limitar ao possível no presente (energia solar nos prédios públicos, por exemplo). Já nos contratos de longo prazo, pode-se ir mais longe. Por exemplo, um contrato de 40 anos para ônibus urbanos deve prever emissão zero ao longo de sua vigência — talvez não factível em um contrato de curto prazo, mas totalmente realista para o longo prazo.

Em essência, é preciso constituir cidades sustentáveis, que envolvem decisões de todos os dias e de longo prazo. Avaliar o compromisso dos candidatos a prefeito e vereador com esta visão é o objetivo de uma série de iniciativas da sociedade civil, como o Projeto Ficha Verde, no Amazonas, ou Piracicaba Sustentável, no interior São Paulo.

E você? Sabe quais as propostas do seu candidato?

Planeta ultrapassa marca de CO2 de forma permanente

Os livros de História vão lembrar setembro de 2016 como um marco para as mudanças climáticas. O mês, que normalmente registra baixa na concentração de dióxido de carbono (CO2), ficou pela primeira vez acima de 400 partes por milhão (ppm). Para os cientistas, isso significa que este ano será oficialmente o primeiro a cruzar a marca simbólica das 400 ppm, de forma permanente.

“É possível que outubro produza um valor mensal inferior a setembro e retorne para abaixo de 400 ppm? É quase impossível”, escreveu Ralph Keeling, cientista responsável pelo programa de monitoramento de CO2 do Instituto Scripps para Oceanografia. “Excursões breves para valores mais baixos são possíveis, mas já parece seguro concluir que não veremos um valor mensal abaixo de 400 ppm neste ano — ou nunca mais num futuro indefinido”.

Segundo Keeling, nas últimas duas décadas, quatro anos registraram níveis menores de concentração de CO2 em outubro em relação a setembro. Entretanto, a redução máxima foi de 0,45 ppm, o que não seria suficiente para levar a taxa para abaixo dos 400 ppm. Em novembro inicia o ciclo de alta, que pode levar a níveis inéditos acima das 410 ppm.

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