quinta-feira, 25 de julho de 2024

Pensamento do Dia

 


Mal sem fim


O problema dos gastos no Brasil não é o pobre no Orçamento, são os privilégios dos ricos 
Simone Tebet, ministra do Planejamento

O risco de retrocesso

O primeiro dos grandes males do Brasil é a existência de um Congresso Nacional corrupto e descompromissado com os interesses da Nação. A maioria dos atuais parlamentares age somente para a formação e/ou aumento dos seus patrimônios pessoais e para se perpetuar no poder. Estão quase todos aliados ao poder econômico, especialmente o estrangeiro. São eles que realmente estão no comando do País.

E o pior: nada indica que tenhamos condições de mudar esta realidade triste no curto, médio e até no longo prazo. Para isso, o povo precisaria ter consciência da necessidade urgente de esta aliança – Congresso/poder econômico – ser desmontada. Todos estão atuando para sedimentar a volta dos conservadores ao poder em 2026.

As eleições de 2024 se aproximam. Nelas serão eleitos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. O cenário que se apresenta é bastante preocupante. E os resultados delas são fundamentais para as eleições de 2026. O risco de retrocesso é imenso.

Os partidos de centro, direita e extrema direita estão unidos, no chamado Centrão, comandado pelo Arthur Lira, com os bolsos cheios de dinheiro público e com todo o poder. Vão lutar para eleger o maior número de aliados possível e, assim, já ir pavimentando as suas próprias reeleições em 2026.

Os prefeitos aliados destes parlamentares foram beneficiados com uma avalanche de recursos, provenientes das emendas parlamentares, que alcançaram no orçamento da União para 2024 valores astronômicos: R$ 44,7 bilhões (Individuais: R$ 25,0 bilhões; Bancadas: R$ 8,5 bilhões; e de Comissões (substitutas do antigo orçamento secreto): R$ 11,0 bilhões. Estes recursos, por imposição do Congresso, já foram quase integralmente disponibilizados aos parlamentares para serem usados nas eleições desse ano.

Somem-se, ainda, os valores do Fundo Eleitoral (R$ 4,96 bilhões; na eleição de 2020, R$ 2,0 bilhões) e do Fundo Partidário (R$ 1,2 bilhão).

Apesar de o povo ter elegido o presidente Lula, que sinalizava avanços, este está inteiramente refém do Centrão e com grande risco de repetir na próxima eleição o fiasco de Bolsonaro. A correlação de forças continua extremamente favorável ao Parlamento corrupto que a ele se opõe. O Congresso continua apropriando cada vez mais fatias do orçamento da União, em benefício principalmente dos partidos fisiológicos. O “orçamento secreto” mudou somente de nome e no modo de distribuição dos recursos, agora alocados nas comissões.

Os atuais prefeitos, com os cofres cheios, estão muito bem avaliados pela população e, portanto, com amplas possibilidades de serem reeleitos. O índice de reeleição tem chance de alcançar valor jamais antes visto.

Infelizmente, a população não percebe que estes recursos são aportados a determinados municípios por critérios exclusivamente políticos: enquanto alguns nadam em dinheiro, outros continuam com suas demandas essenciais desatendidas.

Os recursos são aplicados sem nenhum planejamento, critério técnico ou de prioridade. A seleção das obras/serviços visa dar visibilidade política e a possibilidade de retorno, em forma de propinas, para os políticos que os disponibilizaram. Assim, se uma empresa da área de pavimentação tem um bom esquema de retorno - é informalmente do próprio político ou de aliado de confiança -, o asfaltamento passa a ser a “grande prioridade” do município.

Além de serem mal selecionadas, as obras são também mal executadas, visando o aumento dos lucros.

Não é possível que continuemos assistindo passivamente este assalto aos cofres públicos e o desperdício dos recursos, pela ação nefasta de políticos corruptos e descompromissados com os interesses do povo brasileiro.

O perigo de retrocesso é imenso! Vamos sair da letargia?

De novo, complexo de vira-lata?

À vera? Temos problemas de sobra por aqui, assuntos não nos faltam. A economia, claro, sofre as consequências da politica adotada pelos EUA. Medidas drásticas lá, óbvio, repercutem fortemente por aqui. A tendência ideológica de direita que se desenha no mundo também nos afeta. Temos uma cópia mal feita de Trump, um ex-presidente do Brasil que bate continência para bandeira americana. Vira-lata total.

Os Estados Unidos sempre estiveram afundados no próprio umbigo. Há de se dizer: a briga deles é gigantesca, e nós teremos zero consequências positivas. Seja Trump, seja Kamala. O que acontece lá de bom não reverbera aqui. O que acontece de ruim, muitas vezes.


Em 2016, preso em Curitiba, Lula disse a Folha de S. Paulo e ao El País, exatamente o que repetiu ontem, em Brasília, sobre a possibilidade de eleição de Trump.


“Seja um candidato democrata, seja Trump, nossa relação será civilizada. Temos parcerias estratégias com os EUA, e queremos mante-las”, disse Lula, lembrando mais uma vez: “Sabem em quem os americanos pensam em primeiro lugar? Neles. Em segundo? Neles. Em terceiro? Neles … Em quarto .. ”

Kamala será melhor? Claro, qualquer candidato será melhor que um nefasto Trump, criminoso condenado pela justiça americana, fascista, negacionista. Mas nem Kamala, nem Biden, nem Michelle Obama, farão dos EUA um país pacifista. Sob qualquer governo, serão sempre uma ameaça ao mundo.

Vejamos Barack Obama, Prêmio Nobel da Paz, em 2009. Somente no ultimo ano de seu governo, os EUA realizaram 26.171 bombardeios em sete países, segundo levantamento do Council on Foreign Relations. Ou 70 ações por dia. Esse numero pode ser muito maior, os pesquisadores consideram o numero como “minimo”.

Obama passou seus dois mandatos em guerra. Herdou dois conflitos, tropas no Iraque e no Afeganistão, e durante oito anos não foi capaz de resolvê-los. Ao contrário, enviou forças especiais e comandou ataques via área e com drones. Não é considerado um presidente pacifista. Franklin Roosevelt, que comandou o esforço militar americano na Segunda Guerra, não passou tanto tempo em litigio pelo mundo, quanto Obama.

Durante 20 anos, cada presidente americano enfrentou uma guerra em evolução no Afeganistão, dizem os estudiosos. Dezenas de milhares de vitimas americanas e afegãs. O Talibã jamais aceitou a derrota. A saída apressada de Cabul, e a tomada do país pelos aiatolás, evidenciaram a derrota da super potência e o desperdício de bilhões de dólares.

E o que dizer de Biden? Seu currículo político é admirável. Defensor da igualdade racial, dos mais carentes (seu primeiro projeto como vereador em New Castle, Delaware, foi a construção de casas populares para negros sem teto). Biden lutou pelo pleno emprego. Mas nada disso o impediu de fomentar com armas e dinheiro a carnificina ocorrida em Gaza. Mais de 36 mil palestinos mortos desde o indefensável ataque terrorista do Hamas a um show em Israel, em 7 de outubro.

Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel, patrocinador da guerra contra a Palestina, desembarcou ontem em Washington. Não deixou dúvidas de que, assim como os americanos, não tem lado a escolher, a não ser o seu. “O momento da visita é importante devido às incertezas politicas”, disse o premier. Com direito a discursar no congresso americano, Netanyahu foi o que é. “Tentarei consolidar o apoio bipartidário que é tão importante para Israel”. Kamala ou Trump. Tanto faz.

A investida contra o devedor contumaz

O fim do recesso legislativo trará à tona nova tentativa de se votar a tipificação do devedor contumaz. Nenhum projeto simboliza melhor a borra que entope o futuro do Brasil. De um lado estão algumas das maiores empresas do país e o Ministério da Fazenda. Do outro, um punhado de empresas que competem por meio da evasão fiscal, parlamentares e dirigentes partidários cooptados.

A resistência a esta tipificação vale-se cada vez mais do poder de barganha dos interessados junto ao Supremo Tribunal Federal. Na defesa de devedores contumazes estão alguns dos maiores escritórios de advocacia do país, alguns dos quais com parentes de ministros e ex-ministros.

A turma da resistência oferece carona ao crime organizado, cada vez mais espraiado na economia, e deixa a pé não apenas políticas públicas desprovidas de bilhões de reais quanto o poder do Estado na garantia de um ambiente de negócios seguro.


Não são inadimplentes ou sonegadores comuns. São contumazes. Quando autuados, passam a operar sucessivamente por outros CNPJs de maneira que nunca deixam de operar. No limite, há os que se valem de mercadoria desviada, depósitos clandestinos, fraudes nas alfândegas, venda fictícia e empresas fantasmas.

A margem de lucro nesse setor é de centavos. O ganho vem pelo volume. Quando uma empresa consegue praticar preços com uma diferença de R$ 1 vira suspeita. Pelo menos um dirigente partidário já foi flagrado como intermediário da venda de uma empresa montada em São Paulo com GLP desviado para um empresário tradicional do setor. Dos 20 milhões de CNPJs existentes no país, apenas 1 mil são de devedores contumazes, que, nas contas da Receita, já deixaram de recolher R$ 200 bilhões.

Ao longo de sete anos, o Senado ergueu uma muralha. Sucessivamente, barrou três projetos. O primeiro foi o projeto da ex-senadora Ana Amélia (PP-RS), de 2017, que atravessou o governo Bolsonaro parado na Comissão de Constituição e Justiça e lá permanece.

Em 2022, o ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN) apresentou texto parecido, com o mesmo destino. Ambos têm por relator o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). No mesmo ano, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa, apresentou pacote tributário de 10 projetos. Oito foram votados. Entre os dois que restaram está aquele que trata do devedor contumaz. Chegou a ter pedido de urgência, revogado sem que ninguém, nem mesmo o autor - do projeto e da revogação da votação -, se lembre por quê.

O devedor contumaz está em todos os setores da economia, mas a abertura condescendente no monopólio de petróleo fez com que a prática se espraiasse no setor. As distribuidoras se multiplicaram. A autorização de cotas pela agência reguladora (ANP) gerou um cartório.

Grupos que não produziam uma gota de combustível passaram a negociar cotas de distribuição. Parlamentares - que aprovam diretores das agências - passaram a gravitar em torno das máfias de cotas. Em troca, dispõem, no mínimo, de combustível de graça nas eleições. A Lava-Jato não teve esse nome por acaso. Um doleiro dono de posto de gasolina que lavava dinheiro (Alberto Youssef) foi o fio de onde se puxou a operação.

No Amapá do presidente da comissão onde estão parados os projetos sobre devedor contumaz surgiu um corredor de importações que beneficiou, particularmente, o setor de combustíveis. O senador Davi Alcolumbre não comenta.

As empresas importavam o combustível pelo Amapá e - nem todas - pagavam uma tarifa mínima (3%) no Estado. O combustível seguia para outros portos. Ao desembarcar, informavam que o imposto já havia sido recolhido. Só que não.

De novembro do ano passado até maio deste ano, quando o Conselho dos secretários estaduais de Fazenda conseguiu suspender a farra, 14 navios já tinham passado pelo corredor. Nesse período, o Amapá tornou-se o maior importador de diesel russo do país. O prejuízo dos Estados superou R$ 1 bilhão.

Por meio de estreladas bancas de advocacia, alguns desses importadores conseguiram liminares de desembargadores do Paraná e de Tocantins que permitiram o ingresso desse diesel barrado pelo Comsefaz.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) deixou digitais em pelo menos três emendas que apresentou. Uma delas estabelece o Cade, velho feudo do Senado, como instância de arbitragem por entender que a Constituição prevê regimes especiais de tributação para prevenir desequilíbrios concorrenciais.

Nas outras emendas, preserva competidores de setores com “forte influência estatal”, carimbo do setor energético, e estabelece, na tipificação do devedor contumaz, o crivo das agências reguladoras, outro feudo do Senado. O senador não comenta.

Os argumentos são os mesmos usados pela defesa do grupo Refit, do empresário Ricardo Magro. Junto à Copape, de São Paulo, são os dois principais alvos do Instituto Combustível Legal, montado pelas grandes empresas para pressionar pela aprovação do projeto. Ambos se dizem favoráveis à regulamentação. Interlocutores da Refit advogam que Magro foi o primeiro do setor a ser ameaçado pelo crime organizado.

A muralha do Senado levou o governo a se voltar para a Câmara, onde hoje tramita um texto do Executivo com a relatoria de Danilo Forte (União-CE). A chance é maior, pelo entendimento entre a Receita e empresários. As ambições se avolumam para atingir também quem negocia com o crime organizado, mas também há gatos nessa tuba. Ao Valor, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que o texto chegou com uma “subjetividade muito forte”.

Todas as vírgulas são negociadas de olho na lista que a Receita prepara com as empresas que seriam tornadas inaptas no dia seguinte à aprovação, depois que todas as subjetividades tiverem sido superadas.

Num plano B, que pode virar A, os empresários recorreram ao Ministério da Justiça, onde já foram realizadas cinco reuniões para a montagem de operações de cerco aos contumazes. Desde que a Polícia Federal abandone a pauta de uma nota só da caça ao bolsonarismo.