quarta-feira, 22 de abril de 2015

Hay gobierno?

Charge OTempo 22/04

Tem gente que ainda acredita. E muitas que denunciam a falta de governança. Se é isso que se vê diariamente, ainda mais nesta continuação de Dilma no troninho, então o pasís vai de mal a pior. Ou como bem definiu o cientista político Carlos Melo, "A situação está ruim com viés de piora".

Chamar de governo a prostituição generalizada entre os políticos e governantes, a mentira campeando como a maior cara de pau, as medidas para controlar a economia que mais afetam quem trabalha e paga impostos, um aparelhamento judicial descarado, e por aí vai, então é ter qualquer coisa como governo. Pode mesmo se ficar sob o tacão dos marginais que hoje estão em Brasília; aceitar e se acomodar a uma facção político-criminosa e a isso dar o nome de governo.

O que não há mesmo é governo. Estamos vivendo sob um descaramento nunca visto em que propina é cotidiana e corrupção uma normalidade, mesmo que sejam crimes. Sem contar a farsa do reajuste fiscal que mais não é do que fazer com que as vítimas paguem as contas dos réus dilapidadores.

Quem gastou, e muito mal, para atender interesse próprios eleitoreiros e garantir a bonança do grande empresariado e dos bancos, foram o governo e comparsas. Por a culpa na crise internacional, é terceirizar o problema. A Grécia também foi ao fundo do poço por má gestão, igualzinho, porque gastou mal.

Agora tem-se no Brasil uma troika - Planalto .1, de Dilma, Planalto .2, de Temer, e Ministério da Economia, de Levy - operando da mesma forma que a europeia com a Grécia.Fazem os acertos necessários para garantir a governabilidade até 2018 com seus cargos garantidos, instalam os "acordos de leniência" políticos e vida que segue com o contribuinte pagando novamente a conta do prejuízo que não causou. Como compensação, continua a ser tratado com o mesmo descaso na saúde, na educação, na segurança e por aí vai. 

Eles "passarinham" livres de penas e soltos, nós agrilhoados, pegamos na enxada.

Governo continua com seu projeto antidemocrático

As tartarugas fujonas

Há certa insistência, correta a propósito, para que a presidente faça o mea-culpa sobre a tal da "nova matriz macroeconômica", hoje órfã de pai e mãe, já que não há, nas hostes "desenvolvimentistas", quem tenha coragem de assumir a responsabilidade por seu estrondoso fracasso.

Argumenta-se que, ao reconhecer seus erros, a presidente melhora a percepção acerca de seu compromisso com a nova política econômica, o que pode, em tese, contribuir para a redução dos custos a ela associados, sem, é claro, eliminá-los.

Curiosamente, o Banco Central tem escapado ileso dessa cobrança. Considere, por exemplo, a declaração de seu presidente, afirmando que "o BC foi, está e continuará sendo vigilante com a inflação".

Sério? Então só se pode concluir que o BC andou vigiando alguma outra inflação (talvez a americana, quem sabe a europeia), porque a brasileira já fugiu faz tempo, segundo as más línguas em companhia das duas tartarugas a quem competia também sua guarda (uma terceira engravidou e o BC não sabe quem é o pai).

A verdade é que o BC posa como se a inflação média de 6,2% ao ano observada entre 2011 e 2014 não fosse sua responsabilidade. Dês ses longos 48 meses, em apenas oito deles (entre março e outubro de 2012) a inflação ficou a menos de um ponto percentual da meta, mas, segundo o BC, nada disso lhe diz respeito.

Pela sua particular mitologia, a culpa foi sempre de algo fora do seu controle. A chuva, a falta de chuva, o aumento de preço das commodities, a queda dos preços das commodities, assim como o gramado, nunca nas condições ideais para a prática da política monetária.

Em momento algum o BC, seja na figura de seus diretores, seja por meio de seu presidente, teve a grandeza de vir a público e admitir que sua própria atitude fosse equivocada.

De meados de 2011 ao início de 2013, como se sabe, o Copom embarcou num processo de redução das taxas de juros, mesmo em face de inflação acima da meta. Conscientemente ignorou as expectativas de inflação, que sugeriam a persistência desse processo, notando, de passagem, que o mercado foi até otimista (a inflação observada ficou algo como 0,5% ao ano em média mais elevada do que o previsto pelos analistas). Desconsiderou alertas em contrário, crente na superioridade da sua visão.

Quando finalmente se rendeu às evidências e começou, tardiamente, o processo de aperto da política monetária, o fez de forma relutante. Interrompeu o ajuste por nada menos do que seis meses, de abril a outubro de 2014, e só o retomou, por coincidência ou não, depois de passado o segundo turno das eleições presidenciais.

Ao longo do processo sua comunicação foi errática, sinalizando pausas que não se concretizaram, "longos períodos de estabilidade" que, na prática, duraram um par de meses, e completa falta de sintonia com o comportamento da inflação.

Não é outro o motivo da extraordinária perda de credibilidade. Embora o BC jure hoje, por todos santos, orixás e deuses dos mais variados panteões, que busca trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% em 2016 (e há quem ainda se digne a propagar a história), a média dos analistas vê inflação na casa de 5,6% no ano que vem.

Essa diferença, 1,1 ponto percentual, é uma medida da (perda de) credibilidade; um BC crível obteria do mercado expectativas próximas à meta num horizonte tão longo (20 meses).

A afirmação de seu presidente sugere que não há mudança na atitude do BC. Se já era vigilante e a inflação escapou, o que mudou para nos convencer de que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente?

Caso o BC queira recuperar, ao menos em parte, sua credibilidade, será necessário, em primeiro lugar, reconhecer que errou no passado e que a consciência desse equívoco desempenhará papel importante na formulação futura da política monetária.

Enquanto isso, se acharem duas tartarugas fujonas e o pai das tartaruguinhas, o BC agradece
.

Nunca esqueças!


Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância
Nelson Rodrigues

Dilma e a irresponsabilidade fiscal

Custou muito ao país a conquista de um sistema nacional de controle das contas públicas, com um mínimo de credibilidade.

Saímos do regime militar com uma herança maldita: a enorme bagunça nas contas.

Naquele período chegamos a ter três orçamentos, o fiscal, o monetário e o das estatais. E, pasmem, gastos do governo que não entravam em nenhuma contabilidade eram chamados de Operações Extraorçamento e Operações Sem Limite de Orçamento.


Se o governo quisesse realizar uma grande obra ou um novo programa, era a coisa mais fácil do mundo. Bastava rubricar “recursos a definir”.

Existia ainda outro monstrengo, a conta-movimento. Era uma conta conjunta do Banco do Brasil e do Banco Central através da qual se financiava a gastança pública e de setores privados acostumados a mamar nas tetas do Estado.

Com a redemocratização, passo a passo as contas foram sendo reorganizadas e modernizadas; uma obra de vários governos. Deu-se credibilidade e substância ao Orçamento da União e a LDO, criou-se a Secretaria do 
Tesouro e foi enterrada a famigerada conta-movimento do Banco do Brasil, assim como se impôs disciplina ou foram privatizados a maioria dos bancos estaduais.

O coroamento desse processo veio com a Lei da Responsabilidade Fiscal que, ao lado de outros fundamentos - superávit primário e meta inflacionária -, foi essencial para a estabilização da economia.

Pois bem, essa engenharia vem sendo desconstruída nos seis últimos anos, particularmente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Em seu lugar, surgiu a irresponsabilidade fiscal, a falta de credibilidade das contas públicas.

Parecer unânime do Tribunal de Contas da União informou a nação que o governo infringiu a Lei da Responsabilidade Fiscal, através das já famosas “pedaladas” no ano de 2014.

Em qualquer país minimamente sério, o governo estaria dando satisfações à sociedade e ao Parlamento.

Mas o Planalto, em vez de se explicar, negaceia. Cria uma cortina de fumaça ao repetir a cansativa cantilena de que é mais uma conspiração da oposição.

Não estamos diante de um fato isolado. A irresponsabilidade - fiscal e gerencial - tem sido uma constante na gestão Dilma.

Já tivemos vários lances de “contabilidade criativa” e se o Congresso não alterasse, na bacia das almas e por estímulo do executivo, a LDO de 2014, o enquadramento da presidente na lei de Responsabilidade Fiscal seria inevitável.

Mesmo com a boca torta, o governo Dilma não largou o cachimbo.

Arrisca-se a pagar um preço alto pelo vício.
Hubert Alquéres

Pedalar faz mal à saúde




Fracasso da ‘nova matriz econômica’ foi camuflado por alquimias fiscais para esconder a expansão da despesa pública
Em 2002, na final do Campeonato Brasileiro de Futebol, Robinho avançou em direção ao seu marcador, passou oito vezes o pé sobre a bola e iludiu o adversário que, atordoado, cometeu pênalti. O próprio Robinho bateu e deu o título ao Santos. O drible antológico ganhou o nome de “pedalada”.

Na área fiscal, no entanto, pedalada significa empurrar despesas para frente como solução para aliviar o caixa em determinados momentos. Nada muito diferente do que faz uma família endividada quando adia o pagamento da escola dos filhos para o mês seguinte.

No governo federal, em vários momentos o fluxo de caixa foi administrado com a postergação de pagamentos. Na década de 90, por exemplo, os salários dos funcionários públicos foram pagos às vezes dentro do mês e em outras tantas nos primeiros dias do mês subsequente. A legislação era alterada conforme as conveniências do Tesouro.

No fim dos anos 90, para o país cumprir as metas do Fundo Monetário Internacional, surgiram os primeiros “velocípedes”, os chamados restos a pagar, compromissos assumidos em um ano, mas pagos em exercícios seguintes. A moda pegou. Em 2002, já com a Lei de Responsabilidade Fiscal em vigor, eram cerca de R$ 25 bilhões. Em 2014, somaram R$ 227,8 bilhões.

Os mais graves são os “restos a pagar processados”, gerados quando os serviços prestados já foram reconhecidos pelo governo, mas o dinheiro não sai do caixa. Algo do tipo “devo não nego, pagarei quando puder”. Os atrasos encarecem as contratações, pois os fornecedores embutem previamente a demora no preço — e dão margem à corrupção, visto que os gestores passam a decidir a qual credor irão pagar.

No fim da era Lula e no início da fase Dilma, além da persistente ampliação dos “restos”, o fracasso da “nova matriz econômica” foi camuflado por diversas alquimias fiscais para esconder a expansão da despesa pública, do déficit e da dívida governamental. Dentre elas, o pagamento de dividendos elevados ao Tesouro por parte das estatais ainda que à custa da descapitalização das empresas — a antecipação de receitas (comprometendo gestões futuras) e a emissão de títulos públicos para entrega, como empréstimos, ao BNDES. No último caso, sem desembolsar um centavo e sem aumentar a dívida líquida (com os empréstimos o crédito do governo aumenta na mesma proporção, só impactando a dívida bruta) cerca de R$ 400 bilhões foram parar em empresas escolhidas e até no exterior, sabe-se lá em que condições.

No ano passado, veio o pânico. Caso Dilma confessasse o profundo desequilíbrio das contas públicas, não seria reeleita. Daí, provavelmente, a carta branca para que os mágicos-chefes, Mantega e Arno, ampliassem o passeio ciclístico. Ou alguém acredita que a economista Dilma não sabia de nada?

O ápice das pedaladas foi a Caixa bancar com recursos próprios o Bolsa Família, o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial. O Banco do Brasil fez o mesmo para equalizar as taxas de juros do financiamento agrícola. Para o FGTS, sobrou arcar com o Minha Casa, Minha Vida enquanto o BNDES cobria custos do Programa de Sustentação de Investimento. A Caixa esperou seis meses para ser ressarcida em R$ 1,7 bilhão, e só recebeu quando o assunto se tornou público. Se isso não significa “empréstimo” ao Tesouro, minha avó é bicicleta.

O Contas Abertas foi a primeira entidade a denunciar as pedaladas, incluindo o abrupto crescimento dos restos a pagar, o atraso nos repasses a estados e municípios e a enxurrada de ordens bancárias emitidas nos últimos dias do ano para só serem sacadas no exercício seguinte. O competente procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo, provocou a Corte e, na semana passada, por unanimidade, os ministros aprovaram relatório que estima em R$ 40 bilhões o montante das pedaladas via bancos públicos.

O governo obviamente nega o crime de responsabilidade — faísca para o impeachment de Dilma — e tenta caracterizar a promiscuidade do Tesouro com os bancos como mera conta corrente. Nesse sentido, a Advocacia Geral da União (AGU), inclusive, vai orientar os 17 convocados pelo TCU. Com o cursinho, os artistas do picadeiro econômico passarão de mágicos a bonecos de ventríloquo.

O importante é que os ministros do TCU não se intimidem com as pressões políticas e punam todos os que descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Afinal, as pedaladas que todos querem ver são as do drible imortalizado pelo Robinho. Na área fiscal, pedalar é crime e faz muito mal à saúde e à credibilidade das contas públicas.

Gil Castello Branco 

Mapa-múndi 2

No Sul, a repressão. Ao Norte, a depressão. Não são poucos os intelectuais do Norte que se casam com as revoluções do Sul só pelo prazer de ficarem viúvos. Prestigiosamente choram, choram a cântaros, choram mares, a morte de cada ilusão; e nunca demoram muito para descobrir que o socialismo é o caminho mais longo para chegar do capitalismo ao capitalismo.

A moda do Norte, moda universal, celebra a arte neutra e aplaude a víbora que morde a própria cauda e acha que é saborosa. A cultura e a política se converteram em artigos de consumo. Os presidentes são eleitos pela televisão, como os sabonetes, e os poetas cumprem uma função decorativa. Não há maior magia que a magia do mercado, nem heróis mais heróis que os banqueiros.

A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo, que não é negado a ninguém. E ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde que a economia não o seja. Quando as cortinas se fecham no palco, uma vez que os votos foram depositados nas urnas, a realidade impõe a lei do mais forte, que é a lei do dinheiro. Assim determina a ordem natural das coisas. No Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e fome não pertencem a história, mas a natureza, e a justiça e a liberdade foram condenadas a odiar-se entre si.
Eduardo Hughes Galeano (1940-2015)

Os pilares da cidadania

Reconhecidas como direito de todos e dever do Estado pela Constituição federal, a saúde e a educação estão muito longe de ocupar posições favoráveis nos indicadores de satisfação dos brasileiros. O acúmulo de fragilidades, distorções e descasos transformaram a saúde, pública e privada, em campeã da insatisfação desde 2008. Com 62% de conceito ruim ou péssimo em pesquisa realizada em 2014 pelo Datafolha, supera a soma das cinco preocupações que vêm na sequência: segurança (18%), corrupção (10%), educação (9%), desemprego (4%) e miséria (2%). Mesmo entre os 27% dos brasileiros que pagam planos ou seguro saúde, 70% cravam os dois piores conceitos.

Ainda de acordo com a Constituição (artigo 198), as ações e os serviços de saúde devem constituir um sistema único, financiado por toda a sociedade com recursos orçamentários da seguridade social, da União, dos Estados e dos municípios, além de outras fontes. A maioria das propostas de solução para questão da saúde aponta como saída o aumento de verbas públicas. Essa tese é contestada por relatório do Banco Mundial sobre os 20 anos do Sistema Único de Saúde, divulgado no final de 2013, segundo o qual os problemas estão mais relacionados com desorganização e ineficiência do que com falta de dinheiro.

Um exemplo: 65% da rede de hospitais é composta por unidades com menos de 50 leitos (com taxa de ocupação de 45%, incluindo as salas cirúrgicas), quando o ideal seria mais de cem, segundo o consenso internacional, o que elevaria a média de ocupação para a faixa de 70% a 75%. Resultado: adotando padrões mundiais, a eficiência do atendimento poderia ser três vezes maior, desafogando os hoje superlotados grandes hospitais. Também um melhor planejamento aliviaria a procura dos setores de emergência nos hospitais, pois a maioria dos casos seria atendida em ambulatório. Esses e outros pontos analisados levam os autores do relatório a concluir que, no caso da saúde pública, é possível fazer mais e melhor com o orçamento atual.

Os remédios genéricos e os distribuídos pela rede pública são exemplo de como medidas bem planejadas e implementadas repercutem favoravelmente na opinião pública, já que ajudam a aliviar o bolso do contribuinte e, ao mesmo tempo, tornam vaiável, em especial para as faixas menos favorecidas, o tratamento e a prevenção das doenças. Ambos são o quesito mais bem avaliado na pesquisa de satisfação dos brasileiros com o atendimento da saúde. Os medicamentos gratuitos são usados por 53% dos entrevistados ou familiares. Já os genéricos, comprados por 79%, chegam a ser considerados tão ou mais confiáveis que os originais por 67%.
Neste ponto, é impossível fugir, mais uma vez, dos efeitos negativos do custo Brasil. Especialistas lembram que taxas e impostos correspondem a um terço do preço final dos remédios. Citam, ainda, distorções como a menor taxação de fármacos para o setor veterinário do que os destinados à saúde humana. A ponto de o tributarista Gilberto Luiz do Amaral citar, em tom de amarga ironia, que "é mais barato entrar na farmácia mugindo do que tossindo".

Voltando à questão orçamentária, cabe uma ressalva. Enquanto os países ricos desembolsam 6,5% do PIB para a saúde, o porcentual cai para cerca de 4% no Brasil (dados de 2011). Por norma constitucional, os recursos carimbados deveriam crescer de acordo com a elevação do PIB, o que não vem sendo cumprido pela União, como apontado em seminário da Folha de S.Paulo: enquanto as contribuições dos Estados (12%) e dos municípios (15%) se mantêm estáveis, a participação do governo federal caiu de 60% para 45%.

Na educação, o cenário não é menos preocupante. Sem falar nas sempre pífias avaliações nacionais e internacionais, ainda estão presentes na memória da sociedade os espantosos resultados do Enem 2014, com seus 530 mil alunos que zeraram na prova de Português, enquanto apenas 250 candidatos atingiram a nota máxima, num universo de 6,2 milhões de participantes. Esse foi apenas um dado a lamentar na avaliação dos resultados. Mas o que esperar de um sistema de ensino no qual 40% dos alunos que concluem o ciclo fundamental não sabem interpretar textos e apenas 54% dos jovens concluem o nível médio até os 19 anos?

Como se constata, a educação no País também está longe de cumprir o preceito constitucional (artigo 205) que determina, como seus objetivos, promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. As causas são tão conhecidas que seria cansativo detalhá-las: desvalorização e despreparo dos professores; indisciplina generalizada nas salas de aulas; constantes mudanças nos planos nacionais de educação, quase sempre desvinculados da realidade; ojeriza à meritocracia; indicação política de gestores escolares; viés ideologizante nos conteúdos; proliferação das faculdades; desvalorização das carreiras estratégicas de pedagogia, magistério e licenciatura; transferência à escola de responsabilidades educacionais que são da família; e por aí vai.

A Constituição também determina que a família deve contar com a proteção do Estado (artigo 226). Mas - uma nova pergunta - será possível cumprir esse preceito num país com tão grandes fragilidades nos direitos básicos à educação e à saúde? Mesmo contando a valiosa contribuição de organizações sociais que buscam suprir as deficiências das ações governamentais e da iniciativa privada nas duas áreas - caso do CIEE, que dedica grande esforço à formação dos jovens para o trabalho -, a resposta é negativa. Daí a insistência na urgência de transformar saúde e educação em objeto de políticas públicas consistentes e eficazes, com duração além dos mandatos de presidentes, governadores ou prefeitos. Só assim esses dois pilares, sem os quais não se sustenta a cidadania, serão postos realmente a serviço da sociedade e do desenvolvimento nacional.

Ruy Martins Altenfelder Silva

Ídolos, só os que têm moral

Mesmo se soubesse que não há nenhum Deus, ou que há um Deus, mas Ele está do lado de Hitler, ainda recusaria seguir junto com aqueles que concordam com assassinato, mentira, falsidade, roubos e coisas semelhantes. Se não há nenhum Deus, ou se Deus é amoral, então quero servir aquele ídolo que se supõe ser moral, que ama a verdade, que tem compaixão pelas pessoas e animais.
(...) Se já é o destino do homem servir ídolos, então quero um ídolo que sirva às minhas exigências antes que um me provoque repulsa as vinte e quatro horas por dias
Issac Bashevis Singer, "O penitente"

Virou pó

Meia dúzia de empresas já sumiu na poeira das investigações sobre a corrupção na Petrobras. As dívidas não pagas aumentaram em US$ 5 bilhões na última quinzena
Pouca gente percebeu, mas meia dúzia de grupos empresariais sumiu na poeira das investigações sobre corrupção na Petrobras, nos últimos seis meses.
Sexta-feira foi a vez da empreiteira Schahin Cury. Juntou-se à tribo que, desde setembro, pede refúgio sob o manto judicial para evitar falência. É uma das regras do jogo.

Schahin foi a segunda nos últimos 15 dias. OAS saiu na frente. Juntas, somam US$ 5 bilhões em dívidas não pagas. Galvão Engenharia, Inepar, Alumini e Jaraguá levaram mais US$ 1,5 bilhão à massa pendente.

O tamanho da dívida pendurada pode aumentar, caso outras empresas filiadas — em operação e até agora mantidas à margem dos tribunais — não resistam à ofensiva de credores alérgicos às longas filas no guichês das tesourarias, organizadas pela Justiça.

Os inquéritos sobre corrupção na Petrobras, as dificuldades de caixa da estatal e o reforço das casas bancárias na prevenção contra lavagem de dinheiro tornaram asfixiante o ambiente em alguns segmentos empresariais.

Executivos presos, o principal cliente com as finanças abaladas e diretores de bancos que só respondem “não”, mudaram o perfil dos setores de infraestrutura, óleo e gás — onde a necessidade de capital é medida em escala “biliométrica”.

Diante da escassez de dinheiro, o governo diz ter achado uma oportunidade econômica: convidar empresas estrangeiras para entrar nesses mercados, de forma direta ou em parceria com grupos locais, privados e estatais.

Pode ser uma abertura saudável. Contém uma aposta de risco político: até o mês passado, o histórico dos governos Lula e Dilma se caracterizava pelo capitalismo de laços, com privilégios do BNDES aos eleitos como “campeões da indústria” ou “produtores de conteúdo nacional”.

Numa conjuntura de ativos nacionais baratos, essa questão política até pode ser minimizada nas decisões sobre investimentos no Brasil.

Sobra outro aspecto relevante, a segurança para quem investe.

Empresas dos EUA e Europa estão submetidas a regulamentos mais rígidos sobre clareza de suas contas. Eles justificam, em parte, temores como os da Pricewaterhouse em relação às contas ocultas da Petrobras — sancionadas nos balanços auditados dos últimos dez anos.

Na outra ponta, aumentou a margem de insegurança sobre as chances de recuperação do capital investido. É ilustrativo o caso do fundo americano Aurellius e do banco português Caixa Geral contra o grupo OAS.

Dias antes de recorrer à proteção judicial, a OAS realizou alterações societárias que no entendimento de seus credores estrangeiros resultaram em suposta fraude.

A OAS nega ter feito diluição patrimonial para ocultar US$ 1 bilhão em ativos que respaldavam as dívidas não pagas.

Com o perceptível aumento da taxa de risco para investidores americanos e europeus em infraestrutura, óleo e gás no Brasil, resta a China para o papel de âncora do projeto governamental de abertura ao capital externo.

As regras de Pequim são incomparavelmente mais flexíveis, a começar pelas normas de auditoria e de movimentação financeira.

Aprender chinês talvez seja a melhor aposta, hoje, para quem deseja fazer negócios da China.

José Casado

Xô, passaralho, xô passaralho!


Estou cansada de toda hora ser xingada desse jeito, na profissão que escolhi, como vem seguidamente sendo feito. Porque se alguém xingar jornalistas e a imprensa está também xingando a mim. Seria tão importante se conseguíssemos, mesmo que individualmente, mostrar por aí o quanto servimos! Mas estamos com nhenhenhem, mimimi, dando alpiste pro inimigo bicar nossas próprias cabeças. Pior, não vendo que o controle já chegou. Irmão da limitação.

Nestes dias minha profissão está de luto. O pavoroso passaralho voou em muitas direções e redações, dizimando dezenas de seres que buscam apenas ganhar a vida, como eu, escrevendo e falando, se comunicando, comunicando algo, contando a história, vendo o que você não está vendo, não está lá para ver - e em muitos casos nem gostaria, faltar-lhe-ia o treino necessário. Alguns dos melhores entre nós foram demitidos. Rua. Dezenas, mais do que dez dezenas, faz a conta.

Deveríamos todos estar de preto, ou com uma faixa no braço, ou nas ruas, mas estamos quietos. A imprensa está sendo assassinada na nossa frente, estamos testemunhando esse crime, vendo as facadas, os vilipêndios, o passaralho cuspindo fogo e jogando como que bombas aéreas e devastadoras, e estamos quietos. Tem ainda quem aplauda, tire uma, solte risinhos sardônicos.

Estamos tão imprensados que estamos quietos, e nós não podemos ficar quietos, porque toda a sociedade vai sofrer muito, embora ela talvez ainda não tenha se dado conta de nossa importância e ande querendo nos trocar por qualquer mequetrefezinho que escreva com termos em inglês, com esnobices, ou os disseminadores da ignorância - por favor não me peçam nomes, vocês os sabem. Eu sei, percebo também que essa sociedade ultimamente não tem a menor ideia do que está fazendo, dizendo, pensando e balbuciando por aí. Lê e acredita no que lhe é massacrado na cabeça, anda regredindo até em costumes. Está confusa, mas temos que sacudi-la, para que não desperte tarde demais. Nós precisamos dos empregos, vocês do muito que temos a informar.

Outra coisa: ando bem desconfiada de ações subterrâneas cavando buracos para os impérios desabarem mais cedo, e todos ao mesmo tempo como nos últimos dias, uma espécie de implosão. Coincidência? Novo ministro? Conchavo? Oportunismo, do tipo deixa eu aproveitar que já está tudo mal mesmo e mandar uns aí embora?

Se isso também for verdade, jornalistas, saibam, estamos cercados! E desarmados, já que nossas entidades sindicais/sociais/grupais, como todas as outras do gênero estão ou descansando um pouquinho, ou correndo atrás de projetos atrasados, como voltar o diploma para uma profissão que se esfacela, ou ainda estudando teoria de alguma tese chata recém-lançada para fazer cara de conteúdo. Estamos enfrentando inimigos que temos entre nós mesmos. Por inveja. Por burrice. Por posição política. Por falta do que fazer nas redes sociais.

Eu vi, eu li, soube de vários infelizes contentes com algumas demissões. Para disfarçar apareceram até alguns defendendo os mais idosos da leva atingida pelo urubu voador, com seu bico de tesoura. Mas no geral querem sangue, o fim de algumas publicações que não dizem o que querem ouvir, isso que muitos praticamente xingam de mídia.

A palavra foi de tal forma demonizada que só de ouvi-la já me arrepio, porque sei que o discurso que virá dali é de um lado só.

Escrevia esse texto quando me deparei com mais um round entre jornalistas, uns acusando outros, dedo em riste, um entregando o outro. Coisa feia, briga feia, da qual coisa boa não chega nem traz. Parece que o passaralho quando sobrevoa deixa cair, faz chover, iras; que se multiplicam e se escondem para atacar em seguida, diretamente da base.

Atentem. Ela já chegou. Ela, a limitação, irmã da contingência e do controle, filhos da desunião. Saudade do tempo que o debate era bonito, no campo de ideias e ideais, não por dinheiro, como todos os dias espantosamente temos escutado, sabido, percebido.

Por favor, separem o joio do trigo, e depois os unam de novo. Vamos manter a dignidade, alguma dignidade, da profissão que escolhemos.

Parem de dar comida para a ave que nos aterroriza.

Marli Gonçalves