Nestes dias minha profissão está de luto. O pavoroso passaralho voou em muitas direções e redações, dizimando dezenas de seres que buscam apenas ganhar a vida, como eu, escrevendo e falando, se comunicando, comunicando algo, contando a história, vendo o que você não está vendo, não está lá para ver - e em muitos casos nem gostaria, faltar-lhe-ia o treino necessário. Alguns dos melhores entre nós foram demitidos. Rua. Dezenas, mais do que dez dezenas, faz a conta.
Deveríamos todos estar de preto, ou com uma faixa no braço, ou nas ruas, mas estamos quietos. A imprensa está sendo assassinada na nossa frente, estamos testemunhando esse crime, vendo as facadas, os vilipêndios, o passaralho cuspindo fogo e jogando como que bombas aéreas e devastadoras, e estamos quietos. Tem ainda quem aplauda, tire uma, solte risinhos sardônicos.
Estamos tão imprensados que estamos quietos, e nós não podemos ficar quietos, porque toda a sociedade vai sofrer muito, embora ela talvez ainda não tenha se dado conta de nossa importância e ande querendo nos trocar por qualquer mequetrefezinho que escreva com termos em inglês, com esnobices, ou os disseminadores da ignorância - por favor não me peçam nomes, vocês os sabem. Eu sei, percebo também que essa sociedade ultimamente não tem a menor ideia do que está fazendo, dizendo, pensando e balbuciando por aí. Lê e acredita no que lhe é massacrado na cabeça, anda regredindo até em costumes. Está confusa, mas temos que sacudi-la, para que não desperte tarde demais. Nós precisamos dos empregos, vocês do muito que temos a informar.
Outra coisa: ando bem desconfiada de ações subterrâneas cavando buracos para os impérios desabarem mais cedo, e todos ao mesmo tempo como nos últimos dias, uma espécie de implosão. Coincidência? Novo ministro? Conchavo? Oportunismo, do tipo deixa eu aproveitar que já está tudo mal mesmo e mandar uns aí embora?
Se isso também for verdade, jornalistas, saibam, estamos cercados! E desarmados, já que nossas entidades sindicais/sociais/grupais, como todas as outras do gênero estão ou descansando um pouquinho, ou correndo atrás de projetos atrasados, como voltar o diploma para uma profissão que se esfacela, ou ainda estudando teoria de alguma tese chata recém-lançada para fazer cara de conteúdo. Estamos enfrentando inimigos que temos entre nós mesmos. Por inveja. Por burrice. Por posição política. Por falta do que fazer nas redes sociais.
Eu vi, eu li, soube de vários infelizes contentes com algumas demissões. Para disfarçar apareceram até alguns defendendo os mais idosos da leva atingida pelo urubu voador, com seu bico de tesoura. Mas no geral querem sangue, o fim de algumas publicações que não dizem o que querem ouvir, isso que muitos praticamente xingam de mídia.
A palavra foi de tal forma demonizada que só de ouvi-la já me arrepio, porque sei que o discurso que virá dali é de um lado só.
Escrevia esse texto quando me deparei com mais um round entre jornalistas, uns acusando outros, dedo em riste, um entregando o outro. Coisa feia, briga feia, da qual coisa boa não chega nem traz. Parece que o passaralho quando sobrevoa deixa cair, faz chover, iras; que se multiplicam e se escondem para atacar em seguida, diretamente da base.
Atentem. Ela já chegou. Ela, a limitação, irmã da contingência e do controle, filhos da desunião. Saudade do tempo que o debate era bonito, no campo de ideias e ideais, não por dinheiro, como todos os dias espantosamente temos escutado, sabido, percebido.
Por favor, separem o joio do trigo, e depois os unam de novo. Vamos manter a dignidade, alguma dignidade, da profissão que escolhemos.
Parem de dar comida para a ave que nos aterroriza.
Marli Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário