sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Enlouquecer calmamente

No mundo que enlouquece rápido, o Brasil tem feito seu dever de casa. Nem tudo aqui parece fazer sentido. Sou, por exemplo, favorável ao avanço das investigações da Operação Lava Jato até que o tema seja esgotado. Sou também contra o abuso de autoridade, do guarda da esquina ao presidente da República. No Brasil esses temas parecem contraditórios. A sensação que nos passa é de uma tragédia, no sentido que Hegel deva a essa palavra: um inevitável choque do certo contra o certo, situações em que, independentemente da escolha, sempre cairemos num erro.

Olhando de perto as coisas ficam mais claras. A lei do abuso de autoridade está sendo conduzida por Renan Calheiros e será votada por gente que, como ele, está correndo da polícia por implicações em vários crimes. Ela não é urgente. Nem se pode dizer que a existência da Lava Jato a justifique. A quase totalidade das questões levantadas contra a operação foi rejeitada pelo Supremo. Renan Calheiros convidou Sergio Moro para debater a lei de abuso da autoridade. No fundo, quer a presença do juiz para legitimar um processo que ele controla, pois conhece seus pares e sabe que a grande tarefa do momento é neutralizar a Lava Jato. Renan Calheiros deveria ser julgado e preso. No entanto, decidiu enfrentar o Judiciário.

Sua ideia de criar uma comissão para coibir super salários é correta. Os supersalários são ilegais. É mais uma situação delicada na qual precisamos navegar. Não se pode bombardear a ideia de aplicação da lei nem considerá-la uma afronta ao Judiciário. É apenas uma lei que não pegou, mas precisa pegar.

É muito possível que Renan queira enfrentar o Judiciário. E que conte com a ajuda do Palácio do Planalto. Mas aí, no meu entender, reside a loucura principal. Renan tem 12 processos no Supremo. Qualquer um deles poderia resultar em sua cassação e numa temporada na cadeia. No entanto, ele desafia e até ironiza seus aliados mais discretos, como Jucá, dizendo que já esgotaram sua cota de coragem. Não há dúvida de que Renan está sendo corajoso, jogando sua carreira e liberdade enquanto os outros se escondem.

Mas se Renan é tão corajoso, o que dizer do Supremo? Ostenta o oposto simétrico da coragem?

A cúpula do PMDB, Renan à frente, decidiu enfrentar a Justiça, dobrá-la de acordo com seus objetivos. Para isso conta com o exército de investigados por crimes diversos, gente que também deveria já estar condenada pelo próprio Supremo. Sendo bastante realista, é possível concluir que, se os corruptos vencerem a parada, triunfaram, na verdade, farão do STF um poder artificial, sem a garra necessária para enfrentar as quadrilhas que habitam a mesma praça.

Outra loucura é a história de anistiar o caixa 2. Sempre defendi a tese de que a História não recomeça do zero, que é impensável destituir todos os políticos, abrindo espaço para aventuras mais perigosas ainda.

A delação da Odebrecht é uma promessa de fim de mundo. Mas não será. Entre os nomes da lista, há os que receberam dinheiro em troca de favores oficiais – consequentemente, prejuízo para o País. Mas há também os que talvez tenham recebido sem dar nada em troca, até registrando as doações nas contas de campanha.

Entre os que não registram doações, há os que recebem dinheiro legalmente obtido pelos doadores. E há os que recebem dinheiro de origem ilegal, como, por exemplo, nas áreas do tráfico de drogas e milícias.

Tudo isso, de alguma forma, já é contemplado pela legislação brasileira. Fazer uma lei a toque de caixa para anistiar precisamente o caixa 2 pretérito não é a melhor saída para enfrentar o problema da extinção da espécie. O mais prudente é esperar a delação da Odebrecht, desejando que saia o mais rápido possível, e, em função da realidade, separar mortos e feridos, arranhões e fraturas expostas.

Lula telefone PF nao sou ex dois ex-governadores do rio sao presos gaotinho e sergio cabral propina corrupcao jornal tv

As leis de abuso da autoridade e as que definem melhor o comportamento eleitoral são necessárias para o País. Mas podem esperar que as coisas se esclareçam. Depois da delação da Odebrecht, por exemplo, ficará bem claro se o Congresso tem legitimidade para votar algo sobre o caixa 2. É possível que os dados nos convençam a permanecer com as leis existentes até que ele se renove em 2108.

Quanto ao abuso de autoridade, a lei deve ser modernizada. Mas, no meu entender, não é esse o ponto principal. O problema no Brasil é a indiferença. Basta olhar para todos os cantos com o rigor com que advogados, políticos e imprensa olharam para a Lava Jato para perceber que o buraco é mais embaixo: o abuso de autoridade é uma realidade cotidiana tão presente que parece um fato da natureza. Lula já reclamou até na ONU: milhares que sofreram real abuso não chegaram nem à delegacia da esquina.

Julgar e prender Renan Calheiros, acabar com os supersalários, onde quer que existam no Estado, falar de legislação sobre caixa 2 após a delação da Odebrecht e, finalmente, avaliar abuso de autoridade com os olhos de um cidadão, e não de bandidos fugindo da polícia, são passos que, no meu entender, trariam mais lógica ao processo.

A não ser que esteja um pouco louco também, o que é possível neste mundo caótico.

Como entender o argumento de Temer contra a prisão de Lula? Segundo ele, não é bom quando movimentos sociais questionam o Judiciário. Se for assim, líderes de movimentos sociais têm imunidade. E se consideramos a expressão movimentos sociais em sentido mais amplo, a imunidade vale para líderes religiosos, cantores com multidões de admiradores – enfim, damos uma cotovelada na República, como presente de aniversário. No fundo, ele queria dizer “não façam isso no meu plantão, já está confuso demais”. Mas teria de encontrar outro argumento ou, como fazem os presidentes, não se manifestar sobre um processo em curso na Justiça.

Se queria ajudar Lula, acabou prejudicando, pois associa sua liberdade não a presumível inocência, mas à fúria dos movimentos sociais. Se queria atemorizar os juízes, acabou provocando. É duro substituir Dilma nos desastres verbais, mas Temer está fazendo todo o possível.

A agenda imoral

(...) a vara está envergada pelo peso dos peixes graúdos que foram fisgados e estão lutando desesperadamente para se livrar do anzol.
 
Enfim, a selva está em chamas, e as labaredas irão aumentar. É preciso ter muito cuidado com bichos assustados. Assim como os animais, os corruptos acuados são perigosos
Gil Castello Branco 

O PT e seu faz de conta

O partido que veio para mudar a cara do Brasil não consegue mais se entender e os motivos pelos quais seu projeto de poder jogou o País no caos transparecem claramente nas divergências cada vez mais insanáveis em torno das quais se engalfinham os vários grupos que compõem a legenda. Enquanto o PT esteve no poder, bem ou mal havia uma razão para sustentar alguma coesão entre suas principais correntes. Mas, a partir do momento em que, refletindo a sentença implacável dos brasileiros – ao final contundentemente confirmada nas urnas municipais –, as instituições republicanas apearam o lulopetismo do pedestal em que pretendia se perpetuar, o PT não conseguiu mais se livrar do estigma que persegue a esquerda populista, de modo especial, nas democracias do chamado Terceiro Mundo: a incapacidade de articular suas várias tendências em torno de um objetivo político comum. É claro que essa conjectura depende de que se aceite o discutível princípio de que o lulopetismo, facção dominante do PT, constitui efetivamente um movimento político de esquerda.

O PT está dividido em duas grandes tendências: de um lado o grupo majoritário, Construindo um Novo Brasil (CNB), comandado pelo carismático pragmatismo e pela mão de ferro de Lula. De outro, as correntes ditas ideológicas reúnem-se no Movimento Muda PT, para o qual “sem mudar, o PT não conseguirá cumprir o papel de instrumento de emancipação da classe trabalhadora brasileira e de esperança para as novas gerações que lutam por democracia e direitos da cidadania”. É o que afirma, em jargão característico, artigo do deputado e ex-ministro Pepe Vargas (RS), publicado no site da facção Mensagem ao Partido, a segunda maior do PT.

Sob o título É proibido falar de PED?, Vargas condena o Diretório Nacional, que por inspiração de Lula, na tentativa de manter o partido unido, “jogou uma ducha de água fria em quem acreditava em mudanças” na legenda. PED é a sigla para Processo de Eleições Diretas, sistema interno de escolha de dirigentes por meio do qual Lula e sua turma mantêm desde sempre um rigoroso controle do PT. A CNB defendia a manutenção do PED, rejeitado pelo Muda PT sob a alegação de que é um sistema “manipulado” pelo alto comando do partido. Para contemporizar, Lula articulou então uma mudança no sistema, por meio da qual só serão eleitos doravante os dirigentes municipais, que se encarregarão de deflagrar o processo indireto de escolha das instâncias dirigentes superiores do partido.

O Muda PT, no entanto, não está satisfeito com a “gambiarra” de Lula, como mostra o artigo de Vargas: “A eleição dos delegados ao Congresso através do método do PED permite a manutenção de práticas que precisam ser abolidas definitivamente da vida partidária (...) uma versão petista dos tradicionais currais eleitorais”.

Essa queda de braço entre a CNB e o Movimento Muda PT espelha a grande cisão provocada pela crise na qual o partido está mergulhado. De um lado, o grupo majoritário submisso à vontade de Lula que impôs inicialmente ao País um programa de governo populista que objetivava primordialmente consolidar o projeto de poder do lulopetismo. De outro lado, principalmente a partir de seu segundo mandato, Dilma Rousseff – assessorada pela esquerda petista – achou que tinha força e competência para dar ao populismo de seu criador e antecessor um acentuado conteúdo ideológico consubstanciado na “nova matriz econômica” que levou o governo à gastança desenfreada e a economia brasileira ao fundo do poço.

Transformado em partido sem voto, o PT e suas várias correntes se curvam agora à evidência de que precisam se reinventar para sobreviver. Mas Lula e sua turma dificilmente abrirão mão do comando, pela razão óbvia de que o PT é Lula e vice-versa. E a esquerda, por sua vez, não consegue nem administrar a soberba, como está claro na manifestação de Pepe Vargas: “O PT é atacado pela classe dominante e seus aparatos de dominação menos pelos erros do que por seus acertos no governo, ao promover a inclusão social e o desenvolvimento soberano do País”. Pois foram exatamente os extraordinários resultados da fantástica “inclusão social” e do espetacular “desenvolvimento soberano do País” que transformaram o PT em partido sem voto.

Editorial - O Estadão

Um pouco de aventura pra alegrar

Com brasileiro, não há quem possa...

A marchinha incendiou o país na conquista da Copa de 1958, na Suécia, e não saiu mais do ouvido. É o hino da grande capacidade nacional porque ninguém mesmo barra tantas décadas depois as impressionantes realizações para deixar os outros países de queixo caído.

Nesta semana, em 24 horas, o Brasil levou para a prisão dos ex-governadores de um só estado. Nunca em qualquer lugar foram para o xilindró duas pessoas que ocuparam cargo mais importante estadual. E por motivos diversos - uma mesadinha de R$ 300 mil por mês e crime eleitoral nas últimas eleições!!!

auto_thiagolucas2
Se fosse só isso, até alguém poderia alegar que eram casos isolados. Mas como explicar que há um ex-presidente indiciado em três processos, um ex-presidente da Câmara preso, um ex-líder de governo preso, dois ex-ministros da Casa Civil presos, mais de uma centena de parlamentares federais sob investigação, sem contar tesoureiros de partido e donos de grandes empreiteiras presos. Há toda uma geração política envolvida em crimes, que não só resultaram em bilhões desviados dos cofres públicos, mas foi decisiva para o buraco em que se encontra o país.

Nem na ditadura foram para o xilindró sequer ex-presidentes, o que dirá batalhões políticos como agora, apesar do autoritarismo. É hoje o Estado institucional que lota celas com a politicalha.

As condenações só apenas devido ao desvio de verbas, o que tem facilitado os acordos judiciais de redução de pena.

Não se contabilizou o número efetivo de cidadãos mortos pelas nefastas administrações. Certamente que o desvio de dinheiro público, com aval político e governamental, resultou em grande mortandade por incúria governamental. E como com o brasileiro não há quem possa, protagonizou-se em 17 anos um genocídio sem precedentes em tempos de paz. A matança, no entanto, não entra nas contas criminosas da turma do colarinho.

O Brasil certamente poderá requisitar em breve o título de ser uma democracia genocida com os assassinos livres, leves e soltos a circular como cidadãos privilegiados em poder e dinheiro.
Luiz Gadelha

Pouca ambição, muito deslumbramento

Dizer que o Rio acordou feliz na manhã de ontem é pouco; o Rio acordou eufórico. A prisão de Sérgio Cabral foi comemorada nas padarias, nos pontos de ônibus, em qualquer lugar onde houvesse pessoas juntas. A internet, que vinha de uma temporada de baixo astral, explodiu em festa. Há tempos não se via tanta gente contente on-line: nem a prisão do abominável Cunha causou tanta satisfação explícita.

Em menos de dez anos, Sérgio Cabral conseguiu passar de governador mais votado do estado, com ótimos índices de aprovação, a figura mais detestada pelos eleitores. Acho que mais do que incompetência e corrupção, fatores comuns a tantos políticos brasileiros, contribuiu para a péssima imagem do ex-governador o seu estilo de vida ridículo, o seu amor pelos símbolos de uma riqueza de anedota, movida a viagens extravagantes, helicópteros, baldes de champanhe e joias milionárias.


antonio_lucena_-_18-11-2016

Em vez do carioca bacana que a propaganda vendeu nos seus primeiros anos, ainda aproveitando o prestígio de gente boa do pai, Sérgio Cabral revelou-se uma espécie de sub-Trump tropical do dinheiro alheio, uma Maria Antonieta de Mangaratiba, insensível às necessidades e ao sofrimento do povo. Pouca gente teve a sua desfaçatez e o seu desprezo pelo bom senso e pela opinião pública; pouca gente teve a ousadia de achar que os eleitores eram tão cegos e ignorantes. Deu no que deu.

O que mais me espanta, nessa sua figura ao mesmo tempo trágica e de chanchada, é a falta de ambição. Com a idade que tinha ao assumir o governo pela primeira vez, e com a simpatia que, bem ou mal, sabia fingir, Sérgio Cabral poderia ter feito uma longa carreira política, contribuindo para de fato melhorar o Rio de Janeiro e o Brasil, deixando um legado digno e importante. Poderia até mesmo ter se candidatado à Presidência e eventualmente ter sido eleito; poderia ter deixado um bom nome, do qual os seus descendentes se orgulhariam.

Em vez disso, preferiu meia dúzia de jantares em Paris, cercado de cafajestes e de novos ricos. Perdeu, por deslumbrado e canalha, o bonde da História.

Que idiota.

Cora Rónai

Projeto de poder do PMDB faz escala na cadeia

O PMDB é uma locomotiva à procura de um itinerário. Havia estruturado no Rio de Janeiro algo muito parecido com um projeto de poder nacional. Nesse vagão, espremiam-se cinco pajés: Sérgio Cabral, Eduardo Paes, Eduardo Cunha, Luiz Fernando Pezão e Jorge Picciani. Cabral, Paes e Cunha cultivaram ambições presidenciais, cada um à sua maneira e ao seu tempo. Hoje, o projeto faz baldeação em duas estações. Nenhuma delas conduz ao sonho presidencial. Numa, o PMDB fluminense encontra-se com a ruína fiscal que produziu. Noutra, o projeto foi empurrado para um estágio na cadeia.

Preso na manhã desta quinta-feira, Sérgio Cabral sonhou com o Planalto na época em que vendeu aos cariocas duas sensações frágeis e passageiras: a impressão de segurança proporcionada pelas Unidades de Polícia Pacificadora e a ficção de prosperidade vitaminada por empréstimos temerários e verbas federais enviadas por Lula. Tudo isso foi dissolvido numa mistura de inepcia e corrupção.


Hospedado no PF’s Inn de Curitiba, Eduardo Cunha construiu uma ficção presidencial imaginando que costuraria seu futuro por dentro do Congresso. Derrubaria Dilma em 2016, assistiria à cassação de Temer em 2017, no julgamento das contas apodrecidas de campanha no TSE. Na sequência, seria carregado até o Planalto por sua infantaria parlamentar, numa eleição indireta com previsão constitucional. A ambição financeira transformou Cunha numa baleia dentro de uma banheira. O personagem fritou-se em sua própria gordura.

Eduardo Paes também foi visto como pseudo-opção nacional do PMDB. A impressão de que o prefeito, um ex-tucano, poderia voar para o governo do Estado e, dali, para Brasília foi potencializada pela conversão da cidade do Rio num canteiro olímpico de obras. Mas Paes não conseguiu nem mesmo colocar um successor no segundo turno das eleições municipais. Hoje, flerta com a ideia de trocar de partido. O PMDB virou legenda tóxica. Com o futuro atrás das grades, o partido administra um presente que está condicionado à capacidade do governo Temer de aprovar reformas impopulares e ao poder de destruição da delação da Odebrecht.

República corporativa

O Brasil já teve nomes antes de República Federativa do Brasil, mas nenhum se ajustaria melhor à realidade política atual do que o nome de “República Corporativa dos Brasis”. Somos um país dividido entre uma parcela moderna e outra excluída da educação, da saúde, da renda, da participação política; e a parcela moderna é dividida em corporações, sem um interesse nacional comum e sem uma perspectiva de longo prazo que beneficie as futuras gerações.

Não há um sentimento de nação federativa; cada grupo deseja se apropriar da maior parcela possível dos recursos públicos e da maneira mais imediata. Aliam-se entre eles para forçar os governos a atender a todas as suas reivindicações e gastar mais do que os limites possíveis, provocando endividamento, juros altos e inflação. Mas as corporações ganham com isso: a dos bancos, com os juros; dos sindicatos, porque passam a se justificar como promotores dos periódicos reajustes de salários; dos empresários, porque remarcam os preços.

Resultado de imagem para pec do teto charge
Os empresários não querem abrir mão dos fartos subsídios que recebem, com o argumento de manter os empregos; os sindicatos dos trabalhadores se aliam aos patrões para exigir mais recursos dos governos, tirando dinheiro inclusive da educação e da saúde para investimentos de interesse de empresas. As classes médias reclamam dos impostos elevados, mas não reclamam da má qualidade dos serviços públicos, porque desejam melhorar apenas os serviços privados financiados com subsídios públicos. Magistrados já conseguem recursos públicos para pagar a escola privada de seus filhos; parlamentares dispõem de serviço médico especial. Na República Corporativa, procura-se aumentar os ganhos de cada grupo, não como beneficiar a todos e ao país.

Querendo atender a corporação a que pertence e da qual depende sua reeleição, cada parlamentar faz acordos, concedendo tudo o que as corporações pedem pressionando nos corredores do Congresso. Por isso, no Brasil, a inflação não é apenas um fenômeno econômico e monetário, é um fenômeno cultural e moral, devido à formação política de uma República Corporativa, sem controle ou prioridades.

Os Brasis não aceitam a ideia de um limite para os gastos públicos porque isso exigiria que alguma corporação perdesse para outras – ou para os que não têm corporação. Elas fogem da disputa, se oferecem benefícios mutuamente, preferindo a ilusão do aumento ilimitado de recursos com o falsificado dinheiro da inflação.

A proposta de emenda à Constituição que define um limite nos gastos traria realismo à política, forçaria uma disputa entre grupos com o sentimento mínimo de nação. Entretanto, por mais necessária que seja para frear a voracidade corporativa dentro da democracia, a PEC poderá fracassar por falta de uma liderança que consiga convencer os brasileiros corporativizados a fundar uma República Federativa de um só Brasil. Condição básica para o realismo fiscal.

A esquerda despedaçada

Manifestante em ato contra o governo
 Temer na última sexta, em São Paulo (EFE)
Ainda existe uma esquerda no Brasil? E essa esquerda é progressista ou conservadora? Ela entende que o mundo hoje é outro, ou continua presa aos dogmas do passado? Sabe detectar quem são os novos pobres da história?

São perguntas importantes depois do último fiasco eleitoral, e a elas respondeu, em parte, o juiz do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

Barroso, que é considerado, por seus escritos, um magistrado progressista e defensor dos direitos das minorias, surpreendeu ao afirmar que no Brasil “existe uma esquerda extremamente conservadora, defensora de dogmas já ultrapassados pela realidade”. E acrescentou: “O modelo do Brasil não é preponderantemente capitalista. É um socialismo para os ricos”.

Com efeito, em que outro momento houve tantos milionários, e quando os bancos ganharam tanto como nos últimos anos, enquanto o país continua em uma profunda recessão econômica?

Por que a esquerda brasileira está muda neste momento em que o Congresso prepara uma anistia para políticos corruptos? Nas últimas eleições municipais, a esquerda foi duramente castigada nas urnas. Teria sido porque os brasileiros se tornaram de direita ou porque a esquerda, que governou por quase 14 anos, já não convence mais?

Não se pode descartar que essa virada conservadora se deva a que a esquerda se aburguesou, tornando-se conservadora e até mesmo corrupta. Ou a que a esquerda está perdendo o trem da evolução do mundo, deixando um rio de órfãos pelo caminho.

Isso vale para o Brasil, mas também, em grande parte, para todas as forças progressistas do mundo. Basta lembrar a inesperada eleição do ultraconservador Donald Trump nos Estados Unidos.

Há quem defenda a ideia de que a esquerda tradicional já cumpriu o seu papel histórico, estando hoje esgotada e incapacitada para detectar quem são, na atualidade, os verdadeiros pobres do planeta.

Mesmo que isso fosse verdadeiro, não significa que não seja necessária uma nova “força social”, não dogmática. Uma esquerda sensível aos sofrimentos do mundo e às vítimas do capitalismo totalitário. Eu me atreveria a dizer que essa esquerda é hoje mais necessária do que nunca, pois pairam sobre a humanidade nuvens carregadas de desinteresse pelo respeito à vida e aos que, sejam pessoas, sejam povos inteiros, foram postos de lado.

Se não existe governo democrático sem uma oposição política, também não haverá um novo liberalismo, tampouco um novo modernismo, sem o contraponto de uma esquerda comprometida mais com as vítimas do que com os carrascos.

Uma esquerda que sirva de contraponto à cultura do poder pelo poder, esse poder que não se preocupa em olhar para trás para ver se alguém tropeçou e ficou no meio do caminho. Uma esquerda capaz de entrar em sintonia com um mundo em transformação, com seus novos problemas e novos lamentos de dor.

Uma esquerda que não seja uma igreja em que somente os seus fiéis são dignos da salvação.

Que peso podem ter no mundo de hoje, por exemplo, esses milhares de sindicatos de esquerda, defensores dos direitos dos trabalhadores, num momento em que os novos pobres são justamente os que não têm emprego, as minorias perseguidas e aqueles que nunca tiveram acesso à cultura? Quem se preocupa com eles?

O que fez a esquerda, esses anos todos, em defesa do ensino no Brasil, que ocupa os últimos lugares do ranking mundial do setor e onde um milhão de estudantes abandonam a escola a cada ano? Para onde irão esses jovens?

O Brasil e o mundo precisam de uma esquerda capaz de renascer das cinzas do seu aburguesamento e da sua incapacidade de saber ler o que as pessoas realmente pensam e aquilo de que gostam hoje em dia.

O mal de certos intelectuais de esquerda é que eles preferem discutir sobre o mundo tal como gostariam que ele fosse e não como ele realmente é. Assim é que surgem as surpresas do tipo Trump. A esquerda continuará a ser indispensável para contribuir para manter viva a democracia e para que se dê atenção aos excluídos. Mas deverá fazê-lo ao lado de todos os outros, sem necessidade de demonizar ninguém.

E sem dogmas, que são as pedras com que se constrói a sepultura da liberdade.

Juan Arias

Imagem do Dia

Seda, China:
China

'O que fizeste do meu PT? Devolva-o!'

Resultado de imagem para dilma traiu lula charge
A história já foi contada mas merece ser repetida. Augusto era imperador em Roma, aliás o primeiro e o mais longevo de todos. Foi quem ampliou os limites do império, estendendo-o à Germânia, a Alemanha de hoje. Cooptou o príncipe alemão Armínio, desde criança, para governar a região, mas na verdade o poder ficou com o general romano Varo, truculento e competente. O povo germano detestava os romanos, por conta da perda da liberdade e dos impostos que Roma impunha. Armínio preparou a traição, unindo todas as tribos e emboscando as legiões romanas lá sediadas. Morreram 150 mil legionários e seu comandante teve a cabeça cortada.

Foi a primeira e última derrota de Augusto, que entrou em profunda depressão. Durante meses, enquanto mandava Tibério sufocar a rebelião, era visto no palácio repetindo seguidamente a exortação: “General Varo, o que fizeste de minhas legiões? Devolva-as!”

O episódio se conta a propósito da traição de Dilma Rousseff com o Lula. O ex-torneiro-mecânico indicou Madame para sucedê-lo e confiou nela. Ao governar no seu primeiro mandato e ao começar o segundo, Dilma imitou Armínio e traiu o padrinho. Fez tudo ao contrário do Lula, que não encontrou nenhum Tibério para enviar. Pessoalmente, apesar da idade, tentará vingar o PT, ou melhor, as legiões massacradas. Ignora-se o resultado…

'Vai todo mundo ficar igual ao Rio?'

A pergunta, em tom dramático, foi feita a empresários pelo ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, em defesa do ajuste fiscal do governo Temer. “Vamos deixar piorar? Com o Rio de Janeiro aconteceu isso, gastou muito mais do que arrecadou, prometeu muito mais do que pôde cumprir e acabou. Não consegue nem pagar a folha, nem os aposentados.” Para Osmar Terra, “o Rio acabou”.

O Rio é um exemplo “didático” do que não deve ser feito. Foi o adjetivo usado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mirem-se no mau exemplo dos gestores irresponsáveis e imprevidentes do Rio e tentem frear o colapso. Mirem-se no mau exemplo de um estado que deixou a folha inchar até explodir e que deitou na cama dos royalties do petróleo, vivendo na farra sem pensar no amanhã. Uma mistura de má gestão, incompetência, falta de planejamento, desperdício de recursos, prioridades erradas, mordomias e desvios. Nenhuma economia resiste a isso.

Resultado de imagem para crise no rio charge

O plano do governador Pezão é apelidado de “pacote de maldades”. A maior maldade não passará: o confisco da remuneração mensal dos servidores. Uma coisa é aumentar o desconto da Previdência de 11% para 14%. Tudo bem. A outra é descontar 30% mensalmente de Previdência dos isentos e de todos os servidores aposentados para ajudar a reequilibrar as contas do Estado. Esquece, Pezão – parece que já esqueceu. É uma provocação em tempos bicudos e um convite ao que vimos: o vandalismo na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj, e o confronto com a PM.

O Rio de Janeiro não é o único estado sem dinheiro e sem saber se pagará ou não o 13º aos servidores. Oito estados estouraram a despesa de pessoal – Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraíba, Distrito Federal, Goiás e Paraná, além do Rio. Salários já são pagos com atraso ou em parcelas.

Mas, se fosse só isso... Na verdade, os servidores são vítimas mas também causa da calamidade dos cofres vazios. Pelos dados do Tesouro Nacional, o Estado do Rio, entre 2012 e 2015, ou seja, em três anos, aumentou seu gasto com pessoal de R$ 20,8 bilhões para R$ 31,6 bilhões; e o gasto com inativos dobrou de R$ 5,2 bilhões para R$ 10,8 bilhões. É ralo que não fecha.

A calamidade financeira já atinge os serviços essenciais, na saúde e na educação. As cenas de penúria e sofrimento da população pelo país afora, exibidas diariamente nos telejornais, lembram as da Venezuela, quando o modelo populista de Hugo Chávez entrou em colapso. O estado de Mato Grosso há cinco meses não repassa às prefeituras as verbas mensais para a Saúde. No Distrito Federal, 40 mil alunos ficaram sem transporte escolar porque as empresas não recebem o pagamento do governo estadual. Merenda escolar? Sumiu em muitos estados.

Começamos a ver hospitais fechando, escolas fechando, postos de saúde fechando. Os índices de criminalidade estão aumentando. A ousadia dos bandidos cresce nas ruas. O orçamento da segurança pública está à míngua. No Estado do Rio, três restaurantes populares que serviam 7.500 refeições por dia foram fechados. Ao todo, são 16 os restaurantes populares, mas o estado deve R$ 22 milhões às dez empresas responsáveis por eles.

Mães com crianças de colo e velhos dão com a cara na porta fechada dos postos de saúde. Uma folha de papel informa que o atendimento médico foi suspenso por falta de equipamentos, manutenção, profissionais e salários. Você se lembra das vítimas das tempestades de 2011 na Serra Fluminense e em Niterói? Pezão quer suspender o Aluguel Social para quase 10 mil famílias desabrigadas. Ao mesmo tempo, o governo Pezão gastou, só de janeiro a outubro, R$ 74 milhões com aluguéis de imóveis, R$ 34 milhões em aluguéis de veículos, R$ 5,6 milhões em aluguéis de vagas de estacionamento, R$ 7,2 milhões em passagens aéreas.

Tenta-se arrecadar na marra dos mais pobres, após se abrir mão de bilhões de reais em impostos dos mais ricos, com as chamadas renúncias fiscais. “Precisamos de medidas anticorrupção, de uma Lava Jato fluminense para reaver verbas que sumiram em comissões. Com o que é proposto, chegamos a uma solução parcial, mas não resolvemos a megacrise estadual”, afirma Istvan Kasznar, professor de economia e administração pública da Fundação Getulio Vargas do Rio. “As elites políticas pagam pouco desse ajuste, e o povo paga tudo.”

Se ao menos se desse um basta à esquizofrenia. Mais um trem da alegria (ou da tristeza?) foi aprovado na Câmara em Brasília: aumento salarial para auditores fiscais e analistas da Receita Federal, acompanhado de “bônus de eficiência”. O projeto, enviado pelo Executivo ao Congresso, prevê impacto de R$ 8,5 bilhões até 2019 nas contas do governo federal. Quem quer mesmo ficar igual ao Rio?

Dados indicam que mudança climática já afeta vida do planeta

A pulga de água evoluiu para tolerar águas cada vez mais quentes.
A pulga de água evoluiu para tolerar águas
 cada vez mais quentes (Hajime Watanabe)
A pulga de água depende da temperatura como poucos animais. Esse pequeno crustáceo não se reproduz a partir da união do óvulo com o gameta masculino. As células sexuais femininas se desenvolvem sem ter sido fecundadas. Esse mecanismo de reprodução assexuada, conhecido como partenogênese, é iniciado por um sinal ambiental ou químico. No caso das pulgas de água, é o calor do ambiente. Durante os meses quentes, se reproduzem mais e as crias são fêmeas. No inverno, a taxa de reprodução é menor e são machos. Por isso, cientistas que estudam as mudanças climáticas estão usando-as como mineiros usavam os canários nas minas.

“Combinando várias técnicas de pesquisa, tanto de campo quanto em laboratório, já temos uma visão completa da extensão do impacto que a mudança climática exerce sobre esses animais”, disse por e-mail o biólogo da Universidade da Flórida, Brett Scheffers. “Agora sabemos que a mudança climática está afetando sua genética, sua fisiologia, sua distribuição e comunidades das quais fazem parte. Esse exemplo fornece a evidência mais abrangente de como a mudança climática pode alterar todos os processos que governam a vida no planeta”, acrescenta.

Juntamente com cerca de 20 cientistas de várias universidades, Scheffers revisou toda a literatura científica a respeito do impacto das alterações climáticas sobre animais e plantas publicada nos últimos anos. Buscaram estudos em todos os níveis, desde mutações nos genes de uma espécie até o estresse em um ecossistema inteiro, incluindo mudanças no tamanho e na forma ou na distribuição geográfica das espécies. Assim, conseguiram identificar quase uma centena de processos ecológicos. Segundo a revista Science, do micro ao macro, 80% desses processos já foram afetados pelo aquecimento global.

“Os genes estão mudando, a tolerância às altas temperaturas está mudando e as características físicas, tais como o tamanho do corpo ou a cor, estão mudando”, disse Scheffers. No caso da pulga de água, as de latitudes mais frias desenvolveram uma tolerância térmica mais elevada em algumas décadas. Em uma escala maior, “as espécies estão alterando seu alcance geográfico, e estamos vendo sinais claros de que ecossistemas inteiros estão estressados”, acrescentou o biólogo, especializado em mudança climática.

Entre as mudanças mais evidentes, estão as alterações nos processos ecológicos relacionados à sazonalidade. Assim, a antecipação da primavera pode causar um desequilíbrio nas relações entre espécies, como na polinização, por exemplo. As temperaturas mais quentes estão alterando o comportamento e distribuição de muitos pássaros. Em latitudes elevadas, enquanto as florestas boreais do Canadá avançam cada vez mais ao norte, no Ártico, uma das áreas mais vulneráveis ao aquecimento, a maioria das espécies está diminuindo.

Os pesquisadores não entram no mérito se as mudanças são boas ou ruins. Para algumas espécies, como os corais, as alterações climáticas são fatais. Para outras, como o pinguim adelaide, a remoção das geleiras da Antártida está aumentando o número de animais da espécie. Em termos globais, a cobertura vegetal do planeta parece ter aumentado, embora algumas árvores mais altas estejam desaparecendo. No mar, o resultado líquido pode parecer neutro: enquanto 52% das espécies adaptadas a águas mais quentes têm prosperado, a mesma porcentagem de espécies de águas frias diminuiu. Em terra, a metade das populações de vertebrados desapareceu em 40 anos.
A pulga de água evoluiu para tolerar águas cada vez mais quentes.

“Alguns não esperavam esse grau de mudanças num prazo de algumas décadas”, diz o professor da Universidade de Queensland e coautor do estudo, James Watson. E acrescenta: “Os efeitos da mudança climática estão sendo sentidos em todos os lugares, sem poupar qualquer ecossistema na Terra. Não é sensato pensar que a mudança climática é apenas um problema para o futuro”.