segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Entendo o povão, mas é difícil explicar a atitude dos intelectuais de esquerda

Cada dia que passa me convenço mais de que, sobretudo quando se trata de política, as pessoas, em geral, têm dificuldade de aceitar a realidade se ela contraria suas convicções.

Recentemente, durante um almoço, ouvi, perplexo, afirmações destituídas de qualquer vínculo efetivo com a realidade dos fatos. Minha perplexidade foi crescendo tanto que, após tentar mostrar o despropósito do que afirmavam, fingi que necessitava ir ao banheiro e não voltei mais ao tal papo furado.

Não resta dúvida de que, até certo ponto, essa dificuldade de aceitar a realidade decorre do momento que estamos vivendo, tanto no Brasil como no mundo em geral.

Tem-se a impressão de que atravessamos um período de mudanças radicais quando os valores, sejam ideológicos, econômicos ou éticos, entram em crise.

Isso parece ter a ver tanto com as utopias quanto com a implantação de novos meios de comunicação. Estes tornaram o mundo menor ou, dizendo de outro modo, é como se todos os povos, nos diversos pontos do planeta, vivessem uma mesma atualidade. Sabemos, a todo instante, de tudo o que ocorre em qualquer região, em qualquer país, em qualquer cidade do planeta.

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No caso de nós, brasileiros, acresce o fato de que chegamos ao fim de uma fase que culminou no afastamento da presidente da República e na implantação de um governo interino, agora permanente. Acresce o fato de que o governo que findou era a expressão de um regime populista, caracterizado por um ideologismo demagógico, apoiado no setor pobre e carente da população. Na verdade, versão primária de um regime dito de esquerda em aliança com o capitalismo corrupto, que ele fingia combater.

Pois bem: que o povão desinformado se deixe levar pelas benesses recebidas é compreensível. Difícil de explicar, porém, é a atitude de intelectuais de esquerda que aceitam a burla como verdade.

E era isso que transparecia na tal conversa do encontro a que me referi no começo desta crônica. Uma das pessoas presentes, dizendo-se contra Dilma Rousseff, tampouco admitia o governo Michel Temer. Quando a lembrei que o governo de Temer tinha apenas um mês de existência e que herdara do anterior uma situação crítica com mais de 11 milhões de desempregados, ela respondeu: "Na cidadezinha onde moro não há desemprego. Duvido muito desses números".

Lembrei-a que aqueles eram dados do IBGE, divulgados havia três meses, quando ainda era Dilma quem presidia o país, ela respondeu: "E o IBGE não podia estar infiltrado por adversários do governo?"

É que essa senhora se diz de esquerda e, embora não possa negar o estado crítico a que o PT conduziu o país, usa de argumentos infundados para colocar em dúvida o fracasso petista. Já observaram que os que defendem esse populismo nunca tocam nos escândalos revelados pela Lava Jato, no assalto à Petrobras, nas propinas dadas a funcionários e políticos inclusive do PT? É que têm dificuldade de aceitar a realidade dos fatos e admitir que estão errados. E se alguém faz referência a tais escândalos, gritam: "Mas isso é mentira!" Ou seja, para quem não suporta a realidade, só é verdade o que lhe convém.

Saí dessa roda e fui me sentar com outro grupo, que falava de futebol, particularmente do Vasco, meu time do coração, que anda mal das pernas, pois acabara de ser desclassificado, ainda na primeira rodada da Copa do Brasil. Mas eis que chega um velho companheiro, simpatizante do PC do B, do finado PCB e muda o assunto da conversa, de futebol para a polícia. Foi então que um dos presentes afirmou que o comunismo já acabara, uma vez que a própria China era hoje a segunda maior potência capitalista do mundo.

– Isso não, contestou o velho comuna. O comunismo está mais vivo do que nunca. A China encarna a nova forma que o regime socialista ganhou.

– Sim –brinquei eu–, é o comunismo capitalista! Todos riram, menos o autor daquela tese surrealista.

O voto inútil

A alienação eleitoral é fato no Brasil e no mundo. A política hipoteca o futuro pois não mora lá. As eleições municipais brasileiras, e as nacionais americanas, são pródigas em exemplos de dois povos que tentam se afastar das leis da imitação e eleger alguém anti-engodo.

Trump não garante respeitar o resultado caso não vença; Lula não vota sabendo que vai perder. A ideia que o empregado assumiu o controle e não irritou o patrão deixou pasma a esquerda europeia. Ricos se aposentam mais cedo do que pobres.

Juiz não quer ser ministro na capital, prefere ser nababo regional. Jovens ocupam escolas para impedir que outros jovens estudem. Funcionários públicos emendam feriado e querem enforcar o ano que vem. Cargo de confiança faz dossiê de colega para impedir sua promoção.

Não há governo que consiga colocar nos trilhos o trem para andar. São manchetes de qualquer dia, qualquer lugar. Eles não aceitam o título de milionários e privilegiados e insistem que o que têm são vacas produzindo bezerros.

Eles acham uma provocação oito grupos predadores cobiçarem a telefônica brasileira em recuperação judicial e nenhum deles ser um deles. O maior comprador vem de um país dilacerado e é credor do grupo falido.

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A riqueza está cada vez mais associada ao ambiente grosseiro da política. A análise política fica chocada de não poder decifrar a fábula das ideias atuais que só querem circular, propagar-se, desmontar esse universo de controle da opinião que faz, para cargo do inerte Legislativo, o candidato mais medíocre, ser o mais votado.

Mas no voto para a cabeça do poder a fantasia do confronto está se desfazendo e o mundo do chat, Facebook, Twitter, WattsApp vai cada vez mais se segregando, um gueto de iguais, um truque para muitos que não são nada, mas precisam parecer alguma coisa.

Eu já tenho o amigo para culpar. Me falta o delito adequado a ele, dizia o americano ao brasileiro, sem receio, seguro de que Deus continuaria a frase e o livraria de ofender aos que acreditaram nele. A linha entrecortada da vida oferecida pelo sistema eleitoral dos dois países, seus altos e baixos, revela uma reta, que vai do Ocupe Wall Street, de 2011, ao Vem Pra Rua de 2013.

Reta que dá ao povo a segurança de que existe uma articulação entre a memória individual do seu sofrimento infantil e a memória coletiva na qual se apoiou até agora. Dois mil e quatorze, no Brasil, foi inútil.

Deixou identidades formadas pelas percepções cotidianas, a balança de interesses convencionais que circundam a memória dos manipulados. Só sobrevivemos porque o voto, como o dinheiro, não muda ninguém, somente desmascara. E aí, a surpresa.

A impressão individual, repetição e a consciência social passam longe do livre-arbítrio. Os jovens livres sentem que são tantos os polos emissores de identidade que perde o vigor a homogeneidade. Mateus, você sabe que vale mais uma frase do que um credo.

E Levi sintetizou: quem chama de tolo seu irmão não ganha a eleição.

Por que Lula não deveria fugir do Brasil

Crescem as especulações de que Luiz Inácio Lula da Silva, indiciado em três processos de corrupção, poderia pedir asilo político ao Governo de algum país amigo para escapar das garras do severo juiz Sérgio Moro.

Iria acompanhado pela esposa e dois de seus filhos, também investigados por suposta corrupção.

Seria a melhor solução para defender sua inocência ou a fuga seria vista como um ato de covardia?

O ex-presidente se considera um perseguido político pela Justiça e declara sua inocência até em fóruns internacionais.

A direita queria, segundo Lula e seus advogados, inviabilizar sua candidatura às eleições presidenciais de 2018.

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No entanto, poucos no mundo político duvidam de que Lula será condenado em primeira instância nos próximos meses e de que, no tribunal de segunda instância, não serão mais benevolentes com ele do que Moro.

Nesse caso, depois da recente decisão do Supremo Tribunal Federal de que os condenados em segunda instância já devem ser encarcerados, enquanto esperam possíveis recursos no Supremo, Lula não só seria preso, mas também seria enquadrado na lei “Ficha Limpa”. Isso invalidaria sua candidatura para disputar eleições.

Contudo, o que mais preocupa Lula é sua possível condenação nas mãos do juiz de primeira instância Sérgio Moro, a quem não considera digno de julgá-lo.

É preciso entender o personagem Lula, que conseguiu se tornar não só o Presidente mais popular do Brasil moderno, mas também um político com grande ressonância mundial.

Uma possível condenação à prisão por juízes que não sejam do Supremo inevitavelmente lhe doeria, mais ainda se com ele fossem condenados sua esposa e um algum de seus filhos.

Humanamente é compreensível sua batalha para não chegar a ser encarcerado. A última coisa que Lula deseja — ele, que ainda sonha em voltar a governar este país — é acabar condenado por corrupção.

Outra coisa é uma possível fuga do país por meio de um pedido de asilo político. Não pareceria, de fato, o mais lógico, considerada sua biografia de ex-sindicalista, combatente, ativista político e social, de alguém que nunca baixou a cabeça para ninguém. E que já esteve na prisão durante a ditadura militar.

O Partido dos Trabalhadores (PT), fundado por ele, se encontra atualmente em seu ponto mais baixo, em processo de refundação, depois da derrota sofrida nas fileiras de seus principais dirigentes condenados e presos por crimes de corrupção. E, além disso, derrotado recentemente nas urnas.

O PT precisa de Lula, mas, aqui. Mesmo na prisão, na qual continuaria a ser visto pelos seus como preso político, seria mais útil para o futuro de seu partido político do que exilado à força no exterior.

Sempre se disse que o PT não existe sem Lula, e que este não existiria sem o partido.

Hoje, mais do que nunca, a força do PT falido necessita da presença próxima de seu chefe caso queira sobreviver, uma vez que, segundo analistas políticos, sem Lula o PT acabaria se desmanchando e se pulverizando em pequenos grupos políticos e nunca acumularia a força que sempre teve, primeiro na oposição e, depois, nos 13 anos de governo da nação.

Um Lula exilado seria, provavelmente, um Lula esquecido. Seria a pior solução para a sobrevivência do PT, que já foi a maior e mais organizada força social da esquerda deste país.

Livre ou na prisão, mas, sempre, melhor ao lado dos seus do que levando na fronte a marca de ter preferido fugir para não enfrentar a Justiça, em um país que ele mesmo contribuiu para que fosse uma democracia defensora do direito e das liberdades civis.

Uma democracia que, apesar de seus conflitos atuais, continua funcionando sem graves percalços, onde as instituições do Estado respeitam a independência dos três poderes.

Não, o Brasil não é a Venezuela, e os brasileiros, nas urnas, acabam de demonstrar que querem escapar de tal destino.

E Lula sabe disso.

Deu errado

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Aconteceu numa sessão qualquer de uma dessas comissões da Câmara dos Deputados em que pouca gente fala, pouca gente escuta e quase ninguém presta atenção, mas nas quais, de vez em quando, é possível ficar sabendo das coisas mais prodigiosas. No caso, o deputado Nelson Marchezan Júnior, do Rio Grande do Sul, tomou a palavra a certa altura dos procedimentos e revelou o seguinte: a Justiça do Trabalho deu aos trabalhadores brasileiros que recorreram a ela no ano passado um total de 8 bilhões de reais em benefícios; no decorrer desse mesmo ano, gastou 17 bilhões com suas próprias despesas de funcionamento. É isso mesmo que está escrito aí. A Justiça do Trabalho brasileira custa em um ano, entre salários, custeio e outros gastos, o dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora deste país. Pela aritmética elementar, calculou então o deputado, o melhor seria a Justiça do Trabalho não existir mais, pura e simplesmente. Se o poder público tirasse a cada ano 8 bilhões de reais do Orçamento e entregasse essa soma diretamente aos trabalhadores que apresentam queixas na Justiça trabalhista, todos eles ficariam tão satisfeitos quanto estão hoje, as empresas reduziriam a zero os seus custos nesse item e o Erário gastaria metade do que está gastando no momento. Que tal?

Não existe nada de parecido em país algum deste mundo, ou de qualquer outro mundo. Como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem? O sistema ao qual se dá o nome de “Justiça do Trabalho” continua sendo uma das mais espetaculares extravagâncias do Brasil — e mais uma demonstração concreta, entre talvez uma centena de outras, da facilidade extrema de conviver com o absurdo que existe na sociedade brasileira. É o que nos faz aceitar resultados exatamente opostos ao que se deseja — estamos nos tornando especialistas, ao que parece, em agir de forma a obter o contrário daquilo que pretendemos. Todos querem, naturalmente, que a Justiça do Trabalho produza justiça para os trabalhadores. Mas fazem tudo, ou aceitam tudo, para gerar o máximo de injustiça, na vida real, para esses mesmíssimos trabalhadores. Que justiça existe em gastar 17 bilhões de reais de dinheiro público — que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí. A intenção era fazer o bem; está sendo feito o mal em estado puro.

A Justiça trabalhista é acessível a apenas 40% da população; os outros 60% não têm contrato de trabalho. Ela não cria um único emprego — ao contrário, encarece de tal forma o emprego que se tornou hoje a principal causa de desestímulo para contratar alguém. Não cria salários, nem aumentos, nem promoções. Apenas tira do público o dobro do que dá. Mas vá alguém querer mexer nisso, ou propor que se pense em alguma reforma modestíssima — será imediatamente acusado de querer suprimir “direitos dos trabalhadores”. Hoje a Justiça trabalhista gasta 90% do orçamento com os salários de seus 3 500 juízes, mais os desembargadores de suas 24 regiões, mais os ministros do seu “Tribunal Superior do Trabalho”, mais os carros com chofer. Em nome do progresso social, porém, fica tudo como está.

Tudo isso, claro, é apenas uma parte da desordem que transforma a Justiça brasileira numa imensa piada fiscal. Com a mesma indiferença, aceita-se que o Supremo Tribunal Federal, com onze ministros, tenha 3 000 funcionários — cerca de 300, isso mesmo, para cada ministro. Mas não é suficiente: o brasileiro tem de pagar também 1 bilhão de reais por ano para ser assistido por um “Tribunal da Cidadania”, de utilidade desconhecida — o Superior Tribunal de Justiça, esse já com 33 ministros, quase 5 000 funcionários, incluindo os terceirizados e estagiários, e capaz de consumir dois terços inteiros do seu orçamento com a folha de pessoal. Tempos atrás, o historiador Marco Antonio Villa trouxe a público o deslize para a demência de um órgão público que foi capaz de consumir 25 milhões de reais, num ano, em alimentação para funcionários, pagar de 400 000 a 600 000 reais de remuneração mensal a seus ministros aposentados e ter na folha de pagamento repórteres fotográficos, auxiliares de educação infantil e até “jauzeiros”. O que seria um “jauzeiro”? Vale realmente tudo, nesse STJ.

Você pode querer que nenhuma mudança seja feita nisso aí. Também pode achar que esse sistema, tal como está, é uma conquista social. Só não pode querer que um negócio desses funcione.

Para Lula, o Brasil é governado por Washington

Lula está cismado. “Não sei se tudo o que está acontecendo hoje no Brasil é determinado aqui dentro do Brasil”, disse ele neste sábado, ao discursar num ato em solidariedade ao MST, que teve uma escola invadida de forma esquisita pela polícia do governador tucano Geraldo Alckmin, em Guararema, interior de São Paulo. “Confesso a vocês que eu não sou muito de acreditar na teoria da conspiracão, mas ela existe. E tem muita coisa estranha acontecendo…”

O pajé do PT soou como se estivesse convencido de que o Brasil é controlado numa sala qualquer de um prédio público de Washington. Para ele, os Estados Unidos passaram a se meter no nosso futuro no momento em que o Brasil decidiu “virar protagonista internacional”, superando um “complexo de vira-latas” que nascera com a chegada das caravelas.

Se Lula estiver certo, foram os controladores da sala de Washington que decidiram que Dilma não era a pessoa certa para a tarefa no Brasil. E escolheram dois caras do PMDB para seguir o programa deles. “Eu acho que tem muita coisa que tá acontecendo e, na minha opinião, não é da cabeça do Michel Temer, não é da cabeça do Eduardo Cunha”, disse Lula à platéia companheira que compareceu ao ato de solidariedade ao MST. “Eu acho que tem muito mais nêgo se metendo.”

O que aborreceu o Império, disse Lula, foi a política internacional do seu governo, que priorizou as relações do Brasil com a África e a América Latina. A aproximação com o Irã entornou o caldo. E a descoberta do pré-sal acendeu o pavio: “…depois que nós anunciamos o pré-sal, em 2007, eles renovaram a 4ª Frota Americana, para tomar conta do Atlântico.”

Lula contou que o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez ajudou a abrir-lhe os olhos: “O Chávez era professor da academia militar lá na Venezuela. Ele me dizia: ‘Lula, as aulas que eu dava para os militares na Venezuela era para dizer, alto e bom som, que o Brasil era o império, o Brasil era o inimigo. Isso era orientação de quem? Do Império (EUA), para não permitir que o Brasil se metessse a ter uma relação, eu diria, privilegiada com os continentes (sic) da América do Sul.”

A sala de controle de Washington está em festa. Lula insinua que, sob Temer, o governo brasileiro já não tem o menor escrúpulo de seguir as ordens com fidelidade canina. “Eles agora falam mal do Mercosul”, lamentou Lula. “…O Mercosul não vale nada. A relação com a África não vale nada. O que os africanos têm pra vender pra nós? O que eles podem comprar da gente? Nós temos é que ficar lambendo a bota dos Estados Unidos e a bota dos países da Europa.”

Bons tempos aqueles em que Lula colocava Barack Obama no seu devido lugar: “Não esqueço nunca o dia que o Obama me ligou do avião dele, preocupado porque tinha uma notícia no jornal que aqui neste país tinha um cientista que estava falando de bomba atômica. E o Obama, preocupado: ‘Presidente Lula, —eu não entendia nada, tinha tradutor, obviamente— ‘estou aqui, no Força Aérea One. E estou indo não sei pra onde. E quero hablar contigo.”

Lula conta que respondeu assim: ‘Obama, deixa eu dizer uma coisa pra você. Esse país que eu presido é o único país do mundo que aprovou na sua Constituição a não-proliferação de armas atômicas. Não é um desejo do Lula. É a Constituição que não permite que a gente tenha arma nuclear. Agora, neste país também, Obama, a gente não tem censura nos nossos cientistas. Se tem um cara discutindo uma tese, a melhor coisa que você tem a fazer, meu caro, é convidar esse cientista para ir aos Estados Unidos fazer um debate sobre a tese dele, por que nós aqui não vamos proibir os cientistas de pesquisarem. Não faz parte da nossa cultura política.”

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Lula admirou-se com a criatividade dos controladores americanos do Brasil. Do nada, tudo mudou numa velocidade de truque cinematográfico: “Eles inventaram uma coisa fantástica: dar um golpe parlamentar. Construíram uma maioria eventual.” O morubixaba do PT lamentou a própria perda de prestígio. Lembrou que, há três anos, para muitos dos congressistas que se renderam ao Império, “era Lula na Terra e Deus no céu. E de repente eles viraram tudo. Deram um golpe. Tiraram a Dilma. E não vão parar por aí.”

Lula convidou os presentes a reagir. “Nós, agora, estamos na hora de construir alguma coisa mais sólida. Não é partido, não é entidade, é construir um movimento. O melhor que nós fizemos foi o das Diretas. O das Diretas foi o melhor movimento que nós conseguimos construir de forma unitária, com as pessoas que pensavam diferente, mas que tinham uma coisa em comum: a gente queria que o Brasil voltasse a eleger presidente da República.”

Lula prosseguiu: “Nós agora precisamos criar um movimento para restabelecer a democracia nesse país. Esse país já tem tamanho demais para continuar sendo governado por alguém posto por uma Câmara de forma totalmente ilegal.” Os controladores de Washington devem estar imaginando que alguma coisa subiu à cabeça de Lula.

“A gente tem que começar a construir uma coisa mais forte, uma coisa que junte mais gente”, exortou Lula. “Cada um deixe o seu probleminha de lado.” Réu três vezes, Lula reconheceu: “Os adversários até agora foram mais competentes do que a gente. Ficamos gritando ‘Fora Temer’ e eles tiraram a Dilma. E colocaram o Temer. E eles fazem tudo, tudo, tudo de forma inconstitucional. Quebraram a legalidade para poder agir de forma inconstitucional. E agora são os direitos dos trabalhadores. Eles vão, efetivamente, destruir o que nós conquistamos nesse país.”

Sempre disposto a fazer o favor de socorrer o Brasil, Lula pediu a todos que esqueçam o seu drama de triplo réu. “Quero dizer pra vocês que o menor caso nesse país é o meu. Tenho dito pras pessoas: não se preocupem com o meu caso. Eu tenho casco de tartaruga, já tenho 71 anos de vida. A gente tem que se preocupar muito é com o que eles vão começar a fazer com o movimento social, porque se a moda pega…”

Se você não consegue acreditar na conspiração que Lula enxerga, saiba que o seu ceticismo o leva a perder muita coisa. A metafísica é sempre mais divertida do que o materialismo. De resto, as teorias conspiratórias são cheias de intriga e emoção. Quem resiste a elas se priva dos prazeres que um bom romance costuma proporcionar.

O Brasil do romance de Lula é um país mais simples. Nele, há “um processo de criminalização da esquerda em andamento.” Você é que complica as coisas com essa sua mania de achar que o problema nunca foi de esquerda ou de direita. A questão é que tem sempre meia dúzia por cima, assaltando o que pertence à legião que está por baixo.

Na ficção de Lula, o Brasil convive com “um monte de instituições totalmente desmoralzidas.” Para ele, “o país perdeu a autorirade.” Enquanto isso, nossos controladores americanos decidem o que vão fazer com o PT depois que o eleitorado brasileiro surrou a legenda nas urnas. A turma da sala de Washington se diverte muito com o PT e com os discursos de Lula.

Paisagem brasileira

Riacho, Alfredo Vieira

A CNBB e a PEC

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Como de hábito, a CNBB resolveu alinhar-se aos partidos de esquerda no combate à PEC 241. Eu andava sentindo falta da CNBB oposicionista, tão silenciosa nos longos anos de insucessos e malfeitos do PT. Aliás, durante os mandatos petistas, a cada quatro anos, ao se aproximarem as eleições, os documentos publicados no site da Conferência com o título Análise de Conjuntura dedicavam-se a combater os argumentos e diagnósticos da oposição. Em outras palavras, disparavam desde a trincheira do governo. Estou chovendo no molhado, bem sei.

O que interessa aqui é esta nota dos senhores bispos contra a PEC 241. Eis sua essência:

"A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública."
E também:
"A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional."
Comecemos por esta última. A CNBB sustenta uma tese surpreendentemente genérica. A de que se uma proposta de emenda à Constituição alterar preceito da Constituição ela é inconstitucional. Nesse caso, para que existiram tais propostas? Uma PEC só será inconstitucional se ferir princípio constitucional ou cláusula pétrea, como tal declarada pelos constituintes originários (1988). Não é o caso. Corporações do Poder Judiciário, por exemplo, se insurgiram contra a PEC por outro viés, invocando o princípio da independência dos poderes, mas o STF já sinalizou que não concorda. O que esse corporativismo pretende é que a cabine dos passageiros de primeira classe não balance quando o avião atravessa zona de turbulência. A própria presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, já se manifestou a favor da PEC e contra o argumento dos magistrados.

Quanto ao primeiro ponto da nota, a CNBB acompanha as críticas dos partidos de esquerda, que:

1. se esfalfaram na análise de consequências da PEC 241 que supõem funestas exatamente aos setores que ela pretende proteger;
2. dizem lutar por mais recursos à Saúde e à Educação, mas parecem não aceitar que esses recursos sejam suprimidos de outros setores, ou seja, haverá que buscar nos ventos e nas estrelas os recursos que pretendem obter;
3. apenas como contraponto e denúncia, trataram da não inclusão do setor financeiro nos ônus da contenção da despesa pública.

Desconsideraram, neste particular, que os títulos do governo são adquiridos pela sociedade como forma de poupança e investimento. É o dinheiro para compra da casa, troca do automóvel, educação dos filhos, reserva para velhice, abertura de um negócio. As medidas que a CNBB pretende contra esses cidadãos produzirão fuga de capitais para outros ativos, redução ainda muito maior dos investimentos produtivos, seriíssimos problemas de financiamento para o governo, que redundariam em aumento da taxa de juros e aprofundamento da recessão. Afinal, não foi a irresponsabilidade fiscal que nos lançou no atual cenário de dificuldades?

Não é sensato recusar racionalidade ao comportamento dos agentes econômicos. Nenhum poupador poupa para suprir o Estado e suas funções. Nenhum investidor anda em busca de governos para socorrer generosamente. Só fundos de pensão administrados por petistas investem em títulos públicos venezuelanos. Bobo é quem, pensando que o dinheiro é bobo, gasta mais do que pode. Agora, tanto os que se serviram politica e/ou pessoalmente da gastança, e os que nada disseram contra ela, se introduzem no palco como zelosos defensores do interesse público. O interesse público, hoje, se chama controle do gasto público, segurança a quem empreende, gera empregos, renda e tributos. Ah! sobre a auditoria da dívida, basta perguntar ao PT como conseguiu quintuplicar em13 anos o compromisso que carregamos.

Percival Puggina

O que o Diabo me contou

Agora os homens não mais me interessam. Compro-os por pouco, mas valem cada vez menos
Giovanni Papini (1831-1956)

Pescadores ameaçados na Baía de Guanabara temem fim de proteção


O pescador Alexandre Anderson de Souza luta há décadas contra os prejuízos à pesca causados pelo esgoto e pelo avanço da indústria do petróleo na Baía de Guanabara. Ele relata ameaças por milícias e, há sete anos, precisa se mudar com frequência. Já viveu sob escolta policial e conta que foi alvo de pelo menos seis atentados. Ele atribui tais atentados a milícias supostamente ligadas aos interesses da indústria petrolífera na região.

Quando questionada sobre eventuais os conflitos com os pescadores, a Petrobras, principal petrolífera na baía, disse à DW que segue rigorosamente as medidas de controle ambiental e dialoga com as comunidades do entorno das suas unidades e empreendimentos, incluindo os pescadores da Baía de Guanabara.

Os conflitos na região, porém, de fato existem. O pescador Alexandre Anderson, sua esposa Daize Menezes de Souza e o amigo também pescador Maicon Alexandre Rodrigues de Carvalho (Pelé) passaram a integrar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), do Governo Federal, em 2009, depois que dois de seus colegas pescadores e membros da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR) foram assassinados a tiros na frente de seus familiares.

Em 2012, outros dois colegas e membros da associação de pescadores apareceram mortos por afogamento próximos de seus barcos. Devido aos constantes atentados, a sede dessa associação, em Magé, no interior da baía, permanece fechada.

Os membros ativos da AHOMAR ainda relatam ameaças e desejam a condenação dos responsáveis pelas mortes dos colegas. Mas a situação deles piorou após a suspensão, até 2017, dos convênios do programa de proteção do Governo Federal.

"As ameaças antes apenas direcionadas ao Alexandre estenderam-se a outras lideranças da AHOMAR [...] O programa está desmantelado pela falta de convênios e, sem apoio, a situação dos pescadores é precária", diz à DW a assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil, Fátima Mello.

Uma portaria do Ministério da Justiça publicada em 5 de setembro estendeu até o fim do ano a suspensão do repasse de verbas para contratos e convênios, entre eles aqueles ligados à Secretaria Especial de Direitos Humanos, que administra o PPDDH

A secretaria nega a suspensão do programa e diz que "há cinco convênios em vigor, todos com os pagamentos regularizados. Alguns convênios foram encerrados com o próprio fim da vigência". O Ministério Público Federal do Rio de Janeiro confirma haver uma ação na Justiça pela permanência dos pescadores no programa.

Os problemas para os pescadores se intensificaram em 2008, com o início as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O projeto de cerca de 8,4 bilhões de dólares da Petrobrás prometia ampliar a capacidade de refino da estatal e dinamizar a economia das cidades do entorno da baía, tornando Itaboraí, sua sede, a "Dubai brasileira".

Em 2015, no entanto, a crise da Petrobrás e as denúncias da Lava Jato culminaram na paralisação das obras do Comperj. Atualmente, contrariando a crise, o projeto deve ser retomado para escoar gás do pré-sal, conforme anunciou em junho o presidente da empresa, Pedro Parente.

Segundo Breno Herrera, biólogo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Baía de Guanabara é suporte para exploração petrolífera, e seu uso tende a aumentar diante da perspectiva de que o pré-sal na costa brasileira eleve o Brasil a um dos maiores produtores internacionais do petróleo.

Isso implica a disputa ainda maior entre pescadores artesanais e grandes navios petrolíferos pelo uso dos espelhos d'água da baía. Segundo Alexandre Anderson, a participação de empresas estrangeiras na exploração do pré-sal deve tornar a situação ainda mais confusa para os pescadores. "Antes ao menos sabíamos que os navios circulando por aqui eram da Petrobrás. Hoje, nem se sabe mais quem continuará explorando a baía", diz.
Fonte: Deutschwelle

Bomba tributária pode arrasar os hospitais

Não é fácil destruir um hospital. O ponto imediatamente abaixo da explosão da bomba atômica jogada sobre Hiroshima era um hospital – o Hospital Shima, que foi vaporizado instantaneamente, junto com 80 funcionários e pacientes. Três anos depois, em 1948, o hospital reabriu no mesmo local. Hospitais são instituições incrivelmente resilientes. Grandes catástrofes – naturais e humanas – apenas tornam o hospital ainda mais necessário. Em Londres, o Hospital de São Bartolomeu, datado de 1123, continua em funcionamento, tendo sobrevivido a várias guerras – duas mundiais.

No Brasil não é diferente. A Santa Casa de Misericórdia de Santos, de 1543, continua a prestar serviços à população. Em todo o País, são dezenas as instituições centenárias que resistiram, ao longo de sua história, a ditaduras e populismos, hiperinflações e planos econômicos.

Os motivos da resistência dos hospitais podem ser vários: o apoio das comunidades, que coalescem em torno das instituições ameaçadas, a filantropia de indivíduos que doam o fruto de seu trabalho para cuidar da saúde do próximo, o espírito missionário de gestores e funcionários e, também, a persistência heroica de empreendedores que, apesar de todas as evidências em contrário, continuam a acreditar que prestar assistência à saúde é uma atividade que merece investimento.

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Implosão de ala do hspital do Fundão, no Rio

Nos últimos tempos, o Estado brasileiro tem apresentado cada vez mais essas evidências em contrário. Há um emaranhado regulatório quase infinito – entre autorizações, permissões, licenças, alvarás, comissões obrigatórias e outras burocracias do gênero, um hospital, para poder funcionar, chega a precisar de aproximadamente 50 documentos, de mais de 20 órgãos públicos diferentes. A rigidez da legislação trabalhista continua a afetar fortemente a atividade hospitalar, que é altamente dependente de mão de obra e, por sua natureza, demanda regimes diferenciados de contratação.

Gerir uma instituição de saúde, portanto, pode ser um grande desafio. A governança hospitalar está entre as mais complexas, em comparação com as demais atividades econômicas, exigindo um esforço intelectual, financeiro e tecnológico acima do padrão para atender a uma realidade cada vez mais demandante.

Para completar o quadro, existe também a questão tributária. Impostos municipais, estaduais e federais chegam a responder por um terço do valor pago por um serviço médico, o que impede que se tenha preços mais acessíveis. Como pode o impacto dos impostos nos insumos de saúde no Brasil ser maior do que nas principais potências, como os Estados Unidos e os países europeus? Mesmo assim, é o setor privado que responde pela maior parcela de investimentos feitos na área. Atualmente essa conta gira em torno de 53% (privado) e 47% (público). Na verdade, os recursos aplicados pela iniciativa privada poderiam ser ainda maiores se o governo se sensibilizasse para os desafios que o setor enfrenta.

Está em discussão uma forte majoração – chamada eufemisticamente de “unificação” – do PIS e da Cofins. Estes dois tributos federais incidem sobre o faturamento dos hospitais, na já elevada alíquota de 3,65% (0,65% de PIS + 3% de Cofins), sem direito a qualquer crédito tributário. E incidem em cascata, pois os hospitais já pagam PIS-Cofins nos insumos que adquirem para prestar o serviço hospitalar.

As discussões sobre a unificação têm girado em torno do fim desse sistema cumulativo, no qual os impostos incidem em cascata, para passar todas as empresas para o sistema não cumulativo, com uma alíquota mais alta, mas no qual as compras gerariam créditos tributários que poderiam ser descontados do valor a pagar. Reduzir essa incidência em cascata de tributos é um objetivo louvável. O País não precisa apenas de menos impostos, mas também de impostos melhores – que provoquem menos distorções às atividades econômicas e estimulem a criação de empregos e o investimento.

No setor hospitalar, o principal insumo é a mão de obra. Algo como 45% dos gastos dos hospitais são com salários, que não gerariam créditos tributários. Com o índice de desemprego na casa dos 12%, o governo brasileiro vê-se na bizarra situação de discutir uma proposta que pune as empresas por serem grandes empregadoras.

Em simulação elaborada pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), constatou-se que, se os hospitais passassem a pagar pelo regime não cumulativo a atual alíquota em vigor, de 9,25% (1,65% de PIS + 7,6% de Cofins), isso poderia representar um acréscimo de até 146% em seus gastos com PIS e Cofins. Esse acréscimo teria reflexos imediatos nos preços dos serviços, que seriam inevitavelmente repassados aos consumidores de um modo geral, que têm visto seus planos de saúde serem reajustados consistentemente acima da inflação nos últimos anos.

Os impactos disso são claros: nos últimos dois anos, quase 2 milhões de pessoas perderam os seus planos privados de assistência à saúde, voltando a ser atendidos pelo SUS. Isso significa gastos maiores para o Estado – situação que só tende a se agravar caso haja um aumento de preços. Qualquer eventual acréscimo de arrecadação com o setor de saúde privado tende a ser diluído na maior necessidade de investimentos públicos.

Poucos setores da economia brasileira enfrentam um cenário tão desafiador quanto o atual da rede hospitalar privada. O crescimento da expectativa de vida do brasileiro indica que continuaremos a ter um aumento da demanda por serviços de saúde. Mas como investir na infraestrutura necessária, se os recursos estão minguando?

Não é fácil acabar com um hospital. No entanto, de 2010 a 2015 o Brasil perdeu 536 hospitais privados, mesmo num contexto em que os serviços hospitalares são cada vez mais necessários. Um aumento do PIS-Cofins pode, nesse sentido, ser muito mais eficaz que guerras, catástrofes e ditaduras para acabar com os que restaram.