O pajé do PT soou como se estivesse convencido de que o Brasil é controlado numa sala qualquer de um prédio público de Washington. Para ele, os Estados Unidos passaram a se meter no nosso futuro no momento em que o Brasil decidiu “virar protagonista internacional”, superando um “complexo de vira-latas” que nascera com a chegada das caravelas.
Se Lula estiver certo, foram os controladores da sala de Washington que decidiram que Dilma não era a pessoa certa para a tarefa no Brasil. E escolheram dois caras do PMDB para seguir o programa deles. “Eu acho que tem muita coisa que tá acontecendo e, na minha opinião, não é da cabeça do Michel Temer, não é da cabeça do Eduardo Cunha”, disse Lula à platéia companheira que compareceu ao ato de solidariedade ao MST. “Eu acho que tem muito mais nêgo se metendo.”
O que aborreceu o Império, disse Lula, foi a política internacional do seu governo, que priorizou as relações do Brasil com a África e a América Latina. A aproximação com o Irã entornou o caldo. E a descoberta do pré-sal acendeu o pavio: “…depois que nós anunciamos o pré-sal, em 2007, eles renovaram a 4ª Frota Americana, para tomar conta do Atlântico.”
Lula contou que o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez ajudou a abrir-lhe os olhos: “O Chávez era professor da academia militar lá na Venezuela. Ele me dizia: ‘Lula, as aulas que eu dava para os militares na Venezuela era para dizer, alto e bom som, que o Brasil era o império, o Brasil era o inimigo. Isso era orientação de quem? Do Império (EUA), para não permitir que o Brasil se metessse a ter uma relação, eu diria, privilegiada com os continentes (sic) da América do Sul.”
A sala de controle de Washington está em festa. Lula insinua que, sob Temer, o governo brasileiro já não tem o menor escrúpulo de seguir as ordens com fidelidade canina. “Eles agora falam mal do Mercosul”, lamentou Lula. “…O Mercosul não vale nada. A relação com a África não vale nada. O que os africanos têm pra vender pra nós? O que eles podem comprar da gente? Nós temos é que ficar lambendo a bota dos Estados Unidos e a bota dos países da Europa.”
Bons tempos aqueles em que Lula colocava Barack Obama no seu devido lugar: “Não esqueço nunca o dia que o Obama me ligou do avião dele, preocupado porque tinha uma notícia no jornal que aqui neste país tinha um cientista que estava falando de bomba atômica. E o Obama, preocupado: ‘Presidente Lula, —eu não entendia nada, tinha tradutor, obviamente— ‘estou aqui, no Força Aérea One. E estou indo não sei pra onde. E quero hablar contigo.”
Lula conta que respondeu assim: ‘Obama, deixa eu dizer uma coisa pra você. Esse país que eu presido é o único país do mundo que aprovou na sua Constituição a não-proliferação de armas atômicas. Não é um desejo do Lula. É a Constituição que não permite que a gente tenha arma nuclear. Agora, neste país também, Obama, a gente não tem censura nos nossos cientistas. Se tem um cara discutindo uma tese, a melhor coisa que você tem a fazer, meu caro, é convidar esse cientista para ir aos Estados Unidos fazer um debate sobre a tese dele, por que nós aqui não vamos proibir os cientistas de pesquisarem. Não faz parte da nossa cultura política.”
Lula convidou os presentes a reagir. “Nós, agora, estamos na hora de construir alguma coisa mais sólida. Não é partido, não é entidade, é construir um movimento. O melhor que nós fizemos foi o das Diretas. O das Diretas foi o melhor movimento que nós conseguimos construir de forma unitária, com as pessoas que pensavam diferente, mas que tinham uma coisa em comum: a gente queria que o Brasil voltasse a eleger presidente da República.”
Lula prosseguiu: “Nós agora precisamos criar um movimento para restabelecer a democracia nesse país. Esse país já tem tamanho demais para continuar sendo governado por alguém posto por uma Câmara de forma totalmente ilegal.” Os controladores de Washington devem estar imaginando que alguma coisa subiu à cabeça de Lula.
“A gente tem que começar a construir uma coisa mais forte, uma coisa que junte mais gente”, exortou Lula. “Cada um deixe o seu probleminha de lado.” Réu três vezes, Lula reconheceu: “Os adversários até agora foram mais competentes do que a gente. Ficamos gritando ‘Fora Temer’ e eles tiraram a Dilma. E colocaram o Temer. E eles fazem tudo, tudo, tudo de forma inconstitucional. Quebraram a legalidade para poder agir de forma inconstitucional. E agora são os direitos dos trabalhadores. Eles vão, efetivamente, destruir o que nós conquistamos nesse país.”
Sempre disposto a fazer o favor de socorrer o Brasil, Lula pediu a todos que esqueçam o seu drama de triplo réu. “Quero dizer pra vocês que o menor caso nesse país é o meu. Tenho dito pras pessoas: não se preocupem com o meu caso. Eu tenho casco de tartaruga, já tenho 71 anos de vida. A gente tem que se preocupar muito é com o que eles vão começar a fazer com o movimento social, porque se a moda pega…”
Se você não consegue acreditar na conspiração que Lula enxerga, saiba que o seu ceticismo o leva a perder muita coisa. A metafísica é sempre mais divertida do que o materialismo. De resto, as teorias conspiratórias são cheias de intriga e emoção. Quem resiste a elas se priva dos prazeres que um bom romance costuma proporcionar.
O Brasil do romance de Lula é um país mais simples. Nele, há “um processo de criminalização da esquerda em andamento.” Você é que complica as coisas com essa sua mania de achar que o problema nunca foi de esquerda ou de direita. A questão é que tem sempre meia dúzia por cima, assaltando o que pertence à legião que está por baixo.
Na ficção de Lula, o Brasil convive com “um monte de instituições totalmente desmoralzidas.” Para ele, “o país perdeu a autorirade.” Enquanto isso, nossos controladores americanos decidem o que vão fazer com o PT depois que o eleitorado brasileiro surrou a legenda nas urnas. A turma da sala de Washington se diverte muito com o PT e com os discursos de Lula.
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