A liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado – decisão a ser apreciada ainda pelo pleno do STF, onde será reafirmada, ou não – adiciona, sem dúvida, novos ingredientes ao caldeirão da crise.
Além do mais, não se sabe muito bem qual seria o comportamento do senador Jorge Viana no caso de assumir a presidência do Senado; se tocaria fogo na lona do circo e cederia às pressões do PT, seu partido, para jogar para fevereiro a votação da PEC do Teto, ou se levaria em consideração os interesses da nação, respeitando o acordado pelos líderes para realizar essa votação na próxima semana.
Jorge Viana pode sim criar transtornos ao presidente Michel Temer. Mas isso seria transitório e inútil para deter um processo essencialmente positivo de renovação e de se passar o país a limpo, a essa altura irreversível.
O permanente é esse processo, impulsionado pela ação das instituições republicanas de Estado e pela pressão da sociedade.
No último mês o país abortou o jabuti da autoanistia arquitetada pelos deputados federais. Também foi frustrada a tentativa de Renan de aprovar, a toque de caixa, o pacote anticorrupção, desfigurado 24 horas antes pela Câmara Federal, que transformou as 10 Medidas propostas pelo Ministério Público Federal e endossadas por mais de dois milhões de signatários em um verdadeiro Frankstein. E adiou a intenção de tutelar e inibir a ação da Justiça e da Procuradoria, por meio do projeto de lei de crime de abuso de autoridade.
Tudo isso para não falar da demissão do ministro Geddel Vieira e da decisão da Suprema Corte de transformar o presidente do Senado em réu, fato inédito na história nacional.
Seja qual for a palavra final do STF, Renan Calheiros não terá a mesma força de antes. E, se for mesmo esperto, não adotará a tática de Eduardo Cunha de confronto com o judiciário e de acinte com a sociedade.
A margem de manobra da velha política se estreitou. De forma presencial, o ator principal dessa ópera voltou a colorir as ruas nas principais cidades do país, no último domingo. Presencial porque esse ator – sua excelência a sociedade mobilizada – esteve conectada virtualmente, o tempo todo, na larga avenida das redes sociais.
Se há uma particularidade nas mobilizações que varrem o país nesses quase dois anos, é a de cada manifestação ter um foco concreto. Se em 2013 elas tinham um caráter difuso quanto às suas bandeiras, hoje tem alvos específicos: o “Fora Dilma” do impeachment, o “Fora Cunha” e agora o “fora Renan”, mas já com o olhar atento para Rodrigo Maia. Se continuar dando bobeira, o presidente da Câmara entra na dança.
O pragmatismo dos manifestantes se verifica também em relação a Michel Temer. Até meados de novembro era visível nas redes sociais a torcida por seu governo. Havia predisposição para se apoiar as reformas e respaldar a equipe econômica. Havia uma aposta para que seu governo levasse em bons termos a travessia para 2018.
No último domingo, o recado das ruas foi outro. De uma forma não tão difusa assim, os brasileiros disseram a Temer: “se liga presidente, estamos lhe dando uma chance, vê lá o que vai fazer”. O pé atrás se deve não tanto às questões econômicas, mas à letargia do governo – incluindo aí a do chefe da Nação – em relação a questões éticas como a que catapultou Geddel.
É possível fazer desse limão uma limonada. As manifestações tanto podem ser uma barreira de contenção às pressões das forças empenhadas na perpetuação da impunidade e dos seus privilégios, como também a base de sustentação para se enfrentar a resistência do corporativismo e do atraso às reformas necessárias, entre elas a da Previdência.
Se entrar em sintonia com o clamor das ruas, Michel Temer poderá cumprir o papel que a história lhe brindou. Se frustrá-las, ouvirá o “Fora Temer” em dose dupla: das forças deslocadas do poder pelo impeachment e das que estão mudando o país pela via pacífica e democrática – como o foram as manifestações do último domingo.
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