Em 2013 o Brasil assinou o Tratado de Comércio de Armas, patrocinado pela Organização das Nações Unidas, que coloca limites para a venda de armas leves e também de outros armamentos bélicos, como tanques, aviões de combate e helicópteros. O objetivo do acordo é justamente impedir que estas mercadorias sejam vendidas para países onde serão usadas para reprimir sua população ou fomentar atividades terroristas. O problema é que quatro anos após a assinatura, o acordo ainda não entrou em vigor. O Tratado ficou dois anos tramitando nas esferas do Executivo até finalmente ser enviado ao Congresso Nacional, responsável pela ratificação final. Na Câmara o acordo já foi aprovado em três comissões ao longo de pouco mais de três anos, mas aguarda a votação em plenário. Tendo em vista o cenário de crise política e econômica, na qual o Governo prioriza uma série de reformas econômicas, não existe perspectiva da matéria ser pautada em breve.
De qualquer forma, concluída esta etapa na Câmara, o Tratado é enviado para o Senado, onde também terá que se arrastar na burocracia legislativa, o que pode levar mais alguns anos. Nas duas Casas a chancela final para o documento esbarra nos interesses da bancada da bala, integrada por parlamentares que defendem, entre outras coisas, o fim do controle de armas dentro do país. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) chegou a protocolar um pedido para que o projeto tivesse que passar por mais uma comissão, medida considerada protelatória e que iria atrasar ainda mais a votação do tema no plenário da Câmara. O pedido foi negado. Ele é um dos que defendem a revogação do Estatuto do Desarmamento, que segundo estudos salvou mais de 160.000 vidas ao restringir drasticamente o número de armas em circulação.
Neste meio tempo, enquanto a matéria tramita sem pressa no Congresso, a Forjas Taurus, empresa brasileira e maior fabricante de armas da América Latina, vendeu armas para o traficante iemenita Fares Mohammed Mana’a. Por sua vez, ele enviou os armamentos para seu país, em guerra civil, de acordo com reportagem da agência Reuters, o que contraria embargos e sanções internacionais. Dois agora ex-executivos da empresa foram denunciados pelo Ministério Público Federal. Enquanto parlamentares brasileiros se debruçavam sem pressa sobre o assunto, granadas brasileiras explodiam no Bahrein, Egito e Turquia, onde foram usadas pelos respectivos Governos para reprimir protestos populares.
Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz, acredita que no curto prazo as fabricantes de armas brasileiras podem até se beneficiar com a não ratificação do Tratado, “vendendo para ditadores e Governos que violam o direito humanitário internacional”. “Mas no médio prazo você acaba não tendo o selo de exportador responsável que é o que a comunidade internacional espera, especialmente em se tratando de um grande player do setor como o Brasil”, afirma. Para Marques, a cada conferência internacional sobre o Tratado se verifica que "mais países estão aderindo e ratificando", e que estaria "se formando um grupo de países do mundo que seguem regras que o país não segue".
Para especialistas, o país tende a perder protagonismo regional ao não ratificar o Tratado. “A ratificação enviaria uma forte mensagem sobre o Brasil como um ator responsável no campo do comércio de armas e como membro da comunidade internacional”, afirmou ao EL PAÍS o finlandês Klaus Korhonen, embaixador responsável por monitorar a implementação do Tratado pelos países signatários. De acordo com ele, “a maioria dos países da América Latina e do Caribe já ratificou o acordo". "Em termos de economia, população e território, [o Brasil] é um dos maiores países do mundo. Está claro que precisamos de sua contribuição em toda a cooperação internacional, e também no campo de regulação da transferência de armas", diz.
Mas não são apenas alguns parlamentares da bancada da bala que tem interesse no comércio de material bélico. O Governo de Michel Temervem fazendo esforços para fortalecer a indústria da Defesa dentro e, principalmente, fora do país. "O setor de defesa e segurança responde por 3,7% do PIB, mas a nosso ver está tendo uma penetração muito aquém do que poderia no mercado internacional", explica o economista Flávio Basílio, secretário nacional de Produtos de Defesa. "Em Defesa não podemos nos fechar. É essencial ganhar escala".
A estratégia de aprimorar o modelo de exportação brasileiro de armas, mas especialmente de tecnologia em blindados, aeronaves ou submarinos, começou a ser sinalizada no primeiro semestre deste ano. "Conseguir entrar em um mercado de alta intensidade tecnológica, significa cruzar uma fronteira na qual a concorrência passa a outro nível, com as principais potencias globais. São necessários instrumentos mais robustos", afirma o secretário.
Os 80 adidos militares no exterior, o maior número de servidores brasileiros fora do país depois do Itamaraty, receberam uma ordem clara e nova neste ano: promover a indústria bélica brasileira. "Existe uma determinação para eles estimularem a venda dos nossos produtos de defesa: aeronaves, instalações para os refugiados, submarinos, blindados, radares, sonares e, obviamente, armamentos letais e não letais", explica Basílio.
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