Também a prisão de Jacob Barata Filho, no Rio de Janeiro, não implica em novidade: finalmente, a polícia chegou a um dos esquemas de corrupção mais manjados nos municípios, os transportes públicos. Como todos os setores que se envolvem com o Estado, este também começou a desmoronar. É mais um e é bom que assim seja. A questão é que esse processo parece não ter fim. No longo prazo, talvez, se construa o novo; o problema é que no presente só se vê o passado — um museu de grandes novidades que pode comprometer o futuro.
Com menos graça e inteligência que numa comédia, a conjuntura nacional pode ser comparada a um blockbuster americano, chamado ''O Feitiço do Tempo'' (ou ''O Dia da Marmota''). O filme, de 1993, retrata uma situação cômica em que o mesmo dia se reinicia a cada manhã; dezenas de vezes, cenas e situações se repetem e a confusão aumenta. Todavia, ao dar-se conta do fenômeno, o protagonista (Bill Murray) se ajusta, corrigindo as interações ao longo processo. Ao final, transforma-se num sujeito melhor e conquista o coração da mocinha (Andie MacDowell).
Quando não é Eduardo Cunha, é Lúcio Funaro; quando não é Rodrigo Rocha Loures, é Henrique Eduardo Alves; quando não é o próprio Michel Temer, é Geddel Vieira Lima. Quando não é João Vaccari, é Antônio Palocci; quando não é Lula, é Aécio Neves. Todos enredados no roteiro que aos poucos ficou desinteressante. A polícia prende, os juízes liberam; a polícia torna a prender, novos prisioneiros ocupam as mesmas celas. Na infecção intestinal do país, prisões e solturas se alternam.
Sujeita à disposição dos protagonistas da política, a sociedade queda paralisada. À piora das condições fiscais e econômicas, se junta o agravamento de questões sociais: desemprego, endividamento, serviços públicos de péssima qualidade, violência rural e urbana; crianças baleadas no ventre da mãe. Ninguém sai às ruas — até porque não se acredita que resolvam; os movimentos de ontem mostraram que não tinham amanhã. O rancor da sociedade é, porém, guardado na geladeira para ser usado em outro momento.
Pesquisas divulgadas nos últimos dias demonstram que a desolação pode não ser um sentimento apenas estéril: ela evolui em revoltas subjetivas e protestos calados que somente mais tarde poderão explodir, se não nas ruas, nas urnas. Sem centro político, a polarização está posta. Oportunistas de qualquer canto e populistas de todos os matizes se movimentam pelo melhor lugar no grid de largada de 2018.
Na Câmara dos Deputados, como antenas, os parlamentares captam esse sentimento geral. Não o reproduzem como representantes da sociedade e, assim, tampouco se mobilizam pela solução do problema — à maioria falta estatura. Mas, se organizam em virtude do cenário que vislumbram: novas solturas e novas prisões; o labirinto sem saída; a fúria das ruas, o populismo e o oportunismo eleitoral. Correm recolher raspas e restos do governo; sugam o bagaço dos recursos. Acordos só os pontuais; amanhã tudo se repetirá. Os urubus pressentem a carniça.
Michel Temer não tem, desse modo, quem o defenda; há uma debandada em sua base. No pronunciamento que fez em sua defesa, o presidente atrasou o relógio à espera do público que não veio. Até os áulicos se escondem. Torce, assim, para manter meros 172 votos ou omissões suficientes apenas para que ganhe tempo, arrastando o jogo que não tem futuro. Mas, sabe que em três votações nominais, entremeadas por desgastes sucessivos, será difícil se segurar.
Dilma Rousseff repetiu Fernando Collor; a possibilidade de Temer seguir o destino de Dilma está posta. Se isto ocorrer, virá Rodrigo Maia e, depois dele, outro e possivelmente mais outro. O elenco de atores e personagens é limitado; sem renovação, o roteiro não evolui. Os protagonistas desse filme ainda não o compreenderam; não se corrigem, cometem os mesmos erros. Enquanto isto ocorrer, reproduzirão o mesmo dia e a mesma marmota.
Carlos Melo
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