O Magnífico Cabral era uma empulhação. Cabral, o Flagelo dos Céus, é outra.
O moço é ladrão e mofará na cadeia, mas uma só pessoa não produz tanta desgraça. Cabral foi reeleito com dois terços dos votos.
Quando ele propôs erguer um muro para segregar uma favela, a única voz que se ergueu contra a maluquice foi a do escritor português José Saramago.
O Magnífico, como os diamantes de sua mulher, tinha muitas facetas. Em alguns casos, refletiam ilusões, em outros, também demofobia e, às vezes, luziam interesses sociais ou mesmo pecuniários.
O Rio de Janeiro é uma cidade onde seis em cada dez imóveis cadastrados não pagavam IPTU. (Nada a ver com favelas.) Isso tem um preço.
Na semana passada, soube-se que os pacientes do Hospital Rocha Faria jejuavam. Trata-se de um dos grandes hospitais públicos da cidade. Para um estado arruinado, seria apenas mais uma desgraça.
Em janeiro de 2016, o Rocha Faria ganhou fama porque descobriu-se que mantinha um ambulatório exclusivo para o atendimento de seus mil servidores estatutários.
A choldra e os 1.300 terceirizados não podiam entrar nessa ala vip. O ambulatório tinha 57 funcionários, entre eles 27 médicos, inclusive três obstetras e três cirurgiões.
Denunciada a maluquice, o privilégio foi defendido pela Associação dos Funcionários e pelo presidente do Sindicato dos Médicos.
As guildas dos serviços públicos de saúde vestem o manto dos defensores dos fracos e dos oprimidos contra o capitalismo selvagem da medicina privada, mas, no Rocha Faria, seus associados dispunham de um hospital só para eles e nenhum comissário reclamou. Nenhum. O silêncio não foi coisa do Cabral.
À época, anunciou-se que seria aberta uma sindicância. Revelou-se que pelo menos outros dois hospitais tinham mordomias semelhantes. Nada. Agora os pacientes do Rocha Faria estão sem comida.
Numa cidade onde mais da metade dos imóveis não pagam IPTU e servidores de hospitais públicos têm ambulatórios privativos, alguma coisa daria errado. Deu, e essa ruína foi construída com a ajuda de muita gente boa.
Falta um adesivo na paisagem do Rio: “Eu fui Cabral”.
Elio Gaspari
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