quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Longe da liberdade econômica

A aprovação ontem da Medida Provisória 881 pela Câmara demonstra que o governo continua a dispor de força considerável para tocar sua agenda econômica no Congresso. Depois de alterações que reduziram seu escopo de 53 a 33 medidas, o texto-base passou com 345 votos a favor e 76 contra.

Na falta de ideia melhor, ela ficou conhecida por um nome pomposo: MP da Liberdade Econômica. É carga demais nas costas de uma medida que trata de temas comezinhos do dia a dia empresarial, como o trabalho aos domingos, a exigência de alvarás, o registro de ponto e a relação do governo com empresários e funcionários no meio digital.


Certamente a medida representa uma melhora no ambiente de negócios, mas dificilmente trará um ganho significativo rumo à meta imposta pelo ministro Paulo Guedes: elevar o Brasil para perto da 40ª posição no ranking Doing Business, do Banco Mundial. Na facilidade para fazer negócios, estamos em 109º lugar entre 190 países. A China está em 46º; o México, em 54º; e o Chile, em 56º.

Os itens que mais prejudicam a posição brasileira nem são tratados na MP. O principal é a burocracia para pagar de impostos. Estamos em 184º lugar, com 1958 horas anuais dedicadas à barafunda tributária, em especial contribuições à previdência, imposto de renda e ICMS. Só uma reforma tributária profunda pode melhorar esse quadro.

Os outros dois itens que mais emperram a vida do empreendedor brasileiro, segundo o relatório, são a burocracia de alvarás para construção (175º lugar) e registro de imóveis (137º lugar). No primeiro caso, são ao todo até 20 procedimentos burocráticos, entre inspeções trabalhistas, sanitárias, do corpo de bombeiros, da Prefeitura, “habite-se” e quejandos. O tempo total para se desvencilhar desse cipoal passa facilmente de um ano, e o custo chega perto de 0,5% do valor do imóvel. No segundo caso, há no mínimo outros 14 procedimentos, que levam pelo menos 25 dias e custam 3,6% da propriedade.

A MP aprovada mal encosta na questão dos alvarás. Não há notícia de que o governo planeje enfrentar a estrutura complexa de cartórios e organismos municipais e estaduais, cuja burocracia e cujo arbítrio são combustíveis a alimentar incessantemente o fogo eterno do inferno em que vive o empreendedor brasileiro. Por isso, proclamar que a nova lei trará “liberdade econômica” não passa, na leitura otimista, de jogada de marketing. Ou, na pessimista, de devaneio.

É lamentável, pois o governo precisaria tratar com o devido senso de urgência todas as medidas que tragam alívio à vida do empresário e possam atrair investimentos. Só assim o Brasil pode tirar a economia do buraco. Mais de 25 milhões de brasileiros (cerca de 25% da força de trabalho) estão desocupados, desistiram de procurar emprego ou se penduram em bicos e trabalhos precários.

Os últimos indicadores sugerem que a economia registrará encolhimento pelo segundo trimestre consecutivo, configurando o que os economistas qualificam como uma “recessão técnica”. Sem facilitar a vida do empresário para que possa investir tranquilo, sem garantir a liberdade real ao capital, sem assegurar que esteja livre de arbítrios burocráticos, confiscos de ocasião e possa operar num ambiente de regras estáveis e impostos previsíveis, não haverá melhora.

Até agora, o governo proclamou intenções louváveis, mas na prática fez pouco. A reforma da Previdência aprovada na Câmara ficou aquém do ideal e enfrentará dificuldades no Senado. A reforma tributária patina, tomada por uma discussão bizantina a respeito da volta da CPMF. A nova lei que advirá da MP 881 traz avanços, mas a realidade não corresponde à promessa embutida em seu apelido.

Se o presidente Jair Bolsonaro ainda tem dúvida da importância que o sucesso na economia tem para seu futuro, basta olhar para a Argentina, onde seu confrade Maurício Macri definha em meio à inflação, desontrole fiscal e disparada do dólar. Não adianta falar. É preciso fazer. Fazer mais. Fazer bem. E fazer rápido.

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