segunda-feira, 7 de julho de 2025

O tédio do fim do mundo

Enquanto escrevo esta coluna a Europa tira a roupa, e lota praias, lagos e piscinas, sufocando de calor. E, atenção, o verão estreou há poucos dias — 21 de junho para ser preciso.

França começou por sofrer uma série de tempestades violentas. Numa única noite caíram 17 mil raios. Logo a seguir veio a atual onda de calor, com as temperaturas a ultrapassar os 40 graus. As autoridades foram forçadas a fechar escolas, monumentos e pontos de interesse turístico.

Barcelona registrou o seu junho mais quente desde 1914. No Reino Unido, as altas temperaturas já estão provocando incêndios.

É outra vez o fim do mundo. O problema é que ao repetir-se todas as semanas, ainda que em diferentes formatos e geografias, o apocalipse acaba por se tornar fastidioso.

Lembra-me um episódio que a minha avó costumava contar, sobre um elefante cor-de-rosa que, lá pelos anos 1950, foi visto a passear-se pelas ruas da Chibia, uma pequena cidade do sul de Angola. No primeiro dia, a notícia do avistamento do paquiderme foi recebida com incredulidade e extraordinária comoção. Acontece que o animal gostou da cidade e passou a visitá-la, primeiro semana sim, semana não, e, finalmente, quase todos as manhãs. Em pouco tempo deixou de ser um fenômeno extraordinário. Era apenas um estorvo de colossais dimensões.

Mesmo a cor rosada — que lhe dava uma aparência onírica, quase milagrosa — foi explicada prosaicamente pelos caçadores locais: o animal banhava-se num lago próximo, ficando coberto de lama avermelhada.

As crianças passaram a persegui-lo, gritando obscenidades e atirando-lhe pedras. A velhinhas expulsavam-no dos quintais à vassourada. Deram-lhe até um apelido, Rosinha — o que, definitivamente, arrasou com o que ainda pudesse restar da reputação, e do orgulho, do infeliz animal.

Por este andar, acabaremos tratando o fim do mundo com idêntica impaciência. Caem 17 mil raios numa mesma noite?! O povão encolhe os ombros, entediado:

— Pô que tu é chato, ó Finzinho!

A temperatura chegou aos 46 graus no Alentejo, em Portugal? Os alentejanos estendem-se à sombra das oliveiras — e aproveitam para dormir uma sestinha.

O fim do mundo virou boletim meteorológico: “Céu parcialmente apocalíptico, com possibilidade de dilúvios à tarde, rios de sangue, pragas de gafanhotos, e um ligeiro colapso civilizacional ao entardecer”.

Em Israel assassinam-se crianças por fome, a tiro, de todas as formas possíveis, num interminável exercício de crueldade, porque, no entendimento dos seus assassinos, não são crianças mas terroristas em gestação.

E nós? Nós prosseguimos impassíveis. Tomando alguma bebida gelada, de preferência na praia, enquanto comentamos o colapso civilizacional como quem discute um filme de ação.

Rosinha, o elefante cor-de-rosa, dança nos salões dos palácios presidenciais, nos parlamentos, nos quartéis, nas redações dos jornais, nas igrejas, nas ruas, praças e jardins de todas as grandes cidades — mas já ninguém o vê. Ninguém o quer ver. Habituamo-nos a tudo. Inclusive, ao fim de tudo.
José Eduardo Agualusa

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