quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

O preço do desenvolvimento predatório na Amazônia

Na mira de grandes investimentos em obras de infraestrutura e de projetos de mineração, de energia e do agronegócio, a Amazônia é vítima de um conjunto amplo de crimes ambientais. Na maioria das vezes, são empreendimentos privados que, com o apoio dos governos estaduais e federal, aceleram o processo de desmatamento predatório e a destruição dos territórios e da vida dos povos amazônicos.

Esperada com entusiasmo pelo agronegócio, a Ferrogrão é um exemplo clássico dos projetos de infraestrutura que geram danos ambientais e violações de direitos. A ferrovia, que promete impulsionar o escoamento de grãos com um corredor de 933 quilômetros entre Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, impactará 48 áreas protegidas, entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode levar o Brasil a renunciar à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual é signatário.

O padre e ativista José Boeing, membro do Núcleo de Direitos Humanos e Incidência da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), chama atenção para o modelo de desenvolvimento adotado na região, que desconsidera a natureza e a cultura dos povos da Amazônia. “Essa ferrovia vai formar um corredor de exportação que só trará benefícios para o agronegócio. E o agronegócio não é sustentável”, afirma.


Estão previstos para a região inúmeros projetos minero-metalúrgicos, petroquímicos, hidrelétricos, hidrovias e ferrovias que não priorizam o respeito ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais. Essa é disputa entre dois modelos de desenvolvimento: o predatório e o socioambiental, segundo o bispo de Roraima e presidente da Repam, Dom Evaristo Pascoal Splengler. O primeiro, das grandes corporações e do poder financeiro, busca o lucro por meio da exploração exaustiva dos recursos da região. O segundo, considera a convivência harmoniosa com a floresta e os povos originários.

Para padre Dário Bossi, missionário e assessor da Rede Igreja e Mineração, a Amazônia sempre foi considerada como uma terra a ser conquistada e ocupada. “Amazônia foi pensada de fora para dentro, com grandes projetos considerados desenvolvimento, caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão de obra barata”.

O missionário alerta que as obras de infraestrutura na Amazônia são criadas para atender demandas e produzir riqueza para fora da região, enquanto resta para os povos amazônicos os prejuízos sociais, ambientais e econômicos. “Infelizmente é uma Amazônia pensada de fora para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constante ameaça por conta da expansão desses grandes projetos econômicos”, conclui.

O último relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada, divulgado em 2019, apontou que 68% das terras indígenas e áreas naturais protegidas estão sob pressão de estradas, mineração, barragens, perfuração de petróleo, incêndios e desmatamento.

O levantamento citado mostrou que, dos 6.345 territórios indígenas localizados nos nove países amazônicos pesquisados (Brasil, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), 2.042 (32%) estão ameaçados ou pressionados por dois tipos de projetos de infraestrutura, enquanto 2.548 (41%) estão ameaçados ou pressionados por pelo menos um. Apenas 8% não estão em situação de ameaça ou pressão.

O procurador regional da República e assessor da Repam, Felício Pontes, afirma que o primeiro problema desses grandes projetos é que eles não levam em consideração os grupos e comunidades impactadas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a realização da consulta prévia, livre e informada aos povos atingidos. “Se a consulta fosse realizada, problemas já seriam equacionados antes do início das obras, porque já sabíamos pelas pessoas que moram lá algumas consequências desses projetos que não são normalmente mencionados no Estudo de Impacto Ambiental”, destaca.

“Os projetos afetam como um todo a região, em alguns lugares, por exemplo, no caso de Belo Monte, já estamos vivenciando o ecocídio da volta grande do Xingu. A hidrelétrica mata o próprio ecossistema com a possibilidade de extinção de espécies de peixes e isso traz uma consequência terrível para essas comunidades”, conta o procurador.

Ele cita outros projetos que afetam a região, como é o caso das rodovias, que impactam no desmatamento na Amazônia e no próprio clima do planeta. “Nós já sabemos e é cientificamente comprovado que as estradas são os maiores vetores de desmatamento na Amazônia e isso atinge também aqueles que dependem da floresta para sobreviver”, afirma.

O rastro de destruição começa antes mesmo das obras, pois essas iniciativas costumam valorizar as terras e chamar atenção da especulação imobiliária. “Quando esses projetos são realizados existe uma especulação imobiliária, uma migração que em alguns lugares em até dois anos, a população local dobra. Então você imagina numa cidade em que não existe infraestrutura suficiente para dar conta da população existente no local, em termos de saúde e educação, e essa cidade vê a sua população dobrando rapidamente”, explica Felício.

À medida que se intensificam as pressões na Amazônia, fica claro o preço que se paga pelo “desenvolvimento”, pois a lógica desses grandes projetos leva a impactos ambientais irreversíveis, apresentando grandes mudanças socioambientais, o que inclui o aumento da pobreza, o deslocamento forçado de famílias, a violência e o surto de doenças.

A solução está na promoção das práticas sustentáveis, na fiscalização e aplicação das leis ambientais e no apoio de alternativas econômicas que valorizem a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas. A adoção de medidas eficazes, a conscientização global e o compromisso com a sustentabilidade são fundamentais para assegurar que a Amazônia continue desempenhando seu papel vital na manutenção do equilíbrio ambiental.

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