sábado, 5 de dezembro de 2015

O fim de uma religião

A ainda presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade –de vários modos, violou a Lei 1.079– e sabe disso. Se o fez por ignorância ou dolo, essa seria matéria que os tribunais penais levariam em conta na hora de modular a pena.

Ocorre que a Câmara, que autoriza ou não a abertura do processo de impeachment contra ela, e o Senado, que processa e julga, são instâncias políticas, o que não quer dizer "arbitrárias". Afinal, para que atuem, é preciso que crimes –de responsabilidade!– tenham sido cometidos. E foram.


É por isso que a anunciada disposição dos petistas de recorrer ao Supremo contra a decisão de Eduardo Cunha (se é que o farão), alegando que Dilma não estuprou as contas por dolo, é ridícula. Permito-me uma pequena digressão, antes que avance.

Religiões, partidos, grupos e indivíduos são dotados de mitos fundantes, cujas verdades são irredutíveis à ordem dos fatos. Não se pode, por exemplo, ser cristão pondo a redenção dos oprimidos no lugar do dogma do cordeiro imolado, como faz a dita Teologia (Escatologia) da Libertação. O triunfo do Deus crucificado está na renúncia aos dons divinais no ato sacrificial, não na punição exemplar ou didática a seus perseguidores ou no perdão por motivos estratégicos ou pragmáticos. A ascese nunca é deste mundo.

Cada um de nós –mesmo sem pertencer a um judaísmo, a um cristianismo, a um islamismo ou a um budismo quaisquer– ancora a sua pequena lenda pessoal num conjunto de abstrações que cobra dos outros um respeito ritual. Cada um de nós é o sumo sacerdote de um culto porque é também o procurador de uma ortodoxia: só existe amizade, amor, companheirismo onde há respeito a valores.

Os petistas cometem um erro fatal quando vociferam a sua inocência e acusam o complô dos adversários, ignorando todas as óbvias violações do solo sagrado que seus sacerdotes promoveram. No PT, não há espaço para arrependimento. Não há pecado. E, portanto, não pode haver expiação e perdão.

Viveremos, sem dúvida, dias interessantes. O que está se desconstituindo –para o bem do país, acho eu– não é apenas um partido político, mas a crença de que um grupo de pessoas detém o monopólio da justiça, da virtude e das boas intenções. Também a reputação de Lula, o mensageiro da Palavra, se esfarela numa velocidade com a qual não contavam nem seus adversários mais ferozes.

Na quarta (2) à noite, minutos depois da decisão de Eduardo Cunha, as falanges do PT na internet já convocavam os fieis, em número sempre menor, para a guerra santa, tentando emprestar verossimilhança a uma farsa que cotidianamente é desmoralizada pelos fatos.

Chega a ser impressionante que o PT não se dê conta de que aquela gesta que lhe deu corpo, a luta dos bons contra os maus, já não encontra mais eco na realidade. O partido não é vítima de uma narrativa contada por terceiros, como tentam fazer crer alguns pistoleiros morais disfarçados de intelectuais e jornalistas. Não!

Os doutores de sua igreja é que se mostraram maus guardiões dos fundamentos que formavam uma irmandade, que propiciavam aos fiéis a experiência do pertencimento, a despeito das vicissitudes do mundo real.

Melhor que assim seja! Já estava na hora de o Brasil ter, de novo, um governo laico. À sua maneira, os pecadores do PT nos salvaram.

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