quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Verdade e completude: entre Gödel e as fake news

Nos primeiros anos da década de 1990, frequentei assiduamente o Grupo de Ciências Cognitivas do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) que se formara sob a liderança do professor Newton da Costa (1929-2024), importante protagonista nos estudos de Lógica, com trabalhos de notória abrangência científica.

A liderança do professor Newton da Costa dava o tom das discussões que, frequentemente, versavam sobre as implicações dos trabalhos de Kurt Gödel (1906-1978), matemático popularmente lembrado como o companheiro de caminhadas de Albert Einstein (1879-1955) pelo campus da Universidade de Princeton.

O que Gödel e Einstein conversavam sempre foi objeto de curiosidade. O livro Incompleteness: The Proof and Paradox of Kurt Gödel, de Rebecca Goldstein, além de recriar essas caminhadas, traz uma discussão acessível dos consagrados teoremas de Gödel, componentes da espinha dorsal da lógica matemática e fundamentais para a teoria da computação.

As exposições sobre lógica do professor Newton e do professor Henrique Schützer Del Nero (1959-2008) que, na época, coordenava o Grupo de Ciências Cognitivas do IEA-USP, invariavelmente remetiam meus pensamentos para o ano de 1965, quando eu cursava a terceira série ginasial (hoje oitavo ano do ensino fundamental) que previa, no programa de Matemática, o estudo da Geometria Euclidiana no plano.

Naquele tempo, fiquei maravilhado com a estrutura lógica apresentada pelo professor de Matemática da minha turma de ginásio, Edmir Jonas Braga, cujos dados biográficos, infelizmente, não tenho.

Postulados e axiomas considerados verdadeiros sobre pontos, retas e planos permitiam deduzir propriedades de ângulos, triângulos, quadriláteros e polígonos com maior número de lados.

Na minha inocência, mantida até as palestras do professor Newton, passei a acreditar no projeto concebido por David Hilbert (1862-1943), considerado um dos maiores matemáticos do século 20, a respeito do formalismo matemático, versando sobre a possibilidade da demonstração de toda afirmação matemática verdadeira.

De maneira geral, é como a Matemática é vista no dia a dia, recebendo a qualificação de “Ciência Exata” e tida como infalível quando requisitada para a análise de qualquer tipo de problema.

É o pensamento que conduz o projeto de Hilbert: verdades matemáticas são sempre logicamente demonstráveis. É esse pensamento que, talvez, afaste os estudiosos das Humanidades, estes obrigados a conviver com complexidade, imprevisibilidade e diversidade, aparentemente distantes da vida da Matemática, vista como intrincada e com caminhos traçáveis pela lógica determinística.

A visão crítica do projeto de Hilbert, devida primordialmente a Gödel, leva ao conceito de Incompletude e a seus teoremas que estão bem explicados no artigo: Os trabalhos de Gödel e as denominadas ciências exatas, do professor Carlos Ventura D’Alkaine (1935-2021), publicado pela Revista Brasileira de Ensino de Física em 2006.

Tentando dar uma ideia resumida, o Teorema da Incompletude (Primeiro Teorema de Gödel) afirma que um sistema formal consistente contendo a aritmética elementar é incompleto, isto é, contém sentenças verdadeiras indemonstráveis.

O entendimento do conceito de Incompletude não é, entretanto, uma refutação do projeto de Hilbert para os fundamentos da Matemática. É, apenas, uma condição limitante para possíveis sistemas matemáticos formais.

Tentando trazer essa discussão para nossa vida, observamos que mesmo as verdades matemáticas têm suas condições limitantes e requerem análise cuidadosa e responsável para serem aceitas e demonstradas.

O progresso da tecnologia e da ciência computacional, com algoritmos em parte devidos a Gödel, trouxe uma inundação de fatos, interpretações e ideias muito pouco verificáveis e que, em muitos casos, passam a dirigir o pensamento e as ações das pessoas.

É comum encontrarmos receitas de medicamentos milagrosos, de modos de vida saudáveis e, até, de como gerir a carreira profissional, todas com fundamentos altamente duvidosos e de origem desconhecida.

Viralizam pelas redes sociais notícias sobre economia, guerras e políticas, fabricadas por pessoas sem qualquer compromisso com a verdade e, muito menos, com a preservação da espécie humana e do planeta.

Até mesmo a medida de credibilidade de notícias, documentários e palestras passou a ser o número de seguidores, sem questionamentos sobre origem, intenção ou possíveis consequências de sua propagação.

O aumento assustador de golpes, crimes econômicos, episódios de pedofilia originados pelo mau uso das redes precisa ser, de alguma forma, contido. Não se trata de censura e de ideologia e sim, de respeito ao ser humano e ao planeta.

Questiona-se sobre como olhar e evitar os possíveis males. Sugiro olhar, como Gödel fez com a lógica, para a vida no planeta com redobrada atenção para a consistência e completude daquilo que se propaga sob o rótulo de informação.

Além disso, profissionais de ciência da computação têm, fundamentados nos trabalhos de Gödel, Alan Turing (1912-1964) e dos prêmios Nobel, John Joseph Hopfield (1933-) e Geoffrey Everest Hinton (1947-), capacidade para criar ferramentas aptas a prover nosso novo mundo digitalizado das devidas ações preventivas e corretivas.

Assim, acredito no bom uso da alta capacidade de conectividade à nossa disposição nas redes. Tudo depende de os seres humanos serem capazes de combinar o conhecimento com a ética e a generosidade.

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