O ser humano se choca e se revolta com o que quiser. O ser desumano decide o que deve chocar e revoltar os outros. Ele é imune ao sentimento. Perplexidade, medo e morte não atrapalham seus cálculos politicamente corretos. Sua bondade e seu altruísmo estão à venda na feira por 1,99. E acabam de produzir uma façanha: o país voltou a ter uma Lei de Imprensa igualzinha à da ditadura militar. Sancionada pelo governo da esquerda bondosa (1,99).
A presidente da República, que foi guerrilheira e declarou seu horror à censura, acaba de aprovar uma lei apunhalando a liberdade de expressão. Não deve ter ligado o nome à pessoa. A nova Lei do Direito de Resposta impõe aos veículos de comunicação prazos e ritos sumários para defender-se dos supostos ofendidos — uma mordaça, dado o risco de jornais e TVs terem que passar a veicular editoriais dos picaretas do petrolão, por exemplo. Este é, e sempre foi, o plano dos petistas amigos do povo em defesa da verdade: falar sozinhos.
É uma lei inconstitucional, e o Supremo Tribunal Federal terá que se manifestar sobre isso. Claro que a independência do Supremo vem sendo operada pelo governo popular segundo a mesmíssima tática progressista — onde progresso é você assinar embaixo do que eu disser. A democracia brasileira está, portanto, numa encruzilhada — e só Carolina não viu.
Carolina e os convertidos, que não são necessariamente comprados. Fora as entidades e cabeças de aluguel, existe a catequização sem recibo. Estudantes de escolas públicas e privadas do país inteiro enfrentam provas — vestibular inclusive — onde a resposta certa é aquela em que o governo do PT é virtuoso e os antecessores são perversos. O nome disso é lavagem cerebral, e os resultados estão aí: em qualquer cidade brasileira há estudantes sofrendo bullying ideológico da maioria catequizada. Essa é a verdadeira tropa de choque (ou exército chinês) dos companheiros que afundaram o Brasil sem perder a ternura.
Pense duas vezes, portanto, antes de se horrorizar com a carnificina da sexta-feira 13 em Paris. Sempre haverá alguém ao seu lado, ou na sua tela, para denunciar o seu elitismo. E para te perguntar por que você não se choca com a violência em Beirute. E para te ensinar que os próprios europeus são os culpados de tudo. Não adianta discutir — como já foi dito, o demônio é burro. Mas se você achar que isso é cerceamento da liberdade, não conte para ninguém: é mesmo. Trata-se da censura cultural, uma prima dissimulada da censura estatal (a da Lei de Imprensa).
A censura cultural se alimenta desses dilemas estúpidos — sempre buscando um jeito de colar no inimigo o selo de “conservador”, palavra mágica. No Brasil, quem é contra a indústria de boquinhas estatais do PT é conservador — e os que conservam as boquinhas são progressistas. Quem era contra o monopólio estatal da telefonia era conservador (neoliberal, elitista etc.). O monopólio foi quebrado, gerou um salto histórico de inclusão social, mas o sindicalismo petista que tentou conservar esse monopólio é que é progressista. Conservadores são os que acabaram com a conservação.
Jornalistas que criticam as malandragens fisiológicas da esquerda são conservadores — e para realçar o maniqueísmo, claro, vale inventar. O perfil de Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia, por exemplo, foi reescrito com algumas barbaridades por um computador progressista do Palácio do Planalto. O perfil do signatário deste artigo também foi enriquecido com algumas monstruosidades. Depois de retiradas, surgiu ali um editorial sobre “polêmicas” com o PT (que continua lá). Cita um vice-presidente do partido que acusou este signatário de maldizer os pobres e sua presença nos shoppings e aeroportos. Naturalmente, é o partido dele quem ameaça a presença dos pobres nos shoppings e nos aeroportos, com a pior crise econômica das últimas décadas — e com seu tesoureiro preso por desviar dinheiro do povo. Mas esses detalhes conservadores não estão no verbete.
Como se vê, a verdade tem dono. Se você não quer problema com a patrulha, leia a cartilha direito. E, se possível, diga que os 130 mortos pelo Estado Islâmico em Paris não são nada perto da matança nas periferias brasileiras (use à vontade a calculadora do demônio). Pronto, você está dentro. Aí, pode falar de tudo. Lula, por exemplo, disse a Roberto D’Ávila que passou cinco anos sem dar entrevista para não interferir no governo. Procede. Esse que você ouviu falando pelos cotovelos devia ser o palestrante da Odebrecht.
Guilherme Fiuza
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